RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 23. 4 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20130083

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Relato de Caso

Neuroblastoma olfatório ectópico: estudo de caso e revisão da literatura

Ectopic olfactory neuroblastoma: case study and literature review

Hugo Gonçalves Couto1; Leonardo Andrade Ribeiro1; Dionísio da Silva Vilaça1; Núbia Bernardes Carvalho2

1. Médicos do Hospital Sao Sebastiao. Três Coraçoes, MG - Brasil
2. Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Núbia B Carvalho
E-mail: nubia_bc@hotmail.com

Recebido em: 28/05/2013
Aprovado em: 22/08/2013

Instituição: Fundação Hospitalar São Sebastião Três Corações, MG - Brasil

Resumo

O neuroblastoma olfatório, também conhecido como estesioneuroblastoma (ENB), é tumor maligno de crescimento lento, com origem principalmente na neuroectoderme da cavidade nasal. O pico de incidência do ENB é aos 53 anos, com a maioria dos casos ocorrendo entre os 40 e 70 anos, principalmente em homens. Há poucos relatos de ENB nos seios etmoidal, maxilar e esfenoidal, hipófise e nasofaringe. Esse tumor geralmente apresenta-se como doença invasiva e tendência a recorrer tardiamente. A disseminação mais frequente do ENB é para os linfonodos cervicais e, se presente, significa pior prognóstico. Seus sintomas são inespecíficos, sendo a obstrução nasal o mais comum. Os exames de imagem são importantes no diagnóstico do ENB, juntamente com o histopatológico e o imuno-histoquímico, que também auxiliam no diagnóstico diferencial. O tratamento cirúrgico de ressecção craniofacial associado à radioterapia apresenta os melhores resultados na sobrevida. Descreve-se seguidamente um caso clínico ilustrativo dessa doença em paciente masculino de oito meses, faixa etária incomum da ENB, com queixa familiar inicial de obstrução nasal e coriza hialina com rajas de sangue.

Palavras-chave: Neuroblastoma; Estesioneuroblastoma Olfatório; Otolaringologia.

 

CASO CLINICO

Paciente de oito meses, masculino, foi levado há 30 dias ao serviço de Otorrinolaringologia devido a obstrução e coriza nasal hialina com rajas de sangue. Fez uso de amoxicilina, mas não obteve melhora. Evoluiu com inchaço facial (sic) nos últimos 15 dias (Figura 1).

 


Figura 1 - Fotografia do paciente duas semanas após a primeira consulta.

 

A tomografia computadorizada (TC) mostrou massa expansiva em seio maxilar direito com destruição óssea da parede medial do seio maxilar e parede inferior da maxila direita (Figuras 2 e 3).

 


Figura 2 - Presença de massa expansiva em seio maxilar evidenciada na TC.

 

 


Figura 3 - Destruição óssea da parede medial do seio maxilar e da parede inferior da maxila direita, demonstrado na reconstrução tomográfica em três dimensões.

 

Foi realizada biópsia da massa e o exame anatomopatológico identificou células pequenas, redondas e azuis com arquitetura lobular. A imunocitoquímica foi positiva para enolase neurônio-específica (NSE), molécula de adesão de célula neuronal (N-CAM) e negativa para citoqueratinas, CD45, CD99 e proteína S-100.

Feito diagnóstico de neuroblastoma olfatório ectópico no estádio de C de Kadish.

 

DISCUSSÃO

O neuroblastoma olfatório, também conhecido como estesioneuroblastoma (ENB), é tumor maligno raro com origem provável no epitélio olfatório.1,2 Sua origem ocorre, em geral, na porção superior das fossas nasais, sendo também descrito em outras localizações, como nos seios etmoidal, maxilar e esfenoidal, hipófise e nasofaringe, resultando possivelmente de células ectópicas remanescentes da migração dos neurônios do placódio olfatório durante o período embrionário.3

A maior casuística até agora relatada de ENB decorre de análise de 311 casos por período superior a 30 anos.4 Acomete pessoas com predomínio na faixa etária entre 40 e 70 anos; especialmente aos 53 anos de idade2,4; com relação homem:mulher de 55:45.

Possui crescimento lento e sua sintomatologia é inespecífica, o que dificulta o seu diagnóstico precoce.4 A obstrução nasal é a queixa mais comum e está relacionada à presença de massa nasal. O exame físico geralmente revela um pólipo vermelho-amarronzado localizado superiormente na cavidade nasal. Outras manifestações locais incluem epistaxe, descarga nasal ou dor. A invasão de estruturas adjacentes pode ocasionar anosmia, proptose, epífora, otite média e cefaleia. Pode provocar síndrome paraneoplásica devido à produção ectópica de hormônio, incluindo a síndrome do ACTH ectópico, hipercalcemia e hiponatremia.1

Não há sistematização para o estadiamento do ENB, sendo mais usado o de Kadish, baseado na extensão do tumor primário. Ele foi modificado para englobar pacientes com linfonodos acometidos pelo tumor ou com metástases distantes, como: A: confinado à cavidade nasal, B: envolvendo um ou mais seios paranasal, C: acometendo além da cavidade nasal e dos seios paranasais, D: linfonodo regional acometido ou metástase à distância. O método de Dulguerov é baseado no sistema TNM e utiliza a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) para determinar extensão local do tumor.1 Ao diagnóstico, quase 61% dos doentes encontram-se no estágio C de Kadish, o que compromete o seu prognóstico.5

A disseminação mais frequente do ENB é para os linfonodos cervicais (aparece em 5 a 20% dos casos) e, caso presente, resulta em pior prognóstico.5,6 O tumor pode se disseminar para os seios perinasais, fossa intracraniana anterior, encéfalo, medula (via meninge), ossos e pulmoes.2 O envolvimento tardio (seis meses após o diagnóstico) também é frequente.6

A imagem radiográfica pode revelar a existência de massa intranasal. Podem aparecer destruição óssea e opacificação dos seios paranasais, quando o tumor é mais extenso. A TC e a RM ajudam a diferenciar o tumor de outras causas de obstrução nasal e também no estadiamento1, entretanto, não podem distingui-los de outros tumores, por isso o diagnóstico definitivo requer análise histológica, imuno-histoquímica ou até de microscopia eletrônica.1

Hyams et al.7 criaram uma graduação histológica (graus I-IV) baseada, principalmente, no nível de diferenciação celular. O ENB é um tumor tipicamente de pequenas células redondas e azuis, com arquitetura lobular, podendo haver formação de rosetas. Há, entretanto, uma variedade de tumores de pequenas células redondas e azuis que se apresentam na regiao dos seios nasais e podem ser confundidos com o ENB, entre eles o carcinoma indiferenciado dos seios nasais, o rabdomiossarcoma e o sarcoma de Ewing. O diagnóstico diferencial requer o uso de técnicas adicionais, como a imuno-histoquímica.

Na imuno-histoquímica, o ENB aparece positivo para enolase neurônio-específica (NSE); 65% para sinatofisina e menor quantidade para cromogranina. Em alguns casos, as células tumorais podem ser positivas para neurofilamento, citoceratina, proteína S-100 ou proteína fibrilar ácida glial (GFAP). As células tumorais são negativas para inúmeros outros marcadores, como antígeno de membrana epitelial (EMA), antígeno leucocitário comum, cadeia leve kappa e lambda, HMB45, desmina, mioglobina, vimentina, MIC2 (CD99) e o marcador para sarcoma de Ewing.1

A dificuldade de estabelecer normas para o tratamento do ENB baseia-se em estudos clínicos não randomizados e observacionais, com reduzido número de participantes, e em sua história natural, que requer observação prolongada para garantir resultados adequados. Tanto a radioterapia (RT) quanto a quimioterapia e a ressecção cirúrgica têm sido usadas no tratamento primário de ENB.8 O tratamento cirúrgico seguido de RT pós-operatória resulta em alta taxa de sobrevivência quando comparada com a cirurgia ou exclusivamente com RT.5 O uso de tratamentos combinados é importante para pacientes com tumores que se estendem além dos seios paranasais ou para pacientes com as margens da ressecção cirúrgica tomadas pelo tumor.1 É controversa a necessidade de irradiação profilática da regiao cervical. A frequência de formação de metástase cervical na altura do diagnóstico é de 5% e ocorre em 14-33% dos doentes no curso da doença, servindo como argumento que justifica a irradiação.9

O papel da quimioterapia ainda é desconhecido, assim como sua eficácia, comparada à ressecção cirúrgica combinada à RT. A terapia molecular está em estudo para o tratamento da doença sistêmica, mas ainda não há evidências que indiquem seu uso.10,11

Não há algum protocolo padrao para o acompanhamento apropriado do paciente depois do tratamento do ENB. Múltiplos estudos têm documentado que recorrências locais ou regionais podem ocorrer após 10 a 15 anos do tratamento inicial, mas a maioria acontece nos primeiros anos. Baseado nessas informações, o acompanhamento clínico e por imagem está indicado nesses pacientes por longo período.1,2

 

REFERENCIAS

1. Snyderman C, Lin D. Olfactory neuroblastoma (esthesio neuroblastoma). UpToDate 19.2; 2012.

2. Caeiro C, Jaraquemada T, Augusto I, Sarmento I, Damasceno M. Estesioneuroblastoma: Caso clínico e Revisão de Literatura. Arq Med. 2008;22(1):21-3.

3. Morris L, Govindaraj S, Genden EM. Primary sphenoid sinus esthesioneuroblastoma. Am J Otolaryngol. 2004;25:350-3.

4. Jethanamest D, Morris LG, Sikora AG, Kutler DI. Esthesioneuroblastoma: a population-based analysis of survival and prognostic factors. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;133:276-80.

5. Dulguerov P, Allal AS, Calcaterra TC. Esthesioneuroblastoma: a meta-analysis and review. Lancet Oncol; 2001;2:683-90.

6. Gore MR, Zanation AM. Salvage treatment of late neck metastasis in esthesioneuroblastoma: a meta-analysis. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2009;135:1030-4.

7. Hyams VJ, Batsakis JG, Michaels L. Olfactory neuroblastoma. In: Tumors of the upper respiratory tract and ear. Washington DC: Armed Forces Institute of Pathology; 1988. p.240-48.

8. Nichols AC, Chan AW, Curry WT, Barrer FG, Deschler DG, Lin DT. Esthesioneuroblastoma: the massachusetts eye and ear infirmary and massachusetts general hospital experience with craniofacial resection, proton beam radiation, and chemotherapy. Skull Base. 2008;18:327-37.

9. Dias FL, Sá GM, Lima RA. Patterns of failure and outcome in esthesioneuroblastoma. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2003;129:1186-92.

10. Preusser M, Hutterer M, Sohm M, Koperek O, Elandt K, Dieckmann K, et al. Disease stabilization of progressive olfactory neuroblastoma (esthesioneuroblastoma) under treatment with sunitinib mesylate. J Neurooncol; 2010;97:305-8.

11. Mao L, Xia YP, Zhou YN, Dai RL, Yang X. Activation of sonic hedgehog signaling pathway in olfactory neuroblastoma. Oncology. 2009;77:231-43.