ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Avaliação da aplicabilidade real do Diagnosis-Related Groups para cirurgias benignas da próstata
Evaluation of the real applicability of diagnosis related groups for benign prostate surgery
Maria Vargas Soares de Sá1; Gustavo Mayrink Torres2; Marcus de Oliveira2; Alessandra Cristina Ramos de Carvalho1; Antônio Peixoto de Lucena Cunha1,*
1. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, Minas Gerais, Brasil
2. Hospital Universitário Ciências Médicas, Minas Gerais, Brasil
Antônio Peixoto de Lucena Cunha
E-mail: antoniopeixoto.urologia@gmail.com
Recebido em: 22 Agosto 2023?
Aprovado em: 03 Março 2024
Data de Publicação: 06 Julho 2024.
Editor Associado Responsável: Dr. Claudemiro Quireze Jr.
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás.
Goiânia/GO, Brasil.
Fontes apoiadoras: Não houve fontes apoiadoras.
Comitê de Ética: Número do Parecer - 4.831.035.
Conflito de Interesse: Não há.
Resumo
INTRODUÇÃO: O tratamento cirúrgico da hiperplasia benigna de próstata inclui a ressecção transuretral da próstata (RTUP) e a prostatectomia aberta, que apresentam indicações distintas. O Diagnosis Related Groups (DRG) é um sistema de classificação de pacientes com padrões clínicos semelhantes para previsão de produtos e serviços hospitalares. No entanto, alguns códigos do DRG incluem amplo espectro de regimes terapêuticos, como 707 e 708, que contêm RTUP e prostatectomia aberta.
OBJETIVO: Comparar o tempo de permanência hospitalar e taxas de complicação da RTUP e prostatectomia aberta.
MÉTODOS: Estudo transversal, retrospectivo de caráter quantitativo, que selecionou 279 pacientes urológicos submetidos a RTUP ou a prostatectomia, entre 2017 até 2021, relativos ao DRG 707 e 708, que são referentes às cirurgias maiores da região pélvica masculina com comorbidades e às cirurgias maiores da região pélvica masculina sem comorbidades, respectivamente. Os pacientes foram divididos em dois grupos, 220 submetidos a RTUP e 59 submetidos a prostatectomia.
RESULTADOS: Foi observado diferença significativa no tempo de internação (p<0,001), sendo 2,1 (2,0- 2,3) dias na RTUP e 3,1 (3,0-4,3) dias na prostatectomia. Também foi observado diferença significativa na frequência de eventos adversos (p=0,004), na RTUP a frequência foi de 7,7% e na prostatectomia foi de 22%. Não houve diferença significativa nas comorbidades entre os dois grupos.
CONCLUSÃO: A RTUP apresenta menor tempo de internação e menor frequência de eventos adversos quando comparada a prostatectomia aberta. Sugerimos uma estratificação dos códigos DRG 707 e 708, para que as cirurgias benignas da próstata sejam incluídas em códigos distintos.
Palavras-chave: Prostatic hyperplasia; Transurethral resection of prostate; Prostatectomy; Diagnosis-related groups.
INTRODUÇÃO
O tratamento cirúrgico da hiperplasia benigna de próstata (HBP) inclui, principalmente, a ressecção transuretral da próstata (RTUP) e a prostatectomia aberta. Essa última passou a ser menos utilizada após o surgimento da RTUP, que representa o tratamento cirúrgico padrão-ouro da HBP para próstatas de dimensões inferiores a 60 gramas. O procedimento de prostatectomia aberta está indicado para próstata acima de 80 gramas e trata-se de uma terapia invasiva, com permanência hospitalar prolongada e maior período de inatividade1.
O Diagnosis Related Groups (DRG) é um sistema de classificação de pacientes submetidos a internações hospitalares que foi desenvolvido, para previsão de produtos e serviços a serem realizados em pacientes com padrões clínicos semelhantes2. Baseado nele, desenvolveu-se um sistema de financiamento, que tem ganhado destaque e tem sido implantado em diversos países, inclusive no Brasil3. Esse sistema possui duas características principais: numerosos serviços de internação são classificados em um número limitado de grupos e a taxa básica de reembolso aos prestadores de serviços de saúde pelo atendimento é baseada no custo médio de cada grupo, com ou sem ajuste para o status econômico regional ou características do hospital4.
Em algumas áreas, um único código do DRG agrupa pacientes que recebem um amplo espectro de regimes terapêuticos5. Como exemplo, pode-se citar os códigos DRG 707 e 708, que são referentes às cirurgias maiores da região pélvica masculina com comorbidades e às cirurgias maiores da região pélvica masculina sem comorbidades, respectivamente, e incluem a RTUP e a prostatectomia aberta. Considerando que o DRG preconiza a classificação dos pacientes em grupos homogêneos, é necessário avaliar continuamente os agrupamentos de procedimentos cirúrgicos existentes.
O objetivo deste trabalho é comparar o tempo de permanência hospitalar e taxas de complicação dos dois procedimentos, RTUP e prostatectomia aberta, que estão codificados no mesmo código DRG.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo, de caráter quantitativo. Foram selecionados 279 pacientes submetidos a prostatectomia aberta ou a RTUP incluídos no código DRG 707 e 708 em um hospital universitário de Belo Horizonte, Minas Gerais, entre setembro de 2017 e fevereiro de 2021. Como critério de inclusão, o procedimento deveria ser a prostatectomia aberta ou a RTUP, que estão presentes no DRG 707 (cirurgias maiores da região pélvica masculina com maiores complicações e comorbidades) ou DRG 708 (cirurgias maiores da região pélvica masculina sem complicações ou comorbidades). Não houve critérios de exclusão. Este trabalho foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa vinculado à Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (número do parecer: 4.831.035) e teve a justificativa para dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aceita.
Desenho do estudo
Este estudo avaliou as seguintes variáveis independentes, idade, comorbidades e peso da próstata e as seguintes variáveis dependentes, tempo de internação e eventos adversos. Foram considerados apenas o peso da próstata dos pacientes com laudo da ultrassonografia pélvica anexada em prontuário. O tempo de internação considerado foi do dia do procedimento até a alta hospitalar. Para comparação dos dados, os pacientes foram divididos em dois grupos, o primeiro referente aqueles submetidos a RTUP (n=220) e o segundo, aqueles submetidos a prostatectomia aberta (n=59).
DRG
Para a classificação do DRG, são utilizadas as seguintes variáveis: diagnósticos principais e secundários, idade e sexo do paciente, presença de comorbidades e complicações e procedimentos realizados5. De acordo com o manual operacional DRG Brasil, o tempo médio de permanência hospitalar esperado para os pacientes agrupados no DRG 707 é de 3,1 dias e no DRG 708 é de 2,2 dias6.
Técnica cirúrgica
Os procedimentos de prostatectomia aberta foram realizados pela técnica de Milin. Essa técnica consiste em uma incisão abdominal infraumbilical seguida de enucleação do adenoma por via retropúbica e permite visualização do ápice prostático e de toda a loja prostática, o que possibilita o maior controle do sangramento e revisão da hemostasia após enucleação7.
No procedimento de RTUP, a próstata é acessada pela via uretral, é realizada irrigação vesical e o tecido prostático é removido por eletrocauterização. O fluído utilizado para irrigação foi o sorbitol 3,3%, que apresenta relação com intoxicação hídrica apenas quando grandes quantidades são absorvidas8-10.
Análise estatística
As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências absolutas e relativas e as variáveis numéricas como mediana (1º quartil - 3º quartil). As associações entre as variáveis e o procedimento cirúrgico foram avaliadas pelo teste Qui-quadrado e as comparações de idade e tempo de internação com o procedimento cirúrgico, pelo teste de Mann-Whitney. As análises foram realizadas no software R versão 4.0.3 e foi considerado nível de significância de 5%.
RESULTADOS
Neste estudo, foram avaliados 279 pacientes do sexo masculino com a mediana de idade de 67,8 anos (62,0-73,0). Na amostra avaliada, 166 pacientes (59,5%) apresentavam alguma comorbidade, sendo a hipertensão arterial sistêmica a mais frequente. Em relação ao procedimento cirúrgico, 220 pacientes foram submetidos a RTUP (79,8%) e 59 (22,1%) foram submetidos a prostatectomia aberta. 55,4 % da amostra apresentava peso da próstata menor que 70 gramas. O tempo de internação foi de 2,2 dias (2,0-3,0). A taxa de eventos adversos foi de 10,8% (Tabela 1).
71,3% dos pacientes submetidos a RTUP (n=220) apresentavam peso da próstata menor que 70 gramas. 88,5% dos pacientes submetidos a prostatectomia aberta (n=59) apresentavam peso da próstata maior que 100 gramas. O tempo de internação dos pacientes submetidos a RTUP foi de 2,1 dias (2,0-2,3) e dos pacientes submetidos a prostatectomia aberta foi de 3,1 (3,0-4,3). 7,7% dos pacientes submetidos a RTUP e 22% dos pacientes submetidos a prostatectomia aberta apresentaram algum evento adverso (Tabela 2).
O evento adverso mais frequente observado nos pacientes submetidos a RTUP (n=220) foi a obstrução de sonda vesical de demora por coágulos vesicais (3,18%). Nesses pacientes, também foram observados instabilidade hemodinâmica (2,27%), Síndrome pós- RTUP (1,36%), perfuração vesical durante RTUP (0,9%), queda hematimétrica com necessidade de transfusão de concentrado de hemácias (0,90%), azotemia (0,90%) e processo infeccioso (0,45%) (Tabelas 1 e 2).
O evento adverso mais frequente observado nos pacientes submetidos à prostatectomia aberta (n=59) foi a queda hematimétrica com necessidade de transfusão de concentrado de hemácias (8,47%). Nesses pacientes, também foram observados instabilidade hemodinâmica (3,38%), obstrução de sonda vesical de demora por coágulos vesicais (1,69%), azotemia (3,38%) e processo infeccioso (3,38%) (Tabela 2).
DISCUSSÃO
Com a análise dos dados, observa-se que a RTUP e a prostatectomia aberta, quando comparados, apresentam diferença no tempo de internação e na frequência de eventos adversos. Além disso, quando comparados os dois grupos, não se observa diferença nas comorbidades apresentadas pelos pacientes.
Com desenvolvimento das cirurgias endoscópicas, a prostatectomia aberta vem sendo cada vez menos realizada, o que justifica a diferença importante entre o número de pacientes em cada grupo deste estudo, sendo 220 pacientes submetidos a RTUP e 59 submetidos a cirurgia aberta. No entanto, a prostatectomia aberta permanece relevante para o tratamento de adenomas volumosos, o que foi observado nesse estudo, em que 88,5% dos pacientes submetidos à técnica aberta apresentavam próstata maior que 100 gramas11,12.
Conforme descrito, os pacientes codificados no código DRG 707 (cirurgias maiores da região pélvica masculina com maiores complicações ou comorbidades) e no DRG 708 (cirurgias maiores da região pélvica masculina sem complicações ou comorbidades) apresentam tempo de permanência esperado de 3,1 e 2,2 dias, respectivamente6. Neste estudo, os pacientes com ou sem comorbidades submetidos a RTUP permaneceram 2,1 dias no hospital, e os pacientes com ou sem comorbidade submetidos a prostatectomia aberta permaneceram 3,1 dias. Dessa forma, pela classificação atual do DRG, pacientes submetidos a RTUP e a prostatectomia aberta são agrupados em códigos semelhantes, apresentam o mesmo tempo de permanência previsto e a mesma previsão de serviços a serem realizados, mesmo que na prática isso não seja observado.
Em relação às complicações pós-operatórias, nesse estudo, 7,7% dos pacientes submetidos a RTUP e 22% dos pacientes submetidos a prostatectomia aberta apresentaram algum evento adverso. Além dessa diferença na frequência, que impacta diretamente no tempo de internação, os eventos adversos relacionados aos dois procedimentos são diferentes e, por isso, os serviços prestados e a demanda por produtos também serão.
Na literatura, considerando os pacientes submetidos a RTUP, como complicação pós-operatória, 4% apresentam hemorragia com necessidade de transfusão, 2% síndrome pós-RTUP, 1% perfurações e 6% sepse8-10. A frequência de síndrome pós-RTUP e de perfurações encontradas são semelhantes a literatura, no entanto, este estudo apresentou menores taxas de queda hematimétrica com necessidade de transfusão de concentrado de hemácias (0,9%) e de processo infeccioso (0,45%). Em relação aos pacientes submetidos à prostatectomia aberta, na literatura, como complicação pós-operatória, 8,2% apresentam necessitam de transfusão, 3,3% retenção urinária, 8,6% sepse, 0,4% fístula suprapúbica e 3,7% incontinência urinária13. As taxas de queda hematimétrica com necessidade de transfusão de concentrado de hemácias são semelhantes a literatura, no entanto, este estudo apresentou menores taxas de processo infeccioso (3,38%) e obstrução de sonda vesical de demora (SVD) por coágulos vesicais (1,69%). Essas diferenças podem ser justificadas por se tratar de um estudo realizado em um único centro hospitalar, que funciona como hospital-escola, com protocolos bem definidos e procedimentos realizados com supervisão de um preceptor capacitado.
Para a classificação do paciente em um código DRG, considera-se os diagnósticos principais e secundários, idade e sexo, presença de comorbidades, complicações e procedimentos realizados. Neste estudo não há diferença nas comorbidades apresentadas pelos pacientes nos dois grupos. Essa equiparidade sugere que as comorbidades não influenciaram no tempo de internação e nos eventos adversos do estudo, e que o fator determinante foi a via de acesso da cirurgia, endoscópica ou aberta.
O número amostral de apenas 279 pacientes, por não ser um valor muito significativo, pode ser considerado um fator limitante do estudo e deve ser ponderado durante a interpretação dos resultados observados. Além disso, o fato de se tratar de um estudo retrospectivo baseado em dados de prontuários médicos também pode ser considerado uma limitação.
CONCLUSÃO
Conclui-se que a RTUP apresenta menor tempo de internação e menor frequência de eventos adversos quando comparada a prostatectomia aberta. Portanto, considerando que a classificação do DRG deve agrupar pacientes com padrões clínicos semelhantes, sugerimos uma modificação no DRG 707 e 708, para que o procedimento endoscópico e a cirurgia aberta de próstata sejam incluídos em códigos distintos no DRG.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
As contribuições dos autores estão estruturadas de acordo com a taxonomia (CRediT) descrita abaixo:
Conceptualização, Investigação, Metodologia, Visualização & Escrita - análise e edição: Maria Vargas Soares de Sá; Alessandra Cristina Ramos de Carvalho. Administração do Projeto, Supervisão & Escrita - rascunho original: Antônio Peixoto de Lucena Cunha; Maria Vargas Soares de Sá. Validação & Software: Gustavo Mayrink Torres. Curadoria dos dados & Análise formal: Marcus de Oliveira.
COPYRIGHT
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