ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Abordagem atual do tratamento da gestante epiléptica: uma revisão de literatura
Current approach to the treatment of pregnant women with epilepsy: a literature review
Laryssa Vieira Gonçalves1; Tarsila de Paiva Ribeiro1; Ana Luísa de Cássia Magalhães Ferreira1; Isadora Barbosa de Deus1; Elba Cristina Chaves1; Antônio Carlos Vieira Cabral2
1. FAMINAS-BH. Belo Horizonte. Minas Gerais - Brasil
2. Hospital Odilon Behrens - Pré-Natal de alto risco. Belo Horizonte, MG, Brasil
Laryssa Vieira Gonçalves
E-mail: vieira.lara101@gmail.com
Recebido em: 29 de Dezembro de 2023.
Aprovado em: 28 de Abril de 2024.
Data de Publicação: 19 Novembro 2024.
Editor Associado Responsável:
Dr. Henrique Vitor Leite. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Conflito de Interesse: Não há.
Resumo
A epilepsia é uma doença neurológica que afeta aproximadamente 15 milhões de mulheres em idade reprodutiva. Durante a gravidez, a epilepsia pode representar riscos para a mãe e o feto devido à ocorrência de convulsões e aos efeitos potenciais deletérios das drogas antiepiléticas (DAEs). Convulsões durante a gestação estão associadas a complicações como parto prematuro, hemorragia intracraniana e morte fetal. Além disso, as drogas antiepiléticas podem ter efeitos teratogênicos devido ao seu efeito na redução dos níveis de folato no sangue e no metabolismo da vitamina K, afetando o desenvolvimento do feto. Conclui-se, portanto, que é fundamental um acompanhamento pré-natal adequado para controlar as convulsões durante a gravidez. Alguns Medicamentos antiepiléticos são considerados teratogênicos durante a gestação e possuem passagem através do leite materno. Apesar disso, a amamentação deve ser seguramente incentivada pelos seus benefícios já bem documentados na literatura. Visando melhor controle, a crianças expostas à essas medicações devem ser posteriormente acompanhandas e monitoradas para antever possíveis efeitos adversos dos medicamentos antiepilépticos. Uma abordagem multidisciplinar, com cuidados clínicos e medicamentosos adequados é essencial para garantir uma gravidez saudável. Estas informações são baseadas em uma revisão atualizada da literatura, com ênfase nas principais informações sobre a epilepsia na gravidez.
Palavras-chave: Epilepsia; Gravidez; Anticonvulsivantes.
INTRODUÇÃO
A epilepsia é uma doença neurológica crônica e grave caracterizada pela ocorrência de duas ou mais convulsões espontâneas e não provocadas, sendo necessário um diagnóstico clínico baseado na história do seu ocorrido1-22. Existem, aproximadamente, 15 milhões de mulheres no mundo todo com epilepsia e que estão em idade reprodutiva2,12,22.
De acordo com a metanálise de Cabral ACV, 2017, aproximadamente 5 a cada 1000 adultos possuem epilepsia, sendo desses 0,2% em gestantes. É importante ressaltar que as mortes de gestantes com epilepsia podem ser evitadas e estão relacionadas ao controle ineficaz das crises22.
Sabe-se que a exposição intrauterina a drogas antiepilépticas está associada a resultados adversos no feto. O risco de malformações fetais é de 4-8%, podendo incluir malformações congênitas mais graves, comprometimento do crescimento fetal, bem como impactos comportamentais e neurocognitivos, especialmente no primeiro trimestre, uma vez que essas drogas atravessam a barreira placentária6,8,2,15. Não obstante a maioria das mulheres com epilepsia precisam de tratamento contínuo com essas drogas durante toda a gestação10,2.
Dessa forma, durante o pré-natal classificado como de alto risco, é fundamental enfatizar a importância da adesão à medicação anticonvulsivante. Além disso, é crucial que a mulher seja também devidamente orientada sobre o uso do ácido fólico, uma vez que estas drogas são espoliadoras de folato. Somado a isto, recomenda-se a supleneural6,19,17,22.
É importante destacar que a falta de tratamento da epilepsia antes, durante e após a gestação pode resultar em convulsões descontroladas, o que impacta a capacidade de saúde tanto da mãe quanto do feto, podendo levar até mesmo à morte1,2. Isso evidencia a necessidade de encontrar um equilíbrio entre o potencial teratogênico dos medicamentos antiepilépticos e os benefícios do seu uso2,12,22.
Essa revisão bibliográfica tem por objetivo apresentar a importância do cuidado das mulheres epilépticas durante a gravidez, bem como a atenção ao controle pré-natal, perinatal e pós parto. Além de explicar também os potenciais riscos do uso das drogas antiepilépticos para a mulher e o feto.
METODOLOGIA
Para realização dessa revisão da literatura foram utilizados como critérios de inclusão apenas conteúdos publicados entre os anos de 2016-2023, com antiguidade de 7 anos, oriundos da base de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System on Line (MEDLINE)/Public MEDLINE (PubMed). Foram utilizados estudos clínicos, meta-análises, estudos controlados randomizados, estudos de revisão e de revisão sistemática na língua portuguesa, inglesa e espanhola, utilizando as palavras chaves "epilepsy", "pregnancy" e "anticonvulsants". A seleção inicial se deu pela leitura dos trabalhos que permitiu a escolha dos estudos que se relacionavam com os pontos a serem abordados pela revisão, resultando em um total de 25 periódicos. Após a leitura completa dos artigos e seleção das informações, 23 artigos foram utilizados na construção final deste trabalho baseado nos níveis de evidência e relevância das informações.
DISCUSSÃO
Efeitos da epilepsia na gravidez
Durante a gestação ocorrem alterações fisiológicas, psicológicas e endocrinológicas que alteram o limiar convulsivo. A epilepsia iniciada na gravidez não é incomum, aproximadamente 20 a 30 em cada 1000 gestantes sofrem com este quadro, podendo ser explicado pela exacerbação das circunstâncias latentes, mudanças hormonais e fisiológicas próprias do período. Este diagnóstico deve ser diferenciado do quadro de eclâmpsia, que se inicia predominantemente após a 20° semana de gestação22,11.
No início da gestação as mulheres podem ter redução da concentração dos fármacos no organismo por vômitos e náuseas do primeiro trimestre. Dessa forma deve-se buscar ajustar a dose do antiepiléptico, visto que ao longo da gravidez ocorrem alterações que influenciam no curso da doença e na farmacocinética dos medicamentos devido ao aumento do fluxo urinário, da expansão plasmática, da depuração renal e alterações do metabolismo com indução de enzimas hepáticas e queda da albumina3,22. A queda da concentração dos fármacos representa 10% para a carbamazepina e o fenobarbital e 50% para a lamotrigina, levetiracetam e ácido valpróico. Essa alteração dos fármacos pode predispor a convulsões pela redução da concentração sérica terapêutica mínima7,22.
Teratogênese e Epilepsia
Sabe-se que em convulsões focais com consciência intacta, não há dano fetal. No entanto, as crises tônicoclônicas generalizadas que envolvem um maior estresse hemodinâmico e apresentam maior possibilidade de trauma, são mais preocupantes. É importante ressaltar que a epilepsia não é uma indicação para um parto cesáreo, a menos que tenha provocado uma convulsão durante o segundo estágio do trabalho de parto e a paciente não possa cooperar com um parto vaginal devido à sedação1,2,11,15,22.
Dados evidenciam que o controle das convulsões no período pré-gestacional é o fator mais relevante para evitar intercorrências durante a gravidez. Mulheres que tiveram episódios de convulsão no mês anterior à concepção apresentaram um risco significativamente elevado de crises durante o parto2,15,22.
Embora a maioria das mulheres com epilepsia possam ter uma gravidez sem intercorrências e dar à luz a crianças saudáveis, existem riscos fetais associados ao tratamento da doença. Esses riscos incluem efeitos deletérios sobre o crescimento fetal, riscos aumentados de malformações congênitas importantes, bem como efeitos adversos no desenvolvimento neurocognitivo e comportamental1.
Segundo a metanálise de Cabral ACV, 2017, as anomalias mais comuns encontradas nos fetos de mães tratadas para epilepsia são fenda palatina, lábio leporino, hipospadia, defeitos de septo atrial e anomalias esqueléticas22. A teratogenicidade dos medicamentos anticonvulsivantes é um dos principais fatores que requerem atenção no acompanhamento de uma gestante epiléptica, valendo ressaltar o valproato por sua elevada contribuição desse fator18,22.
Os anticonvulsivantes possuem controle teratogênico relacionado ao seu efeito no folato, uma vez que esses medicamentos utilizam essa vitamina para exercitar sua ação no cérebro. O folato desempenha um papel fundamental no processo biológico de formação das estruturas embrionárias e fetais, permitindo a metilação do Ácido Desoxirribonucleico (DNA) do embrião e reduzindo os níveis de homocisteína, enquanto aumenta os níveis de metionina. Essa interação é essencial para proteger o desenvolvimento embrionário22.
Com o objetivo de reduzir o risco para o feto, é recomendado que o tratamento seja realizado com monoterapia sempre que possível, evitando a utilização de medicamentos múltiplos em conjunto (politerapia). Essa abordagem visa minimizar os efeitos potenciais dos anticonvulsivantes e aumentar a segurança durante a gestação, priorizando a saúde e o bem-estar do feto22.
Medicações
As medicações não podem ser interrompidas de forma abrupta, e deve-se optar sempre pelos fármacos com menor potencial de teratogenicidade e reduzir o pico de concentração da medicação, planejando um nível mais estável durante o dia, visando sempre o uso da monoterapia16,22,9. Além da adesão medicamentosa, para melhor controle das convulsões, as mulheres devem evitar os fatores que desencadeiam convulsões como medo, ansiedade, restrição de sono e cansaço. De forma associada, o médico deve estar atento quanto a necessidade da requisição de dosagens de anticonvulsivantes no soro. Devido a íntima relação com malformações específicas e o uso de determinados DAEs, o ultrassom morfológico deve ser direcionado aos seguimentos fetais de maior risco teratógeno22.
Encontra-se um risco aumentado de baixo peso ao nascer para a idade gestacional (PIG) e há estudos que confirmam maiores chances de perímetro cefálico pequeno entre crianças expostas a politerapia com DAEs ou monoterapia com primidona ou valproato. Além disso, há o aumento de taxas de microcefalia com carbamazepina e valproato, apresentando normalização aos dois anos de idade. O efeito sobre o crescimento varia entre diferentes DAEs e parece ser mais pronunciado com topiramato2,18.
Estudos apontaram que a lamotrigina demonstrou excelente eficácia e segurança em relação aos riscos para o feto, sendo considerada uma opção preferencial no tratamento da epilepsia durante a gravidez, assim como na terapia da epilepsia em mulheres na idade reprodutiva. Já estudos da carbamazepina são relativamente tranquilizadores, embora seu uso esteja associado a um risco aumentado de malformações fetais e habilidades verbais reduzidas. As anormalidades mais comumente observadas em pacientes que receberam monoterapia com carbamazepina foram de natureza cardiovascular. Em relação as taxas de malformações associadas ao uso de fenitoína os resultados são variáveis, com um risco maior de malformações em comparação com mulheres grávidas sem epilepsia ou que não receberam tratamento com esse medicamento antiepiléptico. O topiramato parece estar relacionado a um risco aumentado de malformações, como fissuras orais e hipospadia, em comparação com a população em geral. Sobre o uso do levetiracetam, não foram encontradas associações específicas com malformações7,11.
A teratogenicidade do valproato é a mais conhecida e documentada na literatura. A droga está relacionada com deformidades no tubo neural, como defeitos da linha média, espinha bífida, hipospadia e malformações cerebrais, além de ocorrências de malformações cardíacas, orofaciais/ craniofaciais e esqueléticas. Dessa forma, é recomendado a suplementação de folato na forma sintética (ácido fólico) três meses antes da gravidez na quantidade de 4mg por dia.23 O risco de aparecimento das principais malformações congênitas (MCMs) com o uso do valproato é de 10%, estando associado à dose administrada. Ainda, a exposição ao valproato está associada ao maior risco de ocorrência do transtorno do espectro do autismo, bem como redução do quociente de inteligência (QI) e de outras funções cognitivas em anos pré-escolares. Estes problemas no desenvolvimento neuropsicomotor cursam com comportamentos repetitivos, comunicação prejudicada e isolamento social1,2,4,5,10,11,13,17,18.
O risco de malformações com politerapia é 6,0% em oposição a 3,7% com monoterapia, entretanto, estudos mais recentes indicam que o tipo de DAE incluso na politerapia é mais importante que o seu número, sendo que a inclusão de valproato foi a principal causa de prevalência de MCMs. Sabe-se também que há risco adicional associado a politerapia com levetiracetam1,2,11,18.
Ao longo dos anos, houve uma redução no uso de valproato e carbamazepina, ao mesmo tempo em que houve um aumento na prescrição de lamotrigina e levetiracetam durante uma gravidez. Essas mudanças na prática clínica resultaram em uma diminuição de 27% na prevalência de malformações congênitas maiores (MCMs) ao longo desse período. Estudos têm indicado que lamotrigina, levetiracetam, carbamazepina, oxcarbazepina, gabapentina e fenitoína apresentam um risco teratogênico semelhante ao da população em geral. No entanto, tanto levetiracetam quanto lamotrigina têm sido associados ao menor risco teratogênico1,2,7,9,18,20.
De acordo com as diretrizes da Academia Americana de Neurologia (AAN), é recomendado monitorar regularmente os níveis de medicamentos antiepilépticos (DAEs) ao longo da gravidez. Em geral, os níveis de DAEs devem ser verificados trimestralmente. No entanto, é importante estar ciente de que a lamotrigina e a oxcarbazepina mantiveram o monitoramento mais frequente, com intervalos estáveis, devido ao aumento da depuração desses medicamentos em caso de aumento dos níveis de estrogênio. Além disso, é crucial acompanhar de perto as concentrações de levetiracetam e zonisamida, uma vez que esses medicamentos sofrem uma diminuição acentuada durante a gravidez devido ao aumento da depuração renal1,2,7,9,20.
Durante a gravidez, é observado um aumento na depuração e consequente diminuição das concentrações de lamotrigina, levetiracetam, metabólito ativo da oxcarbazepina (licarbazepina), topiramato e zonisamida. No entanto, a depuração da carbamazepina e do clobazam não sofreram alterações nesse período. É importante destacar que quando a concentração dos medicamentos antiepilépticos (DAEs) cai para 65% ou menos do valor alvo, o risco de agravamento das convulsões aumenta significativamente1,2,3,7,20.
A seguir, apresentamos uma tabela 1 com as drogas anticonvulsivantes utilizadas na gestação e o risco de mal formação fetal associada a cada uma delas.
Controle de Pré-natal
Durante o período pré-natal, é fundamental que os profissionais forneçam informações precisas e auxiliem suas pacientes a gerenciarem adequadamente sua condição. Nesse sentido, é crucial que o controle do pré-natal seja realizado com cuidado em pacientes com epilepsia afim de controlar a doença e evitar crises convulsivas. A aderência ao tratamento é um dos fatores mais importantes a serem considerados nesse acompanhamento22.
Além do tratamento adequado, os fatores de risco para convulsões como cansaço, sono de baixa qualidade ou privação de sono, ansiedade e medo devem ser evitados22. Os sintomas do início da gravidez, como vômitos, que diminuem a concentração dos medicamentos anticonvulsivantes, devem ser tratados adequadamente para prevenir a exacerbação da epilepsia.12 .Além disso, vale ressaltar a importância da realização dos exames que auxiliam na prevenção e identificação precoce de anomalias fetais como o ultrassom morfológico e a dosagem sérica da concentração de anticonvulsivantes, que devem ser realizados quando necessário10.
Estudos indicam que a suplementação adequada durante a gestação pode reduzir o risco de defeitos no fechamento do tubo neural em uma faixa concebida entre 60% e 86%. Entre os nutrientes essenciais nesse contexto, o ácido fólico e o metilfolato têm sido associados à redução do risco de aborto espontâneo em mulheres que fazem uso de DAEs. Além disso, a suplementação dessas vitaminas também está relacionada à diminuição do risco de anormalidades hematológicas e ao aumento do QI em crianças expostas a esses nutrientes11.
Vitamina K
O uso de medicamentos anticonvulsivantes pode ter um impacto negativo no metabolismo da vitamina K fetal, aumentando assim o risco de hemorragias após o nascimento. Por esse motivo, gestantes que fazem uso de drogas antiepilépticas devem realizar uma profilaxia contra a doença hemorrágica do recém-nascido, uma condição associada a taxas elevadas de complicações neonatais. Recomenda-se a administração de vitamina K por via oral, na dose de 10-20 mg por dia pela mãe durante o último mês de gestação. Além disso, o recém-nascido deve receber uma dose de 1 mg de vitamina K por via intramuscular logo após o nascimento e outra dose aos 28 dias de vida22.
Cuidados durante o parto
Com o objetivo de prevenir a hipóxia no recém-nascido e garantir um parto seguro e ativo é recomendado que o parto seja encaminhado em instituições de saúde seguras, que possuam todos os recursos necessários para lidar com urgências e emergências obstétricas. Durante o período periparto, aproximadamente 1% a 2% das gestantes com epilepsia podem apresentar episódios de convulsão, o que pode ser prejudicial tanto para o feto quanto para a mãe, aumentando o risco de hipóxia com prognóstico desfavorável2,21.
Para lidar com essas situações, os benzodiazepínicos de ação rápida podem ser administrados em doses baixas, seja por via nasogástrica ou parenteral. No entanto, é importante ter cautela com a administração de meperidina e morfina durante o período periparto, pois esses medicamentos podem causar convulsões. Com o objetivo de mitigar os episódios convulsivos, a anestesia epidural pode ser uma opção adequada, uma vez que reduz os estímulos que desencadeiam convulsões, como os picos ansiogênicos e dor2,21.
Durante um episódio de convulsão no período periparto, o útero pode aumentar a duração das contrações, o que pode levar a uma diminuição da frequência cardíaca do feto. Um estudo realizado na Suécia, envolvendo 1.429.652 nascimentos revelou uma maior prevalência de indução de parto, cesariana eletiva, descolamento prematuro de placenta e infecção periparto em pacientes com epilepsia. Além disso, uma pesquisa nos Estados Unidos, com 20.449.532 partos, incluindo 69.385 de pacientes com epilepsia, mostrou uma maior incidência de parto prematuro, pré-eclâmpsia, cesariana, aumento da duração da hospitalização (superior a 6 dias) e um risco aumentado de mortalidade (OR=11,46)1.
Quando se trata da via de parto, ter epilepsia não é por si só uma indicação para parto cesariano. No entanto, a cesariana pode ser considerada se houver um aumento na frequência das convulsões nas semanas anteriores ao nascimento do feto. Em geral, a maioria das gestações em mulheres com epilepsia podem permitir um parto vaginal.21 É importante ressaltar que partos domiciliares não são encorajados nestas condições2.
Amamentação
A preocupação com a presença de anticonvulsivantes no leite materno e seus possíveis efeitos adversos nas crianças tem sido objeto de atenção tanto entre mães quanto entremédicos. É pertinente ressaltar que certos medicamentos, como a lamotrigina, podem apresentar concentrações mais elevadas no leite materno, em comparação a outros DAEs22,15.
Essa fração de anticonvulsivante presente no leite materno pode causar sedação em recém-nascidos, sendo o fenobarbital uma droga mais associada a esse efeito. Não obstante foi verificado ausência de efeitos neurocognitivos em crianças expostas aos anticonvulsivantes através da ingestão de leite materno de mães em tratamento por essa medicação22,15.
Além disso, a amamentação contínua nos primeiros 6 meses de vida promove o desenvolvimento de habilidades motoras finas, grossas e psicossociais, além de reduzir o risco de desenvolvimento de epilepsia na criança. É importante que mães que estejam em terapia anticonvulsivante discutam com seus médicos sobre os riscos e benefícios da amamentação, para que haja uma decisão individualizada1,7.
Os benefícios da amamentação são bem descritos, portanto existem fortes evidências que apoiam sua segurança em mães com epilepsia. A amamentação geral deve ser incentivada entre gestantes epilépticas, mas é importante que exista um equilíbrio consoante a necessidade de um sono adequado16,11. Além disso, os bebês devem ser monitorados quanto a efeitos adversos quando a mãe estiver em uso de DAEs com potencial efeito cumulativo. Essa medida pode ser realizada por meio da dosagem dos níveis séricos do bebê caso exista suspeita de efeitos colaterais16,11.
A Academia Americana de Neurologia (AAN), 2009, não deu um parecer definitivo a esse respeito, mas discutiu a penetração de certos DAEs no leite materno. Dessa forma, foi posto que a primidona e o levetiracetam provavelmente penetram no leite em quantidades potencialmente importantes. Gabapentina, topiramato e lamotrigina possivelmente penetram no leite materno em quantidades relevantes, enquanto fenitoína, fenobarbital, carbamazepina e valproato provavelmente não penetram no leite em quantidades significativas11,1. Ressalta-se que crianças já expostas intraútero a antiepilépticos têm menor probabilidade de desenvolver síndromes de abstinência ao fármaco, já que continuam em contato com microdoses mesmo após o período intrauterino22.
Cuidados no puerpério
A epilepsia é uma das principais causas associadas ao risco aumentado de morte materna durante e após a gravidez. A privação de sono, a mudança do estilo de vida e os comportamentos de risco interferem na adesão correta à medicação e consequentemente, reduzem os limiares convulsivos, aumentando a frequência e gravidade das crises12.
No período pós-parto é recomendado que a mulher com epilepsia faça uma consulta com o ginecologista 6 semanas após o parto e com o neurologista 12 semanas após o parto. Durante a gestação, as doses das drogas antiepilépticas podem ser aumentadas e após o parto geralmente é necessário reduzi-las. No entanto, não há evidências claras sobre o momento exato para iniciar a redução da dose, uma vez que o período pós-parto está associado a alterações emocionais e fisiológicas que podem predispor a convulsões22.
Nesse sentido é recomendado que a dose dos medicamentos seja mantida para a estabilidade no quadro emocional da mãe e a adequação do sono. É importante discutir com o neurologista sobre o melhor momento para iniciar a redução da dose, levando em consideração o contexto individual de cada mulher, a saúde psíquica e o sono adequado. O acompanhamento médico regular é essencial para monitorar a condição da mulher e fazer os ajustes necessários na terapia antiepiléptica durante o pós-parto22.
CONCLUSÃO
Em conclusão, uma gestante com epilepsia enfrenta desafios adicionais devido ao potencial teratogênico das crises e das medicações antiepilépticas. O controle adequado da epilepsia durante a gravidez é essencial para evitar complicações como malformações fetais, comprometimento do crescimento e desenvolvimento e déficits cognitivos. É importante ajustar a dose dos medicamentos levando em consideração as alterações fisiológicas e farmacocinéticas que ocorrem durante a gestação.
A falta de tratamento adequado da epilepsia pode levar a convulsões descontroladas, resultando em perdas fetais e prejuízos cognitivos. É necessário encontrar um equilíbrio entre os riscos teratogênicos dos medicamentos e os benefícios do seu uso. Alguns antiepilépticos têm sido associados a um maior risco de malformações, enquanto outros parecem ter um perfil de segurança melhor.
Durante o pré-natal, é fundamental que as gestantes compreendam a importância da adesão à medicação antiepiléptica e do uso de ácido fólico antes da concepção. A interrupção abrupta dos medicamentos deve ser evitada, e a preferência deve ser dada aos medicamentos com menor potencial teratogênico, buscando a monoterapia sempre que possível.
Além da adesão medicamentosa, é recomendado que as mulheres evitem os fatores desencadeantes das convulsões, como estresse, ansiedade, privação de sono e fadiga. O monitoramento dos níveis sanguíneos dos anticonvulsivantes e o acompanhamento fetal especializado durante o pré-natal são importantes para avaliar o risco teratogênico.
Em relação ao parto, a maioria das gestantes com epilepsia podem optar por um parto vaginal, embora a cesariana eletiva possa ser considerada caso as convulsões se tornem mais frequentes nas semanas que antecedem o parto.
No pós-parto, cabe destacar que a presença dos anticonvulsivantes no leite materno não influencia negativamente na saúde do recém-nascido. Portanto, a amamentação deve ser incentivada mesmo durante o uso desses medicamentos.
É crucial um cuidado especializado e multidisciplinar para garantir o melhor controle da epilepsia durante a gravidez, minimizando as ameaças para o feto e para a mãe. O equilíbrio entre os benefícios e os riscos dos medicamentos antiepilépticos, aliado a uma abordagem abrangente que envolve a adesão medicamentosa, estilo de vida saudável e acompanhamento adequado, contribuirá para uma gravidez mais segura e saudável para mulheres com epilepsia.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
Conceptualização, Investigação, Metodologia, Visualização & Escrita-análise e edição, supervisão & Escrita-rascunho original: Deus, IB; Ferreira, ALCM; Ribeiro, TP; Gonçalves, LV. Conceptualização, Validação, Curadoria de Dados & Análise Formal, revisão: Cabral, ACV; Chaves, EC.
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