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CAPES/Qualis: B2
Ecoescleroterapia de varizes com espuma: revisão de literatura
Varices eco-esclerotherapy with foam: literature review
Francisco Reis Bastos1; Amador Emilio de Lima2; Ana Carolina Assumpção3
1. Angiologista em hospitais de Belo Horizonte. Diretoria da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular-MG. Ex Professor Assistente de Anatomia da UFMG
2. Angiologista em hospitais de Belo Horizonte
3. Médica-estagiária
Francisco Reis Bastos
Rua dos Otoni, 909/411
Belo Horizonte - MG CEP 30150-270
E-mail: drfranciscobastos@ig.com.br
Resumo
A incorporação de novas técnicas em Medicina constitui-se em natural resistência, em especial, decorrente da avaliação do risco de efeitos adversos. As técnicas para o tratamento de varizes não se revelaram totalmente eficientes. A ecoescleroterapia de varizes dos membros inferiores com espuma surgiu na Europa há 20 anos e gradativamente se afirmou como método tão bom quanto a cirurgia de varizes. A escleroterapia clássica que deu origem à ecoescleroterapia é usada há mais de 150 anos. O método acompanha o advento da espuma com poder esclerosante maior, o que permite o seu uso de forma mais ampla, sobretudo em casos como os de úlceras de perna, em pacientes idosos ou nos portadores de doenças crônicas concomitantes. Constitui-se em método mais barato, o que permite ampliar o tratamento para pessoas antes difíceis de serem tratadas convenientemente. A revisão da literatura evidencia que o método é seguro e eficaz, com baixo índice de complicações.
Palavras-chave: Varizes/terapia; Úlcera varicosa/terapia; Escleroterapia.
INTRODUÇÃO
"Não se desembaraça de um hábito jogando-o pela janela, mas fazendo-o descer as escadas degrau por degrau". Mark Twain.
Há mais de 150 anos o tratamento das varizes de membros inferiores é feito por intermédio da escleroterapia, entretanto, nova proposta terapêutica propõe o uso de espuma de polidocanol, orientada pelo ultrassom e pelo venoscópio de luz LED (Veinlite). A espuma de polidocanol se revelou um esclerosante mais potente que os líquidos até então utilizados. Constitui-se em nova tecnologia, que agrega mais precisão, eficiência e menos complicações na abordagem das varizes dos membros inferiores. Outras técnicas têm sido testadas com o objetivo de promover a ablação das veias por intermédio do raio laser, o vapor de água ou a radiofrequência. São necessários, entretanto, mais estudos de confirmação e validação dos métodos para que possam ser usados de forma adequada.
REVISÃO DA LITERATURA
História
A preocupação médica com a abordagem das varizes dos membros inferiores remonta à Antiguidade, com o relato da aplicação de vários métodos terapêuticos como trançagem, injeções com osso de galinha e outros expedientes.1-24 A técnica da escleroterapia representa a abordagem atual, primária e universal, em que são usados vários produtos esclerosantes2,15,16 como fenol, glicose hipertônica, tetradecyl (TDS), ethanolatho de metila e o polidocanol (aethoxyclerol ou AET).
O AET ensaiado, inicialmente, como anestésico local é a substância esclerosante de vasos mais usada. Associa-se à reação alérgica em 3:1.000 aplicações.15,16 Pode ser aplicado sob a forma líquida ou como espuma8,9, com formas de preparo e doses variáveis.4,6,10-12
A ecoescleroterapia com polidocanol sob a forma de espuma é prática que surgiu com Orbach, na década de 4025, e aperfeiçoada por Cabrera na década de 90, quando atingiu a sua maioridade tecnológica e teve seus limites de indicação de uso alargados.26
Método (a luz LED - veinlite - e o ecodoppler)
A ecoescleroterapia de varizes com espuma de AET tornou-se mais fácil com a boa visualização permitida pelo duplex-scan (ultrassom) ou pelo veinlite (venoscópio), que gera luz LED. Esse processo torna a pele com aparência afilada, o que facilita a visão do sangue intravenoso subcutâneo de forma mais nítida. Vê-se, então, o sangue ou a espuma dentro da veia. Esse avanço tecnológico permitiu ao angiologista a obtenção de diagnóstico com mais precisão e melhor abordagem terapêutica. Durante a ecoescleroterapia, é possível ver onde está a ponta da agulha ou do cateter e onde será colocada a espuma, isto é, dentro ou fora da veia doente. Permite também analisar a fisiopatologia das veias superficiais de forma constante. O duplex-scan - ecodoppler ajuda também a determinar o acesso venoso no momento da punção de veias mais profundas, a identificar a suficiência da espuma em preencher a veia e a localizar o esclerus (coleção de sangue a ser drenada) após o tratamento. O uso de cateter curto ou longo, com controle da colocação do bolus de espuma na veia, permite mais segurança e, caso necessário, possibilita refazer a injeção, evitando-se complicações. Permite interromper antes e injetar menos espuma se o médico assim perceber que foi suficiente. O ecodoppler, entretanto, não consegue distinguir a espuma da bolha de gás fisiológico, que surge após a absorção do AET pela parede da veia tratada. Há um verdadeiro sequestro do esclerosante pela parede da veia.
A ecoescleroterapia com polidocanol pode ser usada nas grandes veias com úlceras de estase, nos hemangiomas e malformações venosas, nos idosos e em recidivas complicadas de varizes. Este horizonte alargado representa novidade expressiva e auspiciosa em angiologia. Essas técnicas são realizadas entre cinco e seis milhões de sessões por ano na França.11
O método de preparo da espuma mais usado é o de Tessari27, também chamado de método das "três vias", em que se misturam 4 mL de gás biológico com 1 mL de solução esclerosante. A espuma, após a sua confecção, é introduzida na veia por intermédio de uma agulha muito fina do tipo "insulina", para que o processo não seja doloroso. A espuma é vista entrar na luz da veia e empurrar o sangue. Isto apaga a imagem da veia doente. A espuma carreia o polidocanol para a parede média das veias depois de destruir o endotélio e atravessar a camada de elastina que sustenta o endotélio. É possível ver, ao microscópio, os núcleos das células do endotélio que se misturam ao sangue. O polidocanol que chega à camada média (muscular) da veia provoca uma reação de edema e contração das miofibrilas musculares, causando um espasmo de 50% do seu volume. O medicamento é absorvido em 94% de seu volume pela parede da veia. Uma pequena porção do polidocanol circulará pelo corpo humano, o que pode explicar o seu baixo índice de complicação. A cicatrização restante será feita pela aplicação de meia elástica, que faz a compressão externa, e pelas reações inflamatórias do organismo humano. O gás da bolha de espuma será absorvido em vários tecidos do corpo humano. As veias sadias terão melhor fisiologia se houver cicatrização daquelas que estão doentes.27-35
A ecoescleroterapia com espuma pode ser feita junto ou isolada à cirurgia de varizes, especialmente nas grandes veias com úlceras de estase, nos hemangiomas e nas malformações venosas, nos idosos e nas recidivas complicadas de varizes. Esse horizonte torna a ecoescleroterapia com espuma uma novidade na angiologia.
A padronização da escleroterapia pelo polidocanol foi proposta pelo Segundo Consenso Europeu sobre Ecoescleroterapia em Tergensee, Alemanha28, após a sua aplicação em 184.000 pacientes. Nossos 400 primeiros casos estão nesta série. O National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE), da Inglaterra, estabeleceu, recentemente, a segurança e a eficiência do tratamento das varizes com espuma de polidocanol1 baseado em 1.138 relatos científicos.
Clínica
A transição demográfica no mundo e também no Brasil ressalta a menor fertilidade feminina, menos nascimentos e envelhecimento populacional. A população torna-se mais idosa, o que requer abordagem terapêutica menos intervencionista, mais simples e eficaz, econômica e com baixa morbidade. A abordagem das varizes com ecoescleroterapia por intermédio da espuma apresenta todos esses benefícios, especialmente as mulheres que apresentam mais varizes e por isso perdem qualidade de vida.16
A doença venosa evolui com o tempo, acumulando os estragos naturais da somatória de veias falidas. Tratase de uma série de efeitos, em cascata, que desgastam a rede venosa responsável pela drenagem do sangue dos membros inferiores. É uma evolução de um quadro venoso preexistente que se agrava paulatinamente. Os idosos também possuem menos eficiência em seus processos reparadores, mais exposição a fatores fisiopatológicos que promovem o desenvolvimento de comorbidades e gênese de múltiplas doenças. O seu sistema venoso pode ser afetado pela imobilização, atrofia da musculatura, sedentarismo, distúrbios alimentares (desnutrição e supernutrição), propiciando riscos de tromboses locais e sistêmicas, especialmente pulmonar, com as repercussões deletérias sobre o sistema hemodinâmico, interpondo mais limitação ou interrupção da vida.
O tratamento das varizes deve ser antecedido de exame clínico geral e, sobretudo, de investigação da rede arterial, que pode ser feita simultaneamente ao ecodoppler, que irá mapear as veias doentes a serem tratadas.
Terapêutica
A análise dos resultados de qualquer tratamento das afecções venosas crônicas é difícil. Ela pode apreciar número importante de critérios subjetivos e objetivos. O grau de satisfação do médico e do paciente nem sempre está correlacionado. É difícil quantificar a melhoria dos sintomas.
A ecoescleroterapia com espuma possui a mesma eficácia da cirurgia de varizes a céu aberto29 ou da cirurgia endovenosa, recomendação de grau 2 C para as varizes assintomáticas e 2 B para as varizes sintomáticas.16 A escala de Guyatt, entretanto, não considera o custo diferenciado dos vários procedimentos. Parece que apresenta melhores resultados com complicações equivalentes, constituindo-se em alternativa mais econômica e com vantagem de ampliar o horizonte do tratamento de varizes, incluindo os casos mais graves, ou seja, os casos com úlcera de estase.30
São apresentados, a título de ilustração, três casos graves em que a ecoescleroterapia com espuma funcionou muito bem. Na Figura 1, um intenso eczema de estase com abundante secreção cristalina tratada com polidocanol. Na Figura 2, um caso de úlcera de estase intenso na face anterior do pé direito, tratado com polidocanol. Na Figura 3, uma intensa estase com erisipela que apresentou fechamento da úlcera com 60 dias, tratada com tetradcyl sulfato de sódio.
Entre os sinais mais objetivos, as úlceras de estase e a lipodermatosclerose podem ser medidas como parâmetros de cura ou melhora. O estabelecimento da melhora dos sinais e sintomas na doença varicosa nem sempre é fácil de ser estabelecido.18,19,20 A investigação ultrassonográfica foi tentada como controle de tratamento, mas revelou-se incompleta na avaliação da melhora clínica.21 Outro fator relevante e que deve ser levado sempre em consideração é a dificuldade (inerente à doença venosa crônica) de definir o ponto final do tratamento das varizes dos membros inferiores. Muitos casos são difíceis de relatar, pois o paciente não volta mais ou muda de médico. A durabilidade média do tratamento ecoescleroterápico situa-se em torno de um a três anos e a oclusão da veia tratada entre 67 e 93,8% (média de 84,4%). A recidiva ou o aparecimento de novas varizes surge em 27,8% (extremos 4,4-51,2%), mas o ponto final de tratamento é mal definido.27-35
A satisfação do paciente, a modificação da sintomatologia, a avaliação clínica e a qualidade de vida antes e depois do tratamento ainda não foram sistematicamente avaliadas.3,13
Complicações
A eficácia do tratamento das varizes dos membros inferiores com espuma de polidocanol é incontestável, desde que a sua estratégia de uso seja feita com rigor.
Os efeitos indesejáveis são os mesmos encontrados na escleroterapia clássica.16 Associam-se a todo tratamento esclerosante eficaz e, felizmente, são raros e benignos, desde que sejam realizados por angiologista com treinamento adequado. Os efeitos indesejáveis podem ser localizados ou generalizados. Os efeitos localizados decorrem de: hematomas de punção venosa, dor no trajeto venoso, pigmentação subcutânea residual, flebite superficial, trombose venosa profunda (TVP), matting. A pigmentação subcutânea residual é a complicação mais frequente, com realce especial devido à importância estética sempre presente no tratamento das varizes. A TVP associa-se, especialmente, ao hábito do tabagismo, uso de anticoncepcional ou portadores de trombofilia. Os efeitos generalizados são raros, alguns transitórios e outros potencialmente graves, devidos ao desenvolvimento de enxaqueca, tosse seca, hipersensibilidade e acidente vásculo-encefálico. A redução do volume de espuma injetado e o repouso logo após a sessão de ecoescleroterapia parecem ter muita importância na prevenção dessas complicações (Quadro 1).
A injeção intra-arterial do polidocanol pode determinar repercussões graves, devido ao risco da espuma provocar oclusão arterial e consequente necrose da jusante.24
CONCLUSÃO
A ecoescleroterapia parece ser segura e eficaz. Oferece resultados semelhantes aos da cirurgia, que ainda constitui o método mais usado no controle das varizes. O baixo índice de complicações permite indicar o método para aqueles que possuem alguma contraindicação ao método cirúrgico. A ecoescleroterapia com espuma pode ser considerada a alternativa mais econômica no futuro próximo. Outras possibilidades terapêuticas podem se tornar importantes no futuro como o uso de radiofrequência, dos raios laser e do vapor d'água, apesar do custo elevado dos dois primeiros. A ecoescleroterapia com espuma oferece a possibilidade de inserção social de segmentos que antes eram marginalizados, sem tratamento, como os idosos, os ulcerados e até os portadores de defeitos venosos congênitos.
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