RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 32 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.v32supl.01.04

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Resumo

Efeitos da luz intensa pulsada no tratamento do olho seco

Effects of intense pulsed light in the treatment of dry eye disease

Bruno Cabaleiro Cortizo Freire1; Júlia Ribeiro Vaz de Faria2; Aline Vilani da Silva Rezende3; Aymara Janaína Soares Fernandes3

1. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG, Brasil
2. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG, Brasil
3. Instituto de Olhos Ciências Médicas. Belo Horizonte - MG, Brasil

Endereço para correspondência

Bruno Cabaleiro Cortizo Freire
E-mail: brunocabaleirocf@gmail.com

Instituição: Instituto de Olhos Ciências Médicas. Belo Horizonte - MG, Brasil

Resumo

INTRODUÇÃO: A doença do olho seco é uma oftalmopatia comum, que requer diagnóstico e terapêutica precoces, por estar relacionada a complicações em tecidos da superfície ocular e comprometimento da qualidade de vida. A principal causa de olho seco é a disfunção das glândulas meibomianas, unidades sebáceas responsáveis pela produção de conteúdo lipídico capaz de controlar a evaporação do filme lacrimal. Estudos recentes têm demonstrado eficácia do uso da luz intensa pulsada no tratamento dessa patologia.
OBJETIVO: sintetizar as evidências e as perspectivas futuras do uso da luz intensa pulsada no tratamento do olho seco.
METODOLOGIA: Foi realizada revisão de literatura nas bases de dados EMBASE e MEDLINE, incluindo artigos publicados nos últimos cinco anos sobre luz intensa pulsada no tratamento do olho seco.
RESULTADOS: A luz intensa pulsada atua sobre a patogênese multifatorial da disfunção das glândulas meibomianas, proporcionando melhora da funcionalidade glandular e aumento do tempo de ruptura do filme lacrimal, apesar de ainda ser incerta a eficácia e segurança da terapêutica. Os eventos adversos variam de dor local à formação de quelóide e pigmentação cutânea.
CONCLUSÃO: A grande maioria dos estudos recentes têm reportado grande benefício da luz pulsada na estabilização do filme lacrimal e melhora dos sintomas de olho seco. Contudo, a heterogeneidade de desfechos reportados traz grandes limitações, sendo necessários ensaios clínicos randomizados com melhor delineamento para determinar resultados mais conclusivos.

Palavras-chave: Síndromes do Olho Seco. Oftalmopatias. Terapia de Luz Pulsada Intensa.

 

INTRODUÇÃO

A doença do olho seco é uma condição comum, que requer diagnóstico e intervenção precoces, pois, se não tratada, pode predispor a complicações, tais como blefarite, conjuntivite, alterações no filme lacrimal, ulceração e até perfuração da córnea, em casos graves.1 Os sintomas são variáveis, sendo mais comuns a fadiga ocular, desconforto, sensação de corpo estranho, secura e borramento visual. 2

Apenas nos Estados Unidos, estima-se que 40 milhões de pessoas ou estão predispostas ou apresentam a doença do olho seco. Essa oftalmopatia, em sua maioria, está relacionada à idade, sendo mais prevalente em idosos, contudo também pode ser desencadeada por cirurgia refrativa e facectomia.3 

Mais de oitenta por cento dos casos de olho seco são do tipo evaporativo, causado pela disfunção das glândulas meibomianas (DGM).2 Essa disfunção é caracterizada pela obstrução do ducto terminal das glândulas meibomianas, ou por alterações da qualidade das secreções glandulares.2 O conteúdo secretado é extremamente lipídico, e sua temperatura de fusão é em torno de 45°C. 1 Assim, essa secreção pode não se dissolver adequadamente na camada lipídica do filme lacrimal e obstruir essas glândulas1. Como consequência, ocorre o desequilíbrio entre os conteúdos lipídico e aquoso do filme lacrimal, facilitando a sua evaporação.1 

O tratamento convencional consiste no uso de compressas mornas para dissolver o conteúdo obstrutivo, além de expressão das glândulas, pressionando manualmente a região para liberar o conteúdo obstrutivo. Entretanto, além do desconforto gerado pela expressão das glândulas, esse tratamento não se mostrou capaz de proporcionar resultados satisfatórios a longo prazo.2 Corticosteroides também podem ser usados para alívio de sintomas inflamatórios a curto prazo, mas não são indicados a longo prazo devido ao risco de desenvolver catarata precoce e de aumentar a pressão intraocular.7 Antibióticos também podem ser usados, tendo bons resultados na redução do processo inflamatório, porém não são indicados de rotina devido ao seu perfil de efeitos colaterais.7

Recentemente, uma série de estudos têm demonstrado eficácia no uso da luz intensa pulsada (LIP) no tratamento dessa condição. Esse tratamento já é utilizado há muitos anos na dermatologia, no tratamento de rosácea facial. Essa condição é comum, e cerca de 80% desses pacientes apresentam DGM associada,4 o que levou à descoberta do possível efeito terapêutico da LIP no tratamento da doença do olho seco. Embora ainda não haja um consenso com relação aos mecanismos de ação, diversas vias têm sido propostas.

O presente estudo tem como objetivo sintetizar o papel dessa nova terapia no tratamento do olho seco evaporativo, além de apontar as perspectivas para o futuro do tratamento dessa condição.

 

METODOLOGIA

Foi realizada uma busca nas bases de dados EMBASE e MEDLINE. Foram incluídos estudos em inglês ou em português, publicados nos últimos 5 anos, que avaliassem o tratamento da doença do olho seco com a luz intensa pulsada. Foram excluídos estudos em animais, relatos de caso e séries de casos. Trabalhos que não se enquadrassem nos critérios de inclusão, ou que não abordassem diretamente os efeitos da luz pulsada no tratamento da doença do olho seco foram excluídos da seleção. Os termos utilizados para a busca foram: ("dry eye disease" OR "meibomian gland dysfunction") AND "intense pulsed light". 

 

RESULTADOS

Mecanismos de ação:

1. Liquefazendo o meibum:

A temperatura palpebral, em temperatura ambiente, é de aproximadamente 33°C.4 Nessa temperatura, o meibum está mais viscoso, uma vez que a sua temperatura de fusão é de 45°C, e o seu conteúdo é extremamente lipídico1. Isso dificulta a sua distribuição homogênea pela superfície ocular, e ainda pode contribuir para a obstrução das glândulas meibomianas. O uso de compressas mornas tem sido utilizado com a finalidade de aumentar a viscosidade dessa secreção, e facilitar a expressão das glândulas. Acredita-se que a luz pulsada tenha um efeito semelhante, aumentando a temperatura da pele, mesmo que rapidamente. Isso possibilita a transição do meibum de um estado gelatinoso, para um fluido, contribuindo para a desobstrução a glândula.

2. Trombose de vasos anormais:

Uma das características da rosácea é o eritema e a teleangiectasia. Essa condição, frequentemente associada com a DGM, predispõe a liberação de mediadores inflamatórios pelos vasos sanguíneos anormais1. A hemoglobina é capaz de absorver a energia da luz pulsada, transformando-a em calor, e isso causa a destruição localizada de vasos superficiais, eliminando um importante reservatório de mediadores inflamatórios e, assim, prevenindo processos inflamatórios nas pálpebras e nas glândulas meibomianas.

3. Redução de mediadores inflamatórios:

O tratamento com luz pulsada está associado a uma redução significativa de citocinas, tais como IL-6 (interleucina-6), IFN-? (interferon-gama) and TNF-a (fator de necrose tumoral). 6 Uma possível explicação é a ablação de vasos nas margens palpebrais, prevenindo a secreção contínua dessas citocinas, que são possíveis biomarcadores da doença do olho seco, uma vez que geralmente se encontram elevadas nesses pacientes. IL-6 e IFN- ? são secretadas na presença de ressecamento da superfície ocular, enquanto o TNF- a pode reduzir a produção lacrimal e induzir disfunções na barreira epitelial corneana, juntamente com o IFN-?. 6

4. Erradicação do Demodex

Demodex é um parasita que se alimenta da secreção meibomiana, e sua proliferação está associada ao aumento da carga bacteriana palpebral.1 O tratamento com luz pulsada induz a coagulação e necrose desse parasita, reduzindo também a proliferação bacteriana palpebral, e consequentemente, quebrando o ciclo inflamatório causado por esse parasita.

5. Reduzindo o turnover epitelial

Durante o processo de renovação do tecido epitelial, as células mortas se destacam da superfície, e podem se acumular, formando debris. Os ductos das glândulas meibomianas podem ser obstruídos pela acumulação desses debris nas margens palpebrais, quando associada a uma má higiene palpebral. A luz pulsada pode, então, reduzir esse turnover epitelial, diminuindo o risco para obstrução ductal.3

6. Fotobiomodulação

Fotobiomodulação é um processo no qual a luz visível e faixas infravermelhas do espectro eletromagnético induzem alterações intracelulares no nível de genes e proteínas.1 A luz pulsada induz, nos fibroblastos, um aumento na proliferação celular e na síntese de colágeno, promovendo o rejuvenescimento e o aumento da elasticidade da pele. Esse processo evita o fechamento palpebral incompleto, que pode contribuir para aumento na evaporação do filme lacrimal e para uma redução na drenagem das glândulas meibomianas.

Eficácia:

Uma revisão realizada por Tashbayev et al.2 incluiu 25 estudos, e a maioria reportou uma melhora na funcionalidade da glândula meibomiana e no tempo de ruptura do filme lacrimal. Resultados melhores foram encontrados na combinação da luz pulsada com a expressão de glândulas meibomianas, uma vez que esse procedimento ajuda a liberar o conteúdo obstrutivo, e pode ser mais facilmente realizado após a terapia com luz pulsada, que contribui para diminuir a viscosidade da secreção.

Outra revisão, realizada por Liu et al.,5 incluindo apenas ensaios clínicos randomizados, foi inconclusiva a respeito da eficácia da luz pulsada no alívio de sintomas de olho seco. Os desfechos avaliados foram o tempo de ruptura do filme lacrimal não invasivo e o Standard Patient Evaluation of Eye Dryness (escore SPEED). Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa nos escores SPEED do grupo que recebeu o tratamento com luz pulsada, mas que pode ser resultado do uso de lágrimas artificiais pelo grupo controle de dois estudos. Já o NIBUT demonstrou um aumento significativo da estabilidade do filme lacrimal em pacientes que passaram pela luz pulsada, sugerindo um potencial efeito terapêutico.

Por fim, a revisão de Cote et al.,8 também baseada em ensaios clínicos randomizados, encontrou uma escassez de evidências relacionadas à eficácia e segurança da luz intensa pulsada no tratamento da disfunção meibomiana. Ainda é incerto o valor da terapia na modificação de sinais e sintomas da doença do olho seco evaporativo e a falta de relatórios abrangentes de eventos adversos faz com que o perfil de segurança não seja claro. A revisão destaca que os quatorze ensaios clínicos randomizados em andamento atualmente serão de grande importância no esclarecimento definitivo da eficácia e segurança da luz intensa pulsada no tratamento dessa oftalmopatia.  

Efeitos Adversos:

O efeito adverso mais frequente da LIP é a dor durante o tratamento. Também é comum haver inchaço e eritema durante alguns dias após o tratamento. Além disso, a LIP em excesso pode levar à formação de queimaduras, bolhas e crostas na região aplicada.3 Os pacientes devem ser orientados a não coçar a região, pois isso pode predispor a infecções e à formação de cicatrizes. 3 Sintomas graves incluem a formação de queloides e pigmentação da pele.1 É importante que o médico saiba informar adequadamente os riscos e potenciais benefícios antes de iniciar o tratamento.

 

CONCLUSÃO

Uma série de mecanismos de ação têm sido propostos para os efeitos da luz pulsada no tratamento da doença do olho seco. Embora ainda não haja um consenso sobre os mecanismos de ação, acreditamos que uma associação de vários fatores pode ser responsável pela melhora dos sintomas de olho seco, bem como na estabilidade do filme lacrimal. Outros tratamentos, tais como a antibioticoterapia para erradicação do demodex e o uso de corticosteróides também podem ser utilizados no tratamento dessa condição, mas o risco de efeitos colaterais é superior, quando comparado à luz pulsada, sobretudo se usados a longo prazo. O tratamento convencional com compressas mornas e expressão da glândula meibomiana também apresenta bons resultados, e muitos estudos apontam resultados melhores no tratamento com luz pulsada, quando associada à expressão.2

O número limitado de estudos sobre a LIP nesse contexto, a heterogeneidade de desfechos reportados, e a ausência de consenso no número de sessões e no intervalo entre elas são grandes limitações. Ainda são necessários mais estudos randomizados bem delineados, com um maior espaço amostral, para determinar resultados mais conclusivos.

Entretanto, a grande maioria dos estudos recentes têm reportado grande benefício da luz pulsada no aumento da estabilidade do filme lacrimal, bem como na melhora dos sintomas de olho seco. Os resultados são extremamente promissores, e há um grande potencial da luz pulsada no tratamento do olho seco, sobretudo quando consideramos a variedade de mecanismos de ações possíveis para o tratamento da DGM.

 

REFERÊNCIAS

1. Suwal A, Hao JL, Zhou DD, Liu XF, Suwal R, Lu CW. Use of Intense Pulsed Light to Mitigate Meibomian Gland Dysfunction for Dry Eye Disease. Int J Med Sci. 2020 Jun 1;17(10):1385-1392.

2. Tashbayev B, Yazdani M, Arita R, Fineide F, Utheim TP. Intense pulsed light treatment in meibomian gland dysfunction: A concise review. Ocul Surf. 2020 Oct;18(4):583-594.

3. Babilas P, Schreml S, Szeimies RM, Landthaler M. Intense pulsed light (IPL): A review. Lasers Surg. Med. 2010; 42(2): 93-104.

4. Dell SJ. Intense pulsed light for evaporative dry eye disease. Clin Ophthalmol. 2017 Jun 20;11:1167-1173.

5. Liu S, Tang S, Dong H, Huang X. Intense pulsed light for the treatment of Meibomian gland dysfunction: A systematic review and meta-analysis. Exp Ther Med. 2020 Aug;20(2):1815-1821

6. Li Q, Liu J, Liu C, Piao J, Yang W, An N, Zhu J. Effects of intense pulsed light treatment on tear cytokines and clinical outcomes in meibomian gland dysfunction. PLoS One. 2021 Aug 26;16(8):e0256533.

7. Sabeti S, Kheirkhah A, Yin J, Dana R. Management of meibomian gland dysfunction: a review. Surv Ophthalmol. 2020 Mar-Apr;65(2):205-217.

8. Cote S, Zhang AC, Ahmadzai V, Maleken A, Li C, Oppedisano J, et al. Intense pulsed light (IPL) therapy for the treatment of meibomian gland dysfunction. Cochrane Database Syst Rev. 2020 Mar 18;3(3):CD013559.