RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 19. 1

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Artigos de Revisão

Mieloma múltiplo: diagnóstico e tratamento

Multiple myeloma: diagnosis and treatment

Lívia Von Sucro1; Jeferson Cardoso de Moraes Luiz da Silva1; Guilherme Weschenfelder Gehlen1; Jean Fernando Sary Eldin1; Gennaro Antonucci Amaral1; Marcio Antônio Portugal Santana2

1. Acadêmicos do 4º ano da Faculdade de Ciências Médicas José do Rosário Velano - UNIFENAS/BH
2. Prof. Ms Hematologia da Faculdade de Ciências Médicas José do Rosário Velano - UNIFENAS/BH

Endereço para correspondência

Jeferson Cardoso de Moraes Luiz da Silva
Rua Dr. Afonso Dutra Nicácio, 165/12 Santa Branca
Belo Horizonte - MG CEP 31565-070
E-mail: jeferson_med@yahoo.com.br

Instituição: Faculdade de Ciências Médicas José do Rosário Velano - UNIFENAS/BH

Resumo

Esta revisão aborda os principais métodos de diagnósticos do mieloma múltiplo e analisar os tratamentos mais indicados para essa neoplasia. A revisão da literatura foi realizada a partir de artigos publicados após o ano 2000. O mieloma múltiplo é um tumor maligno de células linfóides medulares, sendo o segundo câncer onco-hematológico mais freqüente no mundo. É doença causada pela proliferação de um linfócito B clonal neoplásico, formando células produtoras de imunoglobulinas anômalas. As manifestações clínicas surgem devido à infiltração, principalmente nos ossos, de plasmócitos neoplásicos, de produção de imunoglobulinas em excesso e de supressão da imunidade humoral normal. Como resultado observa-se anemia grave, lesão óssea, insuficiência renal e infecção recorrente. A taxa de sobrevida dos pacientes pode variar de alguns meses a vários anos e depende da precocidade do diagnóstico e de tratamento adequado. Podem ser usados exames laboratoriais e de imagem de forma a auxiliar na identificação da neoplasia. O tratamento pode ser realizado através do transplante autogênico de células-tronco ou heterogênico. Medidas suportivas podem ser adotadas, demonstrando melhora significativa da qualidade de vida do paciente. O mieloma múltiplo requer diagnóstico precoce, que pode ser feito utilizando-se exames laboratoriais e de imagem relativamente simples. O tratamento mais eficiente é o transplante autólogo de células- tronco.

Palavras-chave: Mieloma Múltiplo/diagnóstico; Mieloma Múltiplo/terapia.

 

INTRODUÇÃO

O mieloma múltiplo é responsável por 1% de todas as mortes por câncer nos países ocidentais e é a segunda doença onco-hematológica (cerca de 10% dos casos) mais comum no mundo, perdendo apenas para os linfomas.1

É uma doença causada pela proliferação de um linfócito B clonal neoplásico,2 formando células produtoras de imunoglobulinas anômalas.3 Possui como característica o comprometimento do esqueleto em diversos lugares, podendo se propagar também para os linfonodos e localizações extralinfonodais, como a pele.1 A MIP1α e o ativador do receptor do ligante NF-κB (RANKL) são citocinas produzidas por plasmócitos neoplásicos, capazes de ativar os osteoclastos, induzindo então a destruição óssea. A interleucina-6 (IL-6) produzida pelas células tumorais e células estromais normais na medula influencia na proliferação e sobrevida das células de mieloma.3

As manifestações clínicas surgem em decorrência de infiltração nos órgãos, principalmente os ossos, de plasmócitos neoplásicos, de produção de imunoglobulinas em excesso e da supressão da imunidade humoral normal. Como conseqüência, observa-se anemia grave, lesão óssea, insuficiência renal e infecção recorrente.1,2 O mieloma apresenta incidência elevada em negros e adultos de meia idade. A sua prevalência é maior a partir da quinta década de vida, principalmente entre 50 e 60 anos. A sobrevida dos pacientes pode variar de alguns meses até mais de uma década.3

Em 2005, foi proposta uma classificação internacional de estadiamento do mieloma múltiplo, baseado em dosagens de beta-2-microglobulina sérica e albumina sérica,4 como mostra a Tabela 1.

A determinação do cariótipo do paciente a partir da citogenética ou da citometria de fluxo mostrouse um fator prognóstico relevante, porém limitado, pelo alto custo, disponibilidade restrita e ausência de padronização. A anormalidade genética mais comum é a deleção do cromossomo 13.4 Avanços recentes na citogenética molecular mostraram que pacientes com hiperploidia e translocação t(11;14) (q13,q32)-positiva do gen 13 possuem bom prognóstico, mas pacientes não-hiperplóides ou com outras translocações, bem como aqueles com ausência do cromossomo 13, têm prognóstico muito pior.5

A Tabela 2 correlaciona algumas anormalidades genéticas encontradas no mieloma múltiplo com a taxa de sobrevida dos pacientes transplantados.

A idade dos pacientes também é um fator importante na classificação prognóstica. Pacientes acima de 65 anos possuem taxa de sobrevivência muito baixa quando comparados a pacientes mais jovens.4

Visando ao diagnóstico precoce, que possibilita tratamento mais eficaz e melhora na qualidade de vida dos pacientes afetados, foram formuladas várias propostas terapêuticas e diagnósticos. O presente trabalho tem como objetivo abordar os principais métodos diagnósticos para o mieloma múltiplo (MM) e analisar os tratamentos mais indicados para essa neoplasia.

 

METODOLOGIA

Foi realizado levantamento bibliográfico nas bases de dados Index Medicus (Medline), Scientific Electronic Library On-line (SciElo), da Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), utilizando-se as seguintes palavras-chave: mieloma múltiplo, multiple myeloma, diagnóstico, diagnosis, tratamento, treatment. A pesquisa foi limitada a artigos em inglês e português, publicados a partir do ano 2000. Dos 104 artigos identificados, foram selecionados sete com base nos seguintes parâmetros pré-definidos: título do artigo, sua aplicação prática, o interesse despertado e a validade das suas conclusões. Foram selecionados outros artigos a partir dos artigos iniciais.

 

RESULTADOS

Diagnóstico

Na prática clínica, quando no mínimo dois dos três critérios a seguir estão presentes, pode ser realizado o diagnóstico de MM: lesões ósseas; presença sérica ou urinária de imunoglobulina monoclonal (proteína M); excesso de plasmócitos na medula (geralmente acima de 10%).6

Os sintomas apresentados pelos pacientes incluem: dor óssea, fraturas ou infecções ósseas, hipercalcemia (devido à destruição óssea), insuficiência renal causada pela precipitação de cadeias monoclonais nos túbulos coletores, síndrome da hiperviscosidade sangüínea e anemia. Entretanto, alguns pacientes podem ser assintomáticos e a doença é descoberta por acaso, quando exames laboratoriais revelam anemia e hiperproteinemia.2

O diagnóstico por imagem pode ser realizado por meio de radiografias, tomografia computadorizada e ressonância magnética. Geralmente, as radiografias são o exame de imagem inicial no estudo do MM, positivas em aproximadamente 75% dos pacientes. Os achados descritos são o plasmocitoma (lesão solitária, atingindo principalmente coluna, pelve, crânio e costelas), mielomatose (envolvimento difuso do esqueleto, manifestandose como lesões geralmente elípticas de tamanho uniforme, que podem agrupar-se e formar grandes áreas de destruição, osteopenia difusa e lesões esclerosantes. Na tomografia é possível visualizar lesões osteolíticas perfurantes, lesões expansivas com massas em tecido mole, osteopenia difusa, fraturas e esclerose óssea. A ressonância magnética permite visualizar diretamente o tumor na medula óssea, o que possibilita determinar precisamente a extensão da doença, bem como acompanhar a evolução do tratamento.2

Tratamento

O tratamento do mieloma múltiplo deve ser iniciado imediatamente em pacientes sintomáticos que demonstrem lesões orgânicas (anemia, hipercalemia, lesões ósseas, lesão renal, hiperviscosidade, amiloidose e infecções bacterianas recorrentes). Já nos pacientes assintomáticos, não se verificou melhora adicional quando a quimioterapia foi iniciada diante do diagnóstico.7

O transplante autogênico de células-tronco periféricas é geralmente indicado para pacientes com menos de 65 anos e naqueles resistentes à quimioterapia. Células periféricas são preferíveis às medulares porque apresentam menos risco de contaminação por células neoplásicas, além de se estabelecerem com mais rapidez na medula.8 A terapia primária (pré-transplante) é um procedimento no qual é feita a administração de um agente alquilante (melfalan é o padrão), que vai tentar eliminar as células neoplásicas. Esse procedimento possui índice de remissão completa de até 40%. Conjuntamente, podem ser utilizados múltiplos quimioterápicos, além da irradiação total do corpo. A terapia prétransplante deve evitar agentes que produzam mielossupressão completa, para que a coleta de células periféricas seja possível. Alguns regimes de indução pré-transplante levam à remissão completa (ausência de proteína M e contagem de plasmócitos inferior a 5% na medula) em até 10% dos pacientes.9 A taxa de mortalidade devido a esse tratamento é de 1-2%.8

O transplante heterogênico pode curar uma pequena fração dos pacientes e, apesar de apresentar índice de sobrevida global de até cinco anos, é limitado pelo pouco número de doadores compatíveis. Não é recomendado para pacientes com idade avançada devido ao alto risco de morbidade e mortalidade, pois muitos não apresentam boas condições pulmonares, cardíacas e/ou renais.8 O transplante em que o doador é irmão do paciente mostrou-se o mais indicado, com até 15 anos de sobrevida.6 A taxa de mortalidade devido ao tratamento é de aproximadamente 25%.8

Quando se considera a quimioterapia isolada para tratamento do MM, em pacientes não-candidatos a transplante, o agente mais utilizado é o melfalan associado à prednisona, com algum nível de resposta em até 60% dos enfermos,8 geralmente como tratamento paliativo. A quimioterapia é o tratamento de eleição para mieloma franco, para mieloma múltiplo sintomático nos pacientes com mais de 70 anos ou nos pacientes mais jovens para quem o tratamento não é possível. Como a evolução do mieloma é progredir, o alivio da dor e estabilização da doença em geral indicam algum beneficio terapêutico.8

A abordagem do MM refratário ou recidivante tem como objetivos controlar a progressão da doença, mantendo a qualidade de vida do paciente pelo maior tempo possível.9 As taxas mais elevadas de resposta em pacientes refratários ou resistentes ao tratamento com alquilantes têm sido obtidas com a associação de vincristina, doxorrubicina e dexametasona (esquema VAD); o uso de talidomida também está sendo testado.8 Pacientes que já se beneficiaram de um ou até mesmo dois transplantes autogênicos podem fazer um terceiro, bem como pacientes idosos com pelo menos um ano de remissão podem novamente utilizar a combinação de melfalan e prednisona.9

O tratamento suportivo aos pacientes com MM faz-se a partir do uso de bisfosfonatos, que inibem a reabsorção óssea mediada por osteoclatos, reduzindo a dor óssea, a hipercalcemia e a incidência de fraturas, além de aparentemente apresentarem efeito antitumoral direto. A administração de eritropoetina pode ser realizada para tratamento da anemia, bem como para controle da insuficiência renal. Vertebroplastia e cifoplastia são indicadas para tratamento das deformidades ósseas vertebrais, que podem causar fraturas por compressão e são extremamente dolorosas.6 Também pode ser efetuada vacinação contra pneumococos e influenza, principalmente nos pacientes submetidos a tratamento mielossupressores.8 A plasmaférese é indicada nos casos de hiperviscosidade sintomática; além, é claro, de apoio psicológico ao paciente e seus familiares.

O tratamento do MM está em constante expansão, com novos agentes sendo avaliados. O avanço dos estudos citoimunogenéticos da doença possibilitarão um conhecimento ainda maior da fisiopatologia do MM, permitindo que novas drogas sejam desenvolvidas e novas intervenções utilizadas e que até mesmo a cura dessa neoplasia seja alcançada. Alguns exemplos de pesquisas mais atuais são o uso de trióxido arsênico, um indutor de apoptose nas células tumorais resistentes6; inibidores da farnesil transferase (IFT), enzima responsável pela transferência do grupo farnesil do difosfato de farnesil para as proteínas Ras, que agem como sinalizadores oncogênicos da membrana para o núcleo celular; e imunoterapia com vacinas antimieloma.8

 

CONCLUSÃO

Por ser responsável por 1% de todas as mortes por câncer e capaz de levar ao comprometimento de órgãos vitais, o mieloma múltiplo deve ser diagnosticado e tratado o mais rapidamente possível. Essa circunstância determina a taxa de sobrevida dos pacientes, que pode variar de alguns meses a vários anos. O tratamento mais eficaz é o transplante autogênico, cujas células do próprio paciente são usadas. Está bem indicada em pacientes com idade inferior a 65 anos. Essa modalidade terapêutica apresenta mortalidade baixa e por isso deve ser preferida. O transplante heterogênico apresenta algumas limitações, por isso não é utilizado rotineiramente. A quimioterapia isolada só é realizada em pacientes não candidatos a transplantes. Medidas suportivas podem ser adotadas, demonstrando melhora significativa da qualidade de vida do paciente.

 

REFERÊNCIAS

1. Bacal NS, Faulhaber MHW, Brito ACM, Mendes CEA, Nozawa ST, Kanayama RH et al. Mieloma Múltiplo: 50 casos diagnosticados por citometria de fluxo. Rev Bras Hematol Hemoter. 2005;27(1):31-6.

2. Angtuaco EJC, Fassas ABT, Walker R, Sethi R, Barlogie B. Multiple myeloma: clinical review and diagnostic imaging. Radiology. 2004;231:11-23.

3. Áster JC. Doença de leucócitos, linfonodo, baço e timo. In Kumar V, Abbas Ak, Fausto N. Robbins e Cotran. Patologia - Bases patológicas das doenças. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elservier; 2005. p. 695-746.

4. Greipp PR, Miguel JS, Durie BGM, Crowley JJ, Barlogie B, Bladé J et al. International Staging System for Multiple Myeloma. J Clin Oncol. 2005;23(15):3412-20.

5. Harousseau JL, Shaughnessy J Jr, Richardson P. Multiple Myeloma. Hematology. 2004;1:237-56.

6. Hughes M, Soutar LR. Advances in the management of myeloma. Scott Med J. 2005;50(2):47-50.

7. Barosi G, Boccadoro M, Cavo M, Corradini P, Marchetti M, Massaia M, Merlini G, Tosi P, Tura S. Management of multiple myeloma and related-disorders:guidelines from the Italian Society of Hematology (SIE),Italian Society of Experimental Hematology (SIES) and Italian Group for Bone Marrow Transplantation (GITMO). Haematologica. 2004;89:717-41.

8. Anderson KC, Kyle RA, Dalton WS, Landowski T, Shain K, Jove R et al. Multiple Myeloma: new insights and therapeutic approaches. Hematology Am Soc Hematol Educ Program. 2000:147-65.

9. Reece DE. An update of the management of multiple myeloma: The Changing Landscape. Hematology Am Soc Hematol Educ Program. 2005;353-9.