RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 33 e-33401 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2023e33401

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Relato de Caso

Cuidados paliativos na assistência perinatal de um hospital universitário: construção de protocolo assistencial

Perinatal palliative care in a university hospital: building an assistance protocol

Maria Dilma Bezerra de Vasconcellos Piscoya; Deuzany Bezerra de Melo Leão; Karla Danielle Xavier do Bomfim; Nathália Amanda de Vasconcellos Piscoya; Guilherme de Vasconcellos Piscoya

Universidade Federal de Pernambuco. Recife, Pernambuco, Brasil

Endereço para correspondência

Autor Correspondente:
Maria Dilma Bezerra de Vasconcellos Piscoya
Hospital das Clínicas - Universidade Federal de Pernambuco
Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária
Recife/PE, 50670-901
E-mail: dilmavp@uol.com.br

Recebido em: 15 Maio 2022
Aprovado em: 18 Novembro 2022
Data de Publicação: 27 Março 2023.

Editor Associado Responsável:
Ana Paula Pinheiro Chagas Fernandes
Faculdade de Ciências Médica de Minas Gerais
Belo Horizonte/MG, Brasil

Fontes apoiadoras: Não há.

Conflito de Interesse: Não há.

Resumo

INTRODUÇÃO: A prática dos cuidados paliativos (CP) em perinatologia traz um novo horizonte para assistência integral ao binômio recém-nascido/família-equipe de cuidados. Padronizar dimensões para a assistência individualizada dos CP perinatais pode contribuir para implementação plena dessas práticas nas unidades de saúde de gestantes e neonatos.
OBJETIVOS: Relatar as etapas de construção do Protocolo de Cuidados Paliativos Perinatais da Unidade Neonatal do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE) e propor modelo assistencial multidimensional.
MÉTODOS: Relato de experiência com proposição de modelos assistenciais em CP perinatais. A elaboração do protocolo assistencial (PA) compreendeu 5 etapas: 1) revisão narrativa da literatura; 2) produção textual e construção de modelos assistenciais multidimensionais; 3) avaliação dos aspectos bioéticos e científicos do PA pelo Serviço de Bioética Clínica do HC-UFPE; 4) validação dos aspectos práticos da implementação do PA pela equipe interprofissional da unidade; 5) avaliação final do PA pela chefia da unidade e superintendência do HC-UFPE.
RESULTADOS: O PA foi elaborado a partir de um modelo integral de CP perinatais construído a partir de três dimensões assistenciais - biológica, bioética e psicossocial - aplicadas a seis situações comuns da prática clínica em perinatologia. As diretrizes foram definidas em conjunto com equipes de assistência, gestão e serviço de bioética para condução das situações de incompatibilidade ou final de vida do neonato e limite de viabilidade do recém-nascido prematuro extremo.
CONCLUSÃO: O PA proposto tem potencial para auxiliar equipes a planejar a condução da assistência em CP perinatais, visando oferecer ao binômio paciente-família a vivência hospitalar com menos sofrimento.

Palavras-chave: Cuidados paliativos; Perinatologia; Bioética; Comunicação em Saúde.

 

INTRODUÇÃO

O aprimoramento tecnológico progressivo do suporte em saúde perinatal gera aumento das taxas de sobrevida dos recém-nascidos (RN). No entanto, em alguns RN, todos esses avanços podem manter artificialmente a vida, causando dor e sofrimento a todos os envolvidos no contexto do cuidado1-3.

Os cuidados paliativos (CP) são uma prática multidisciplinar científica e bioeticamente embasada para agregar qualidade à vida e ao processo de morrer. Os CP atuam na prevenção e alívio do sofrimento trazem um novo horizonte para assistência integral aos envolvidos no contexto do cuidado em saúde4.

São requisitos importantes para a prática dos CP na perinatologia o aperfeiçoamento da comunicação do binômio profissionais de saúde-família5, a compreensão e aplicação dos princípios bioéticos na assistência6,7 e a interdisciplinaridade na condução dos casos, visando o melhor interesse para o RN e seus familiares8,9.

Exemplos de situações de difícil manejo para a equipe são o limite de viabilidade do prematuro extremo10-12, a incompatibilidade com a vida13, a definição de fim de vida14, o agravamento inesperado do quadro dos RN15, a comunicação e apoio familiar na suspeita de RN sindrômicos16,17. A existência de protocolos assistenciais em CP pode contribuir para guiar situações de difícil manejo pelas equipes de saúde e promover o engajamento e a unicidade na condução das situações mais complexas18-20.

O presente trabalho objetiva relatar as etapas de construção do Protocolo de Cuidados Paliativos Perinatais da Unidade Neonatal do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE) e propor modelo assistencial multidimensional.

 

MÉTODOS

Este estudo é descritivo, tipo relato de experiência, com proposição de modelo assistencial em CP perinatais.

A elaboração do protocolo assistencial (PA) compreendeu 5 etapas: 1) revisão narrativa da literatura; 2) produção textual e construção de modelo assistencial multidimensional; 3) avaliação dos aspectos bioéticos e científicos do PA pelos membros do Serviço de Bioética Clínica do HC-UFPE; 4) validação dos aspectos práticos da implementação do PA junto à equipe interprofissional da unidade; 5) avaliação final do PA pela chefia da unidade e superintendência do HC-UFPE. A seguir, a descrição mais detalhada do que consistiu cada etapa da construção do PA:

(Etapa 1) Revisão narrativa da literatura

Foram acessadas bases de dados e documentos científicos de entidades médicas brasileiras. A pesquisa bibliográfica foi realizada nas bases de dados PubMed, SciELO, Scopus, Periódicos Capes, sendo selecionados 25 artigos considerados relevantes, especialmente se publicados nos últimos cinco anos. Algumas das palavras chaves/descritores utilizados foram: cuidados paliativos, perinatologia, neonatologia, prematuridade, bioética, comunicação de más-notícias.

(Etapa 2) Produção textual e construção de modelo assistencial multidimensional

A produção textual do PA visou utilizar linguagem escrita clara e concisa. Foi elaborado um modelo para a assistência integral de CP perinatais construído com três dimensões assistenciais - biológica, bioética e psicossocial - aplicadas a seis situações comuns da prática clínica em perinatologia (Figura 1).

 


Figura 1. Modelo integral de CP perinatais.

 

Ao longo do texto do PA também foram inseridos: (1) escores de gravidade neonatal, para determinação de gravidade da doença21, que integraram a dimensão biológica do modelo assistencial; (2) aspectos relevantes da comunicação profissionais de saúde-famílias dos RN e sugestões de diálogos baseados no protocolo SPIKES para aproximação, acolhimento e assistência às famílias22; (3) trechos do livro "A Morte é um Dia Que Vale a Pena Viver", de Ana Cláudia Arantes23, sendo este livro doado ao serviço para leitura e sensibilização da equipe.

(Etapa 3) Avaliação dos aspectos bioéticos e científicos do PA pelos membros do Serviço de Bioética Clínica do HC-UFPE

Foi emitido parecer positivo do serviço de bioética da instituição para a implementação do PA.

(Etapa 4) Validação dos aspectos práticos da implementação do PA junto à equipe interprofissional da unidade

Durante reunião ordinária da equipe assistencial estiveram presentes 32 membros da equipe interdisciplinar da unidade, incluindo obstetras, neonatologistas, enfermeiros, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, intensivistas pediátricos e residentes. Foi realizada a apresentação dos tópicos do PA e aberto espaço para quaisquer opiniões para mudanças, críticas e sugestões ao texto. Não houve sugestões de mudanças para os tópicos do PA. Alguns membros presentes sentiram-se motivados a exemplificar vivências anteriores, cuja existência do protocolo poderia ter contribuído para os desfechos apresentados.

(Etapa 5) Avaliação final do PA pela chefia da unidade e superintendência do HC-UFPE

A finalização do PA contou com a aprovação da chefia da unidade e superintendente hospitalar. Ficou acordado com os gestores a revisão e atualização a cada dois anos quanto aos aspectos assistenciais do protocolo.

 

RESULTADOS

O PA foi elaborado para implementar um modelo integral de CP perinatais (Figura 1). Três dimensões assistenciais - biológica, bioética e psicossocial - constituíram o modelo de cuidados proposto para todos os bebês que nascessem da unidade. A justificativa de incluir todos os RN sob os CP seria por demandarem cuidados interprofissionais e por representarem uma fase vital com grande potencial de desenvolver situações adversas ameaçadoras da vida, enquanto estivessem hospitalizados.

A dimensão biológica

O cuidar da dimensão biológica do RN envolveria o cumprimento dos protocolos clínicos com práticas baseadas em evidências validados por toda a equipe interprofissional.

A avaliação de sinais de dor nos RN seria o quinto sinal vital a ser pesquisado nos cuidados diários para propiciar o melhor conforto possível aos RN.

Os escores neonatais para determinação de gravidade da doença deveriam ser utilizados, pois seriam bem aceitos como ferramentas essenciais, em unidades de cuidados intensivos. No entanto, o uso de escores para predizer desfechos individuais seria limitado para previsão do risco individual e aconselhamento.

A dimensão bioética

A bioética traria respostas equilibradas diante dos conflitos éticos atuais, com base em quatro princípios fundamentais: autonomia (liberdade para adotar decisões), beneficência (fazer o bem), não maleficência (não fazer o mal) e justiça (assegurar recursos disponíveis para garantir assistência digna).

Para a aplicação dos princípios bioéticos haveria necessidade de um espírito de abertura ao diálogo que permitisse a cada um dos envolvidos a se aproximarem uns dos outros, reconhecendo que todos têm algo a ensinar, seja revelando uma diferente perspectiva, seja proporcionando transcendência, mudanças, revisões, enriquecimentos, complementariedades em relação aos diversos pontos de vista.

Conflitos na esfera bioética do trinômio feto/RN-família-equipe de cuidados em saúde seriam comuns no cotidiano da assistência. Para implementação do PA seria importante uma postura preventiva de potenciais conflitos. Adotar uma perspectiva mais ampla do cuidar seria necessária para o enfoque preventivo com o fim de evitar que situações se tornassem dilemáticas, ou seja, com apenas duas possibilidades, pois trariam maior risco de judicialização da assistência.

Dois dispositivos constantes no mais recente Código de Ética Médica14, publicado em abril de 2019 (princípio XXII e art. 41) determinaram que o médico evitasse a realização de procedimentos desnecessários e propiciasse ao paciente os cuidados paliativos apropriados, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.

O princípio XXII dispôs: "nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados".

O parágrafo único do art. 41: "Nos casos de doença incurável e terminal, deverá o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal".

O plano de cuidados seria um exercício de deliberação ética, pois deveria considerar os valores e os desejos do paciente ou de seu(s) representante(s) legais em primeiro lugar, mas a decisão final caberia a quem detivesse o conhecimento técnico, ou seja, ao médico acompanhante, com o apoio de sua equipe de trabalho.

Nas situações em que o tratamento modificador da doença não fosse possível seria importante dar ciência à família da necessidade de se evitar medidas obstinadas de tratamento que poderiam causar sofrimento ao RN.

A assinatura de termo para ciência dos pais sobre indicação paliação por irreversibilidade da doença não se faria necessária pois, em casos hipotéticos de judicialização, o ônus da prova em contrário caberia à parte que denuncia. A melhor medida de proteção e defesa do profissional de saúde seria o registro em prontuário de todos os procedimentos, diálogos com a família e evoluções realizadas.

A dimensão psicossocial

O cuidar da dimensão psíquica da família e dos profissionais de saúde envolvidos no contexto do cuidado com o RN foi parte essencial do PA.

Para uma melhor compreensão, empatia e apoio à dimensão psicossocial do binômio mãe/família - bebê desde a entrada na unidade foi sugerido incluir aspectos psicossociais na ficha de admissão dos RN, dentre os quais: aspectos religiosos, possibilidade de violência doméstica, principal angústia/medo imaginados pela gestante/familiares, situações reais e atuais de difícil enfrentamento relatados. O conhecimento dessa esfera psicossocial por parte de toda equipe de cuidados tornaria mais possível uma melhor aproximação empática com os familiares e a promoção do alívio de sofrimento nas situações difíceis que os RN poderão vir a enfrentar ao longo do internamento.

A primeira visita de ambos os pais à unidade neonatal de cuidados intensivos ou intermediários deveria ser acompanhada por um profissional da equipe interprofissional para que fossem atingidos os seguintes objetivos: (a) "o plantar da semente da boa comunicação" desde o início do internamento, para estabelecimento da confiança e do respeito dos pais em relação aos cuidados a serem prestados por toda a equipe, além do estabelecimento de uma atitude positiva, protetora e de vínculo amoroso frente aos RN; (b) o exercício da "boa comunicação continuada", pois se deveria ofertar aos pais e familiares a escuta empática e os necessários esclarecimentos sobre a condição clínica dos RN, sob os pilares da disponibilidade, privacidade, unicidade das informações e respeito às opiniões da família nas tomadas de decisões. Evitar informações contraditórias, ao se realizar a comunicação em uníssono da equipe de saúde com os familiares seria essencial para a manutenção da confiança nos cuidados prestados durante o internamento.

A privacidade das conversas dos familiares com a equipe médica e interprofissional seria um objetivo a ser alcançado a partir da estruturação de uma sala privativa para tal fim. O alívio do sofrimento dos familiares poderia ser alcançado com o empenho de toda a equipe. Seriam formas de aliviar o sofrimento da família: o estabelecimento de uma comunicação sensível e efetiva, a disponibilidade para a escuta ativa, o apoio emocional da presença do profissional ao lado dos familiares nas situações difíceis enfrentadas pelos RN, o toque respeitoso e o silêncio compassivo, o apoio fundamental da psicologia. O cuidado com os aspectos emocionais da equipe interprofissional seria apresentado em protocolo específico elaborado pela psicóloga do serviço.

No do PA foram descritos aspectos relevantes da comunicação profissional de saúde-família e sugeridos diálogos baseados no protocolo SPIKES16. O PA recomendou que nas situações de comunicação de más notícias, o ambiente fosse privativo e o médico estivesse sempre acompanhado de outro profissional de saúde, bem como o familiar que recebesse a notícia estivesse em presença de um acompanhante (no caso de ausência de outro familiar no hospital, considerar um outro profissional de saúde com maior envolvimento com a família).

Também se sugeriu que fosse mantida a proposta de treinamento anual da equipe para comunicação de más notícias elaborada por duas das autoras do presente trabalho22.

A definição do final de vida dos RN

Foram definidas as diretrizes para condução das situações de final de vida dos neonatos, a partir da interface das três dimensões do modelo assistencial. Seria atribuição da equipe médica o desafio da definição do final de vida do bebê criticamente doente. O PA orientou registrar no prontuário dos pacientes os seguintes itens de consenso, individualizados para cada caso:

(1) Estimativa da probabilidade de cura da doença: registrar as informações de consenso oriundas do estudo ampliado sobre o entendimento da doença, o tratamento disponível e possíveis limitações; utilizar os diversos índices prognósticos existentes;

(2) Obtenção do consenso da equipe sobre a irreversibilidade da doença: antes da obtenção do consenso na equipe médica sobre a irreversibilidade do quadro neonatal, esse ambiente de incerteza não deveria ser estendido à família, pois seriam esperadas informações antagônicas e perspectivas conflitantes por parte de membros da equipe médica em relação às possibilidades terapêuticas, até que fosse alcançada uma definição mais precisa. Para os casos mais controversos, dever-se-ia considerar um parecer do Serviço de Bioética Clínica, bem como a avaliação por Comissão de CP. Importante registrar prontamente no prontuário quando o consenso de irreversibilidade estiver definido e que o quadro será comunicado de forma adequada aos familiares.

(3) Comunicação para envolvimento das famílias nas decisões a serem tomadas: quando o consenso for estabelecido na equipe médica, a família deveria ser progressivamente envolvida no processo decisório, por meio de discussões francas, objetivas e serenas. Toda a equipe de cuidados de saúde da UNN também deveria estar ciente da irreversibilidade do quadro do bebê e dos desfechos referentes às etapas de comunicação com os familiares. Seria importante que os familiares fossem ouvidos, compreendidos e que pudessem participar nas decisões relacionadas ao final de vida de seus filhos. Durante as conversas com os familiares, chamar o bebê pelo nome seria importante para valorizá-lo como sujeito central de todo o cuidado. Tal como a equipe médica necessitou de tempo para definir a irreversibilidade do quadro neonatal, a família também necessitaria de tempo e de provas concretas para se convencer de que o quadro seria irreversível, não responsivo ao tratamento e sem tratamento modificador da doença. Manter um ambiente de confiança, respeito e solidariedade seria propício para o entendimento. Seria o momento de escutar muito, responder de forma compassiva objetiva, direta e o mais simples possível aos questionamentos, evitando o jargão técnico e a imprecisão estatística que em nada contribui nessa ocasião. Cada familiar teria seu tempo de entendimento. A evolução da compreensão por parte dos familiares tenderia a ser lenta, sendo necessárias várias demonstrações de exames ou provas clínicas. Enquanto não houvesse esse entendimento sobre o estágio irreversível da doença, não haveria como evoluir na discussão para o estágio de definição das prioridades de tratamento. O apoio emocional de toda a equipe envolvida e o suporte psicológico ajudariam os familiares nesses difíceis momentos. O registro das conversas com os familiares deveria estar registrado rigorosamente no prontuário para conhecimento de toda a equipe.

(4) Definição das prioridades do tratamento, objetivos e intervenções médicas: seria importante reforçar o empenho da equipe em se antever possíveis intercorrências, complicações ou manifestações da própria evolução do quadro do bebê. O médico responsável deveria comunicar previamente com a família a conduta a ser adotada nessas eventualidades, registrar o plano terapêutico no prontuário, bem como combinar com o médico de plantão o seu manejo em situações diversas, tais como: ocorrência de crise convulsiva, piora do quadro respiratório e/ou apneia, sangramento digestivo etc. O princípio do respeito à autonomia dos familiares não poderia ultrapassar o limite em que os mesmos pudessem ser responsabilizados ou se sentissem culpados pela definição final em relação às medidas terapêuticas a serem tomadas. A decisão final seria do médico acompanhante que teria sobre si a responsabilidade da condução do caso com as discussões já compartilhadas com a equipe. A troca de informações com o psicólogo acompanhante da família seria essencial para ajudar na compreensão de todos os envolvidos no cuidado. Não haveria definição prévia de qual medida terapêutica seria eficaz ou fútil, pois essa definição seria feita de forma individualizada, caso a caso, considerando todos os fatores relacionados à doença, centrados no melhor benefício do paciente, aliados às expectativas dos RN-familiares. Importante considerar mudanças possíveis para tornar o ambiente de internação com menos estresse, mais privativo e confortável para o bebê e sua família: buscar menos ruídos na UTI e equipamentos; permitir a entrada de objetos valorizados pela família para o bebê (ex.: brinquedinho, livrinho); estimular as visitas e o encontro com outros familiares (ex.: tios, irmãos, primos); combinar previamente apoio psicológico para os irmãos que pretendem visitar o bebê.

(5) Apoio ao luto familiar: preconizou-se apoiar intensivamente a família desde os momentos que antecederiam a morte do bebê e após o óbito. A comunicação da piora irreversível e da morte aos familiares deveria ser realizada da forma mais empática e compassiva possível. Sempre que possível, o contato com os familiares deveria ser realizado antes que o óbito acontecesse para que pudesse ser oferecido aos mesmos o apoio necessário para a vivência do morrer do bebê, contribuindo assim para a posterior ressignificação do luto, evitando o dano emocional do luto patológico. Os profissionais de saúde envolvidos deveriam se mostrar atuantes para ofertar o apoio da presença, do toque respeitoso e do silêncio compassivo que trariam conforto nesses difíceis momentos, sendo totalmente desencorajado deixar o familiar sozinho e desamparado. Pelo menos um membro da equipe deveria estar presente, envolvido na prestação de cuidados e atenção aos familiares, convidando o familiar para aconchegar o bebê em seu colo, mas respeitando a decisão da negativa, se esta porventura surgisse. Após o óbito do bebê, atenção especial também deveria ser também dada à própria equipe assistencial. Seria recomendável realizar uma reunião permitindo que todos expressassem seus sentimentos e crítica(s) em relação aos cuidados e tratamento oferecido naquela situação. Esse encontro serviria para auxiliar a elaboração do luto e para permitir ajustes e implementações nos cuidados paliativos. Semanas após o óbito, um encontro com os pais e familiares enlutados poderia ser estimulado para permitir que os mesmos pudessem se sentir valorizados e confortados ao rediscutir a morte com a equipe que os acompanhou; a nova entrevista permitia melhor entendimento e auxiliaria na elaboração do luto, pois os ajudaria a entender a iniciativa como demonstração de que o "melhor foi feito por seu filho".

Para fins de aumentar a precisão da aplicação do modelo assistencial, estabeleceram-se seis situações clínicas comuns da prática em perinatologia, a saber:

 

 

Essas seis situações clínicas serão detalhadas a seguir:

(Situação 1) O limite de viabilidade dos RN prematuros extremos

Um dos desafios fundamentais na perinatologia seria definir o nível de maturidade de um RN prematuro extremo, abaixo do qual a sobrevivência e/ou o aceitável neurodesenvolvimento são extremamente improváveis.

Bioeticamente, mais importante que salvar a vida do RN prematuro extremo seria dar-lhe uma vida digna junto à sua família. Por isso seria fundamental acolher, compreender e informar adequadamente essas famílias em vias de nascimento desses bebês.

Cada serviço deveria ter o seu limite de viabilidade objetivo, com a finalidade de conhecer a sua capacidade de manter um RN vivo, com qualidade de vida. Seria uma informação valiosa que ajudaria os pais e a equipe a tomar decisões bioeticamente fundamentadas. Esse limite de viabilidade poderia mudar ao longo do tempo, na dependência de questões relacionadas à complexidade da evolução da assistência perinatal e neonatal. A equipe de cuidados deveria ter ciência e reavaliar ao menos a cada três anos o consenso sobre o limite viável do prematuro extremo do próprio serviço.

A maioria dos serviços estabeleceram a abordagem dos RN com base na avaliação da idade gestacional (IG), no desejo dos pais e nas condições fetais e dos RN logo após o nascimento.

Muitas vezes a informação da IG seria desconhecida ou não confiável; nesses casos, poderia ser utilizado o peso do nascimento como um dos parâmetros para indicar as medidas a serem tomadas no momento do parto. Nessas situações, deveriam ser consideradas as condições do nascimento, avaliando se a criança apresenta frequência cardíaca acima de 60bpm, seu esforço respiratório e movimento dos membros.

Quanto à via de parto, a cesárea não ofereceria nenhum benefício para os fetos com IG de 22 a 24 semanas e aumentaria o risco materno; portanto, para estes casos, a via alta só estaria indicada por questões obstétricas; na IG de 25 a 26 semanas, o parto cesáreo poderia ocorrer por indicação materna ou fetal.

Se IG<23 semanas ou peso de nascimento <400g, considerando o melhor benefício para bebê, a maioria dos protocolos concordaram que deveriam ser realizadas as medidas de conforto que incluiriam provimento de calor e aconchego junto aos pais.

Se IG=23 a 24+6 semanas ou peso de nascimento 400 a 500g, considerando a incerteza do prognóstico (zona nebulosa) com taxa de sobrevida muito baixa, poderia ser reanimado o RN ou não, respeitando-se o desejo dos pais, os quais já deveriam estar cientes do limite de viabilidade do serviço, cujas informações já lhes deveriam ter sido repassadas previamente em conversa privativa e empático-compassiva pelos membros da equipe interdisciplinar. Importante seria reforçar ao familiares que a resposta da FC do bebê às manobras seria parâmetro crítico para decidir a continuidade ou não dos procedimentos; se a FC normalizasse, o bebê deveria receber todos os procedimentos durante a reanimação e depois ser levado à unidade de tratamento intensivo (UTI); se não houvesse melhora da FC, as medidas de suporte avançado seriam interrompidas para serem oferecidas medidas de conforto; não estaria indicado, caso não houvesse resposta à ventilação, associar massagem cardíaca e fármacos.

Se IG 25 a 25+6 semanas ou peso de nascimento ≥500g, considerando as taxas de sobrevida, estariam indicadas a reanimação neonatal realizando todos os passos necessários; o bebê seria admitido na UTI e receber todos os cuidados intensivos de que necessitar.

(Situação 2) O RN sem batimentos cardíacos ao nascer ou a situação de parada cardiorrespiratória e óbito neonatal após internamento

Nos casos de RN que nascessem sem batimentos cardíacos audíveis (não pertencentes às Situações 1 e 3 descritas) deveriam ser iniciadas todas as manobras de reanimação. Esta situação seria aplicada também aos RN sob os cuidados da intensivos e semi-intensivos, Alojamento Conjunto e Canguru que evoluíssem para parada cardiorrespiratória.

Se, após 10min de reanimação com todos os procedimentos realizados de forma adequada, a criança continuar sem batimento cardíaco, o Programa de Reanimação Neonatal20 sugeriu a interrupção dos procedimentos.

Os profissionais de saúde envolvidos na reanimação deveriam assegurar o apoio necessário aos familiares. Seja em sala de parto ou no ambiente da unidade neonatal, a genitora e acompanhante provavelmente estariam cientes de que algo não estaria evoluindo bem com o bebê, diante de toda a dinâmica de movimentação de profissionais durante reanimação. Seria importante que desde o início da assistência, fosse verbalizado pelo profissional de saúde que "o bebê (chamar pelo nome) não nasceu com o coração batendo (ou que o coração parou de bater) e que estamos fazendo manobras para tentar fazer o coração voltar a bater". Esta informação já prepararia a dimensão emocional da genitora e acompanhante para a notícia mais dolorosa da morte que poderia vir a seguir.

Caso a genitora não dispusesse de um acompanhante de escolha na sala de parto ou no ambiente da unidade neonatal, um profissional de saúde da equipe deveria permanecer ao seu lado, ofertando-lhe apoio, seja em silêncio e/ou esclarecendo dúvidas do que estaria acontecendo com o bebê.

Após os 10 minutos de reanimação sem sucesso, a notícia da morte do bebê deveria ser comunicada para a genitora e acompanhante, considerando-se os seguintes pontos:

(a) se genitora com risco ou complicações obstétricas em sala de parto, seria preferível aguardar o controle dessas complicações para comunicar a notícia, pois poderia haver piora dos seus sinais vitais, após o conhecimento do fato;

(b) realizar a comunicação difícil da maneira mais empática e compassiva possível; o profissional de saúde deveria estar acompanhado de outro membro da equipe, assim como a gestante deveria ter um acompanhante de sua escolha no momento da notícia; a palavra "morte" deveria estar presente no diálogo; evitar desvios para caminhos na comunicação que possam gerar dúvidas quanto à existência da morte; a escuta ativa dos familiares seria de extrema importância.

(Situação 3) O RN com condição genética ou congênita incompatível com a vida

A lista de malformações incompatíveis com a vida é restrita e pode ser modificada ao longo dos anos, a partir do desenvolvimento biotecnológico. Fazem parte de situações de prognóstico de incompatibilidade: anencefalia/acrania, holoprosencefalia, grandes encefaloceles, acardia, síndrome de Potter, displasia tanatofórica, osteogênese imperfeita tipo 2, trissomia dos cromossomos 13 e 18 (esta última já em curso estudos sobre cirurgias paliativas).

Nos casos incompatíveis com a vida, a abordagem dos cuidados com os RN deveria ser restrita às medidas de conforto, segundo o princípio bioético da não-maleficência. No entanto, a aplicação deste princípio exigiria um alto envolvimento da equipe de saúde com a gestante e sua família, o qual deveria ter iniciado desde os primórdios do diagnóstico no pré-natal, possibilitando tempo e reflexão para o entendimento sobre a condição do bebê.

É usual os profissionais da equipe se depararem com a falta de informações e de envolvimento com os familiares chegada a hora do parto, o que dificultaria a decisão da melhor conduta; nesses casos em que não se estabeleceu um melhor envolvimento com os familiares, não se deveria tomar nenhuma decisão definitiva, sendo mais prudente iniciar as manobras de reanimação e transferir o bebê para UTI. Posteriormente, por meio de uma avaliação clínica completa e minuciosa, associada a resultados de exames de imagem e laboratoriais, poder-se-ia firmar o diagnóstico.

Frente a RN diagnosticados com situações incompatíveis com a vida, a equipe deveria acolher os pais e familiares da maneira mais empático-compassiva possível, explicando o diagnóstico, o prognóstico e as opções de manter o suporte avançado de vida ou oferecer conforto. Na maioria das vezes, no primeiro momento, os pais poderiam solicitar que fossem mantidas as medidas de suporte avançado. Com o decorrer dos dias, observando o sofrimento do bebê, os pais acabariam percebendo que o melhor seria interromper o tratamento mais agressivo e iniciar as medidas de conforto. Permitir esse período de tempo para que os pais pudessem processar todas as informações e perceber as condições do filho(a) facilitaria o momento da perda e do luto, possibilitando uma morte digna para o bebê.

Citou-se no PA o exemplo do aprendizado em equipe no HC-UFPE após assistência a gêmeos conjugados com cardiopatia complexa incompatível com a vida ocorrida no serviço em janeiro 2019, onde houve o suporte fundamental do Serviço de Bioética Clínica do HC-UFPE e da psicologia. Foi oferecido ao binômio paciente-família a vivência de um desfecho com menos dor e sofrimento. Reflexões sobre o caso reforçaram ainda mais a necessidade de maior integração entre os serviços de atenção pré-natal e internamento24.

(Situação 4) O RN com alto risco de morte e/ou de redução potencial do nível de qualidade de vida futura

Incluiu o RN com escore de risco elevado para morrer e/ou com mau prognóstico de qualidade de vida futura nos casos sobreviventes, tais como: a encefalopatia hipóxico-isquêmica, as infecções de difícil controle, os RN que evoluíram com morbidades associadas à prematuridade, a hidrocefalia descompensada, as cardiopatias complexas operáveis, os eventos adversos severos assistenciais, etc.

A longa e intercorrente internação desses RN seria comum nessa situação que apresentaria forte potencial de gerar conflitos entre os familiares e a equipe de saúde. A construção de vínculo com os familiares, sob os pilares da boa comunicação, seria fator determinante para o sucesso na condução desses casos.

Desde o primeiro dia de hospitalização, a comunicação da equipe de saúde com os familiares deveria seguir o pressuposto da verdade lenta e progressivamente suportável, inserida num contexto de forte empatia e compaixão.

Seria fundamental que, ao menos a primeira visita de cada um dos familiares à unidade neonatal, seja na UTI ou na UCI, pudesse ser acompanhada por um profissional de saúde da equipe, seja médico ou não médico, que estivesse ciente do caso clínico do bebê, para que pudesse prover o apoio emocional da presença ao lado do familiar, esclarecendo possíveis dúvidas passíveis de serem informadas e identificando os medos potenciais do familiar frente ao seu novo cenário de enfrentamento. As impressões desse primeiro contato do profissional com os familiares deveriam ser prontamente registradas no prontuário a fim dar ciência à equipe interprofissional de diaristas e plantonistas sobre os sentimentos que estão permeando a dimensão psicossocial da família do bebê para possibilitar a todos o estabelecimento de uma comunicação mais efetiva e centrada nas necessidades do bebê e de sua família ao longo do internamento.

A equipe de saúde deveria exercer papel atuante na promoção da vinculação dos familiares com o bebê, promovendo o apego através do contato pele-a-pele e do convite diário para os cuidados de rotina.

Nos casos em que o bebê evoluísse com irreversibilidade do quadro clínico deveriam ser seguidas as diretrizes do tópico anterior "A definição do final de vida dos RN".

(Situação 5) O RN com risco de morrer que, ao receber tratamento, pode sobreviver com boa qualidade de vida

Incluiria os RN com condições presumivelmente tratáveis sem sequelas relevantes, ex.: os bebês termo ou próximos ao termo levados às unidades intensiva ou semi-intensiva por desconforto respiratório, infecções perinatais.

Estabelecer um bom vínculo com os familiares através de uma boa comunicação seria fundamental para a condução do caso. Importante a equipe multiprofissional esclarecer aos familiares que ao longo do tratamento, o bebê estaria exposto a possíveis eventos negativos de saúde que poderiam sobrevir à internação, tais como a situações de infecção. O profissional deveria mostrar-se sempre disponível e preparar a família para eventuais mudanças de perspectivas, caso houvesse uma inesperada evolução negativa da condição clínica do bebê: "observaremos como seu bebê reage ao tratamento e lhe informaremos qualquer piora, se houver".

A melhora progressiva após a instituição do tratamento deveria ser interpretada pela equipe de saúde como uma oportunidade sempre presente para estimular a vinculação dos familiares com o bebê, seja na promoção do apego através do contato pele-a-pele, bem como o convite diário para a sistemática dos cuidados de rotina.

(Situação 6) O RN termo ou próximo ao termo, com fator de risco mínimo para agravamento clínico

Nesta situação estariam incluídos os RN com fator de risco mínimo para agravar e morrer, por exemplo, desconforto respiratório leve, após o nascimento, icterícia, RN procedentes do alojamento conjunto/canguru para compensar quadro de hipoglicemia, regurgitações, etc.

Atenção especial deveria ser ofertada ao RN e sua família nos casos com malformações menores e síndromes genéticas de maior frequência, tais como a trissomia do 21 (T21). Existem protocolos específicos para ajudar na comunicação e condução desses casos17,18, devendo o profissional de saúde estar disponível para esclarecer dúvidas, prover uma perspectiva positiva para o futuro dos RN diante do suporte social e de saúde disponíveis e encaminhar à psicologia os familiares que necessitarem de maior apoio emocional.

A notícia sobre a suspeita de T21 deveria ser um momento acolhedor que estimulasse o vínculo com o bebê e trouxesse perspectivas positivas aos familiares. Alguns passos deveriam ser seguidos: (1) mais de um membro da equipe deveria concordar com o fenótipo característico do bebê; (2) o responsável pela comunicação seria o pediatra que poderia estar na companhia do obstetra ou outro membro da equipe; (3) a notícia deveria ser transmitida o mais cedo possível, mesmo que o diagnóstico fosse suspeito mas ainda não confirmado; (4) a comunicação à mãe deveria ser realizada na presença do pai ou de familiar significativo e na falta desses, o pediatra deveria relatar que se responsabilizaria em conversar novamente com o outro familiar quando estivesse presente; (5) conversar sobre o diagnóstico num ambiente privado e confortável, livre de interrupções, permitir tempo para perguntas e fazer planos para um seguimento; (6) garantir o toque pele-a-pele da mãe e acompanhantes com o bebê, antes de iniciar o diálogo; (7) utilizar linguagem sensível, cuidadosa, confiante e chamar o bebê pelo nome (g) evitar linguagem com juízos de valor, tais como "tenho más notícias", "sinto muito".

Nas situações que demandassem breve observação clínica, tais como, leve desconforto respiratório nas primeiras horas após o nascimento do RN, considerar a possibilidade de não separar ou de limitar ao mínimo a separação do binômio mãe/família-bebê. Os benefícios do contato pele-a-pele do bebê com a mãe ou familiares poderia propiciar maior conforto, melhora mais rápida e efetiva dos sintomas e reduzir a admissão desses RN nas unidades de cuidados intermediários.

 

DISCUSSÃO

O presente PA visou padronizar dimensões do cuidado integral em situações comuns da prática clínica na perinatologia, respeitando a complexidade e a individualidade de cada caso a ser vivenciado pelo binômio bebê/família-equipe. Considerou-se que todos os RN e suas famílias, desde a gestação, deveriam ser assistidos pela equipe interprofissional de maneira pallium (do latim, manto de proteção)25, ou seja, sob forma de proteção que poderia se estender às esferas biológica, psicossocial e bioética.

É no período perinatal que ocorrem as maiores taxas de morbimortalidade da infância, além de eventos inesperados, potencialmente ameaçadores da vida. Considerar que todo bebê e sua família deveriam ser inseridos na filosofia do cuidar paliativo poderia trazer uma perspectiva potencialmente preventiva de conflitos na comunicação entre família e equipe e poderia proporcionar a todos os envolvidos maior conforto nas esferas emocional e biológica. As seis situações comuns descritas na prática em perinatologia poderiam auxiliar num melhor enquadramento dos casos clínicos para fins de assistência, pesquisa e gestão.

Para atingir os benefícios esperados, o presente protocolo necessitaria da avaliação continuada e crítica das equipes interprofissionais. Um dos desafios encontrados na construção do PA foi participação crítica ainda pouco presente dos membros da equipe interprofissional na reunião para validação dos aspectos práticos (Etapa 4). Espera-se uma maior participação da equipe nas próximas reavaliações, pois o modelo assistencial integral de CP proposto poderia ser melhorado na medida em que fosse vivenciado e reavaliado periodicamente. Após a conclusão das cinco etapas de construção, o PA está sendo posto em prática. A cada dois anos estará prevista uma atualização bibliográfica e do texto escrito (Etapas 1 e 2) para reapresentação do protocolo ao Serviço de Bioética Clínica (Etapa 3), à equipe interprofissional (Etapa 4) e à gestão (Etapa 5). Essas novas discussões em equipe trarão o potencial agregar a práxis necessária a elementos constituintes do PA que, porventura, necessitem ainda ser implementados, modificados ou atualizados.

A existência do Serviço de Bioética Clínica no serviço vem fomentando as discussões e o aprendizado em equipe diante de situações de dilemas, de difícil manejo junto aos familiares. Da mesma forma, as comissões de CP enriqueceram as condutas clínicas em oportunas aquisições de conhecimento teórico-prático e humano.

Para tornar mais objetiva a reavaliação das práticas assistenciais em CP seria fundamental conhecer os registros periódicos dos indicadores da unidade que propiciassem um fluxo contínuo de avaliação, ação e reavaliação diante das medidas assistenciais. Também deveria ser agregado às próximas versões do PA as experiências decorrentes dos resultados de trabalhos científicos qualitativos e quantitativos realizados na unidade para fundamentar ações e estimular uma melhor conhecimento e compreensão da equipe a respeito dos impactos da assistência interprofissional sobre os RN, suas famílias e sobre a própria equipe de cuidados.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente protocolo visa auxiliar equipes interprofissionais na assistência integral em CP em situações comuns da prática clínica em perinatologia. A interconexão das dimensões biológica, bioética e psicossocial podem facilitar o emprego da filosofia dos CP, respeitando a complexidade e a individualidade de cada caso a ser vivenciado. Está prevista a atualização bibliográfica e a reavaliação do PA a cada dois anos, revisitando as cinco etapas de construção e de co-construção junto a todos os envolvidos.

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORES

Todos os autores contribuíram em todas as fases da execução do protocolo e da escrita do trabalho.

 

COPYRIGHT

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