RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 31 e-31207 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20210045

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Artigo de Revisão

Impacto do planejamento familiar na vida sexual e reprodutiva de adolescentes

Impact of family planning on the sexual and reproductive life of adolescents

Daniel Gustavo Guedes Pereira de Albuquerque1; Klenia Felix de Oliveira Bezerra2; Andressa Valente Marques da Silva3; Fernanda de Lourdes Lira Correia Araújo3; Isadora Gomes Tavares3; Keila Marina Vidal Grochoski3; Luiz Eduardo Godoy Souto3; Maria Paula Chuahy Poli3; Roberta Gracielle Amorim de Queiroz3; Valesca Millane Lacerda Santos3; Vanessa Souto Maior Porto3

1. Potiguar University (UNP). Faculdade Ciências Médicas da Paraíba (FCM-PB). Medicina - Cabedelo-Paraíba - Brasil
2. Mestrado em Clínica Odontológica pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Faculdade Ciências Médicas da Paraíba (FCMPB). Medicina - Cabedelo-Paraíba - Brasil
3. Graduanda em Medicina pela Faculdade Ciências Médicas da Paraíba (FCM-PB). Medicina - Cabedelo-Paraíba - Brasil

Endereço para correspondência

Daniel Gustavo Guedes Pereira de Albuquerque
E-mail: danielguedespereira@hotmail.com

Recebido em: 06/07/2021
Aprovado em: 20/03/2021
Data de Publicação: 23/09/2021

Conflito de Interesse: Não há

Editor Associado Responsável: Henrique Vitor Leite

Resumo

INTRODUÇÃO: O programa de planejamento familiar é uma importante ferramenta na redução dos índices de gravidez na adolescência, que é considerada uma questão de saúde pública.
OBJETIVOS: Compilar as publicações científicas nacionais e internacionais acerca do impacto do planejamento familiar na prevenção da gravidez em adolescentes.
MÉTODOS: Foi realizada uma revisão de literatura nos bancos de dados da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Google Scholar, SciELO e PubMed, no período de agosto a dezembro de 2020, a partir de estudos experimentais e observacionais.
RESULTADOS: Dos 20 artigos incluídos, foi realizado agrupamento dos dados que possibilitou a construção de três unidades temáticas: programa de planejamento familiar-potencialidades e fragilidades; fatores determinantes e condicionantes da gravidez na adolescência; educação sexual como ferramenta de prevenção da gravidez na adolescência.
CONCLUSÃO: A eficácia dos programas de planejamento familiar, dependem de vários fatores: treinamento adequado dos profissionais envolvidos, fornecimento gratuito de insumos, metodologia de educação sexual aplicada, local da instalação da sede física do programa e o público-alvo atingido.

Palavras-chave: Planejamento Familiar; Programas de Planejamento Familiar; Gravidez na Adolescência; Gravidez na Pré-Adolescência; Saúde Sexual; Saúde Sexual e Reprodutiva.

 

INTRODUÇÃO

Em 2019, a população mundial de mulheres em idade reprodutiva (15 a 49 anos) era estimada em 1,9 bilhão de pessoas. Deste total, aproximadamente, 1,1 bilhão, necessitam de serviços e informações sobre planejamento familiar. Ressalta-se que há uma demanda reprimida de 270 milhões de mulheres, no mundo, que não tem acesso a qualquer método contraceptivo1.

No Brasil, no período compreendido entre 2000-2010, 21% de todos os nascimentos foram oriundos de mães adolescentes2, apesar de já vigorar, desde 1997, a Lei Federal nº 9.263/97, cujo objetivo era, além de combater antigas práticas ilegais de esterilização promovidas por entidades nacionais e internacionais, implementar no país o planejamento familiar gratuito para os casais, fornecendo informações e métodos anticoncepcionais seguros para combater gestações precoces e indesejadas3.

Visando alcançar os objetivos propostos pela legislação federal, foi estabelecido pelo Ministério da Saúde (MS), que a porta de entrada para a realização do "planejamento reprodutivo" no Brasil seria a atenção primária à saúde. Tal ação ocorreria ao nível das unidades básicas de saúde e respectivos profissionais ali alocados, responsáveis por um território área específicos, onde deveriam mapeá-lo e conhecer de perto a realidade de todos os seus moradores, bem como criar laços de proximidade, respeito e vínculo, procurando ofertar informações e métodos anticonceptivos seguros para os casais que almejassem ter filhos4,5.

Com o decorrer dos anos, verificou-se que inúmeros problemas surgiram para se pôr em prática um atendimento eficaz de política pública de planejamento familiar, a exemplo de falhas na capacitação de profissionais de saúde sobre o tema e inadequação da escolha e indicação dos métodos contraceptivos aos usuários do serviço6,7. No entanto, sabe-se que o planejamento familiar é uma das mais importantes ferramentas para diminuição dos riscos à saúde materna e das crianças recém-nascidas, pois permite aos futuros pais realizar com responsabilidade e segurança um adequado intervalo entre as gestações na formação das famílias e evita gravidezes indesejadas em crianças e adolescentes, principalmente nas nações mais pobres e subdesenvolvidas do planeta, evitando também as mortes maternas por abortos clandestinos e inseguros, que correspondem à aproximadamente 13% da mortalidade global materna8.

Sob o aspecto social, planejar a hora de ter um filho para os casais é de suma importância, principalmente para a mulher, que ao se tornar mãe precocemente tem riscos bastante elevados de não conseguir ter uma educação adequada, diminuindo suas chances no mercado de trabalho e causando repercussões psicológicas para estas mães, como baixa autoestima e falta de perspectivas futuras de vida, renovando-se o ciclo de miséria e pobreza9,10.

Diante deste contexto, justifica-se a realização do estudo pelo fato do planejamento familiar, ser muito mais que um direito reprodutivo e sexual, mas pela importância de difundir a visão desta ferramenta como algo indispensável para o projeto de qualquer país que almeja se desenvolver e promover um estado de bem-estar social aos seus cidadãos, fazendo parte integrante das políticas públicas em qualquer país do chamado mundo desenvolvido. O objetivo do presente estudo é compilar e comparar as publicações científicas nacionais e internacionais acerca do impacto do planejamento familiar na prevenção da gravidez em adolescentes.

 

MÉTODOS

Durante o período de agosto a novembro de 2020, foram realizadas buscas por fontes nos bancos de dados da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Google Scholar, SciELO e PubMed. Na primeira etapa, foram utilizados descritores controlados, nos idiomas português e inglês, associados aos operadores OR e AND: (planejamento familiar OR programas de planejamento familiar) AND (gravidez na adolescência OR gravidez na pré-adolescência) AND (saúde sexual OR saúde sexual e reprodutiva, e que obedecessem aos seguintes critérios de inclusão: artigos, com texto integral nos idiomas português, inglês e espanhol, publicados entre janeiro de 2010 e novembro de 2020, cujos títulos e/ou resumos abordassem a importância do planejamento familiar na vida de adolescentes e fossem disponibilizados de forma gratuita e online. Foram excluídos estudos de revisão, artigos de opinião, dissertações de mestrado, teses de doutorado e publicações em duplicidade. O resultado identificou 23 artigos na BVS, 417 no Google Scholar, 5 artigos na SciELO e 20 artigos na PubMed.

Na segunda etapa, procedeu-se a leitura dos títulos dos artigos selecionados na primeira etapa, a fim de se verificar quais não abordavam a temática proposta, aonde se selecionaram 18 artigos na BVS, 400 no Google Scholar, 3 na SciELO e 13 na PubMed.

Em uma terceira etapa, após leitura dos resumos dos artigos selecionados na etapa anterior, restaram 17 artigos na BVS, 14 no Google Scholar, 2 na SciELO e 12 na PubMed.

Na quarta e última etapa, realizou-se a leitura do texto integral dos artigos restantes, de onde se obteve a amostra final do presente estudo, composta por 4 artigos da BVS, 3 do Google Scholar, 1 da SciELO e 12 da PubMed, totalizando 20 estudos.

Da análise criteriosa de um total de 465 documentos encontrados, 429 foram excluídos por fugirem ao tema proposto, 4 por serem revisões de literatura, 7 por não serem gratuitos, 4 por estarem em duplicidade e 1 por estar incompleto.

Para realizar o tratamento dos estudos selecionados e verificar se os títulos e resumos atendiam aos critérios de inclusão, os estudos foram organizados e tabulados. Procedeu-se a avaliação de dois revisores, seguida da leitura integral dos estudos pré-selecionados. Após discussão consensual entre os revisores foi obtida a seleção final dos artigos incluídos, conforme Figura 1.

 


Figura 1. Seleção dos artigos por descritores nas bases de dados BVS, Google Scholar, SciELO e PubMed.

 

RESULTADOS

Dos 20 artigos que compuseram a amostra desta revisão, verificou-se que 2020 foi o ano em que foram encontrados o maior número de artigos relacionados à temática, com 4 artigos, enquanto os anos de 2019, 2011 e 2010 não foram representados com fontes no presente estudo. Em relação aos países de onde a pesquisa teve origem, destaca-se o Brasil, com 7 artigos. O EUA foi representado por 3, Uganda por 2 e, com um estudo cada, os seguintes países: Portugal, Etiópia, Peru, Malawi, Suíça, Gana, Ruanda e Colômbia.

No que diz respeito aos periódicos de publicação, a Reprodutive Health foi a revista eletrônica de maior representatividade, com 4 artigos (20%), seguida da The Pan African Medical Journal e Contraception, com 2 publicações cada (10%). A saúde coletiva foi a área de atuação em que foram publicados a maioria dos artigos selecionados.

Quanto ao idioma de maior preferência para esta temática, observou-se que 5 artigos (25%) foram elaborados no idioma português, 13 (65%) em inglês e apenas 2 artigos (10%), estavam em espanhol. Quanto à base de dados onde o documento estava indexado, evidenciou-se que dos 20, 12 estudos (60%) estavam na PubMed, 4 (20%) estavam na BVS, 3 (15%) no Google Scholar e 1 (5%) na SciELO. Foi possível visualizar que a grande maioria dos estudos (14) estavam relacionados à temática e eram de natureza qualitativa. Apenas 2 pesquisas eram quantitativas e 4 eram de abordagem mista.

As variáveis dos estudos selecionados foram distribuídas em um quadro sinóptico contendo: ano em ordem decrescente e país de publicação, título do artigo, periódico/área de atuação, idioma, abordagem e objetivos analisados (Quadro 1). A análise temática desta revisão ocorreu a partir dos objetivos propostos pelos estudos selecionados, onde emergiram 3 eixos categóricos: I) Programa de planejamento familiar: potencialidades e fragilidades; II) Fatores determinantes e condicionantes da gravidez na adolescência; III) Educação sexual como ferramenta de prevenção da gravidez na adolescência.

 

 

DISCUSSÃO

I) Programa de planejamento familiar: potencialidades e fragilidades

Quando se aborda a temática do programa de planejamento familiar (PPF) é de suma importância que se avalie quais seus impactos para a sociedade em vários aspectos. Estudos apontam que, mesmo indiretamente, o PPF melhora a saúde e educação infantil no mundo11. Mas, para que tal resultado seja evidenciado, é preciso que as mulheres e adolescentes sejam colocadas como prioridade no atendimento da saúde pública12, a fim de se prevenir as graves consequências trazidas com as gestações não desejadas deste público-alvo, a exemplo da prática de abortos inseguros com lesões uterinas e risco de vida.

A gestação na adolescência é considerada como um fenômeno complexo e com variantes psicológicas, fisiológicas e econômicas13, visto que a maioria das mulheres nesta faixa etária não tem conhecimentos sobre as graves complicações e consequências que a prenhes em idade tão precoce pode acarretar em suas vidas14. Estudos recentes apontam que os principais agravantes de uma gravidez na adolescência são o abandono escolar precoce e o início prematuro no mercado de trabalho, exercendo atividades com pouca qualificação e percepção de baixos salários, fazendo com que essas jovens tenham más condições de vida e baixas perspectivas de crescimento educacional e profissional15.

Outra importante contribuição do programa de planejamento familiar, além de diminuir os riscos de uma gravidez precoce e indesejada, é evitar o fenômeno da gravidez rápida de repetição (GRR). Tal situação ocorre quando a mulher, após uma primeira gravidez, novamente engravida, num período inferior a 24 meses, sendo esta nova gravidez um fator de risco, tanto para a parturiente quanto para o feto, pelo exímio tempo de recuperação do organismo feminino para uma nova gestação16,17.

A GRR traz graves riscos e consequências para a saúde materna durante todas as etapas da gravidez, como também repercussões negativas nos campos econômico e social, podendo ainda afetar o recém-nascido (RN). As principais consequências da gravidez rápida de repetição são o baixo peso do bebê ao nascer, risco de prematuridade do RN e o risco de mortalidade aumentada. Outro grande problema decorrente da gestação precoce e da rápida repetição da gravidez é ocorrência de depressão durante o período gestacional. Na verdade, todos estes fatores são, na maioria das vezes, resultado de condições socioeconômicas desfavoráveis, o que ressalta a importância da aplicação de políticas públicas de planejamento familiar para as classes sociais menos desfavorecidas da população18.

Importantes fragilidades das políticas de planejamento familiar encontradas nos estudos amostrais foram a restrição daqueles programas a parcelas específicas de uma população, como ocorre no Nepal18, em que só podem ser destinatários daquela política de saúde local os casais oficialmente casados, a falta de informações adequadas sobre saúde reprodutiva e métodos contraceptivos em Uganda19 e os custos com o transporte e as longas distâncias a serem percorridas até os serviços locais de saúde em Malawi20.

II) Fatores determinantes e condicionantes da gravidez na adolescência

Antes de se avaliar o impacto das políticas públicas de planejamento familiar é preciso reconhecer os fatores determinantes e condicionantes para a ocorrência da gravidez na adolescência. Estudos revelam que existem muitos fatores que podem estar associados à gravidez precoce, tais como a não utilização ou a utilização indevida, a descontinuação do uso de anticoncepcionais orais, a falta de educação sexual para os jovens, fatores culturais e sociais ou o não atendimento por essa população por profissionais de saúde21.

Em 2010, a região Nordeste do Brasil concentrava o maior índice de gravidez na adolescência entre todas as outras regiões do país. Tal fato ocorria devido aos baixos índices de escolaridade encontrados na população, que contribuíram para a baixa demanda por serviços de saúde entre as mulheres nordestinas jovens e um menor conhecimento destas a respeito de métodos de prevenção da gravidez. Esta situação fez com que a epidemia de zika vírus se instalasse na região naquele ano, agravando ainda mais a situação social daquela população e aumentando bastante o número de crianças nascidas com microcefalia filhos de mães adolescentes21.

Quando se fala nas razões de descontinuação do uso dos anticoncepcionais orais entre os adolescentes, os principais fatores responsáveis são a falta de orientação médica adequada, relações sexuais não planejadas e os efeitos colaterais que tais fármacos produzem22. Já em estudos realizados em países da África, outros fatores apontados foram o conflito do uso do anticoncepcional com crenças religiosas, as grandes distâncias para os locais de distribuição do medicamento, a falta de recursos financeiros para a sua aquisição e o desconhecimento e despreparo dos profissionais de saúde a respeito da utilização correta de tais medicamentos22.

Neste contexto, observou-se também que a falta de informações adequadas sobre saúde reprodutiva e métodos contraceptivos faz com que muitas jovens nos países em desenvolvimento ou mesmo desenvolvidos, venham a ter uma gravidez indesejada na adolescência ou contraiam doenças sexualmente transmissíveis23. Questões socioculturais, como rituais de iniciação sexual e casamentos contra a vontade dos adolescentes em regiões africanas são fatores que contribuem para a gravidez na adolescência nesses locais24.

O planejamento familiar, portanto, engloba não só a questão de ensinar o jovem a utilizar o método anticoncepcional adequadamente, mas também o aprendizado sobre o que é correto em matéria de anticoncepção, pois é comum a escolha de métodos inadequados sob falsas verdades. Essa situação é uma ocorrência comum entre a população de alguns países, a exemplo da Nigéria, onde são observadas altas taxas de natalidade e pouca utilização de métodos anticoncepcionais. Nesses países, a gravidez na adolescência e a geração de muitos filhos são consideradas condições positivas para aquela sociedade. Os riscos em relação à utilização dos métodos anticoncepcionais são distorcidos, levando-se mais em consideração as normas sociais vigentes do que o conhecimento científico solidificado24.

III) Educação sexual como ferramenta de prevenção da gravidez na adolescência

Um programa de planejamento familiar eficaz deve englobar não só as ações efetivas de acesso e assistência ao adolescente, mas, principalmente, ações de prevenção à gravidez precoce através da educação sexual. As chances de diminuir os riscos de uma gravidez indesejada são altas quando esta ferramenta é utilizada, pois as intervenções realizadas na educação em saúde abrem o diálogo sobre questões vividas pelos próprios adolescentes, facilitando o diálogo a respeito da sexualidade, que ainda é considerado um tabu no seio de muitas famílias. Tal estratégia, quando aliada ainda à sua realização no meio escolar, é ainda mais eficaz no alcance dos objetivos propostos24.

A educação sexual como ferramenta para diminuição dos índices de gravidez na adolescência necessita ser bem aplicada. Estratégias educacionais eficazes são as que atingem os jovens regularmente matriculados na educação formal, os que se encontram fora da escola ou os com atraso escolar. As jovens deste último grupo são as que possuem os maiores riscos de gravidez indesejada. Medidas educacionais apáticas, a exemplo da discussão sobre sexo restrita apenas às aulas da disciplina de ciências biológicas, com diversas lacunas no debate sobre as práticas sexuais, poderiam ser suprimidas. É imprescindível melhorar a programação dos temas sobre sexualidade, incluindo assuntos como riscos gestacionais e evasão escolar, pois a abordagem repetitiva e monótona da matéria tem se mostrado ineficaz no alcance dos objetivos, ou seja, prevenir a gravidez precoce24. Ainda mais preocupante é a situação verificada em alguns estudos conduzidos em países como a Etiópia25. Neste país, observou-se que 30%, quase um terço dos profissionais de saúde, apresentaram atitudes negativas em relação à prestação de serviços de saúde reprodutiva para jovens solteiros e 46,5% dos entrevistados mostraram-se desfavoráveis ao fornecimento de métodos de planejamento familiar para jovens solteiros25.

Outro interessante instrumento de educação sexual entre os jovens é o diálogo, dar a oportunidade para que estes possam se expressar, falar sobre suas dúvidas e angústias pessoais com alguém capacitado para ouvi-lo e dividir suas experiências com outros jovens. Entretanto, uma visão contraditória para uso desta ferramenta foi visualizada no Malawi. Em um estudo realizado nesta nação africana, revelou-se que os jovens preferem serviços médicos em que a privacidade das suas informações seja garantida. Segundo os pesquisadores, os jovens denunciaram o compartilhamento com pais ou responsáveis de suas informações pessoais fornecidas aos agentes comunitários de saúde, numa clara quebra de confiança e dificuldade de formação de vínculo26.

É reconhecido o dever do Estado na adoção de políticas claras de planejamento familiar, incluindo apoio médico e psicológico26, bem como a atuação preventiva do enfermeiro do serviço primário de saúde27. O profissional de enfermagem, por estar mais próximo dos pacientes, deve respeitar a autodeterminação das pessoas no momento em que pretendem planejar sua vida reprodutiva, sem interferir nas suas decisões. Ele deve ofertar uma variedade de métodos contraceptivos que melhor se adequem à necessidade do casal ou da jovem em idade reprodutiva28. A utilização de contraceptivos reversíveis de longa ação (CRLA), como o dispositivo intrauterino e o implante anticoncepcional subdérmico, são considerados como métodos eficazes de contracepção e que podem ser utilizados em mulheres com diferentes origens culturais e menos experiência sexual. No entanto, é obrigação do poder público o fornecimento dos vários tipos de fármacos à população que deles necessitem, a fim de implementar eficazmente as suas políticas públicas de saúde.

 

CONCLUSÃO

O estudo revelou que os programas de planejamento familiar apresentam grandes potencialidades para o bem-estar geral da sociedade e para as mulheres mais jovens. Prioritariamente, ele foi pensado para favorecer aquela parcela menos favorecida da população, carente de recursos financeiros. Sua função indireta era melhorar a saúde e educação infantil a nível global, na medida em que evitaria o abandono escolar precoce das adolescentes em idade fértil e, por conseguinte, sua entrada prematura no mercado de trabalho em empregos com baixa remuneração, evitando ainda as gravidezes de repetição rápida e suas graves consequências para a mãe e o bebê. O PPF também diminui os índices de contaminação dos jovens pelas infecções sexualmente transmissíveis (IST's).

Observou-se também que há fragilidades nos programas que acabam contribuindo para o fenômeno da gravidez indesejada, como a ausência de um programa eficaz de orientação sexual para os adolescentes, e fatores sociais e culturais envolvidos, como a pobreza, a baixa escolaridade, casamentos forçados entre jovens e o exagerado número de filhos por casais, fenômeno verificado principalmente nas regiões mais pobres do continente africano.

Enfim, verificou-se que a educação sexual é um método bastante eficaz na consecução dos objetivos propostos, desde que aquele dialogue com o público-alvo pretendido, através de ferramentas inovadoras e criativas, onde o adolescente tenha a oportunidade de falar sobre suas experiências sexuais e dúvidas com um profissional capacitado e que tenha uma escuta qualificada, preservando-se a confidencialidade das informações.

 

COPYRIGHT

Copyright © 2021 Albuquerque et al. This is an Open Access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original article is properly cited.

 

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