ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Perfil dos pacientes diabéticos do tipo 2, insulino-necessitantes, receptores de kits para monitoração glicêmica e tratamento, vinculados a um Centro de Saúde de Belo Horizonte
Profile of type 2 insulin-needed diabetic patients, receptor of kits for glycemic monitoring and treatment, related to a Health Center in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Bruna Calado Pena1; Tatiana Vaz Horta Xavier1; Maria Gabriela Gomes Pimentel1; Márcia da Conceiçao Campos2; Ana Maria Chagas Sette Câmara3; Leonardo Maurício Diniz4
1. Acadêmicas do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG e ex-monitoras bolsistas do Projeto de Educaçao para Saúde (PET-SAUDE) do Centro de Saúde Milionários. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Enfermeira. Preceptora do PET-SAUDE do Centro de Saúde Milionários. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Professora da Faculdade de Fisioterapia da UFMG e tutora do PET-SAUDE do Centro de Saúde Milionários. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG e membro do Serviço de Endocrinologia do HC, UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Bruna Calado Pena
Rua Morungaba, 14 Bairro Marilândia
CEP: 30692-700 Belo Horizonte, MG, Brasil
E-mail: brunacaladopena@gmail.com
Recebido em: 16/03/2012
Aprovado em: 24/10/2012
Instituiçao: Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: a prevalência crescente e as graves complicações do diabetes mellitus 2 têm demandado investimentos públicos objetivando melhorar o controle dos pacientes. A distribuição de um kit auxiliar para tratamento pelo Centro de Saúde Milionários da Prefeitura de Belo Horizonte é parte desse esforço de otimização do controle.
OBJETIVO: investigar o impacto da distribuição do kit à clientela diabética.
MÉTODOS: aplicação de questionário estruturado e observação do manejo do glicosímetro.
RESULTADOS: foram analisados 105 pacientes com a mediana de idade de 61 anos; 64,5% mulheres; 49 anos o tempo de diagnóstico; três anos o tempo de insulinização; 75% trabalhavam exclusivamente em casa; 59% utilizaram adequadamente o glidecosímetro, 56% diariamente; 96% reconheceram benefícios advindos do seu uso; 76% eram sedentários; 58% dos orientados sobre alimentação (92,4% do total) fizeram modificações em sua dieta; 70% não tinham atividades de lazer; 46,2% se declararam satisfeitos com sua saúde; e 51% a avaliaram como regular.
DISCUSSÃO: a apropriação do glicosímetro e seu uso adequado pela maioria dos pacientes proporcionaram-lhes mais autonomia, mas não resultaram em mais adesão ao tratamento.
CONCLUSÃO: a provisão de insumos necessários aos pacientes diabéticos contribui para o melhor manejo do diabetes, mas não dispensa a educação continuada para o autocuidado.
Palavras-chave: Diabetes Mellitus; Diabetes Mellitus/terapia; Indice Glicêmico; Autocuidado.
INTRODUÇÃO
O Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde (PET-SAUDE) foi criado em 2008 por meio de uma parceria entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, com o objetivo de integração ensino-serviço-comunidade. O PET-SAUDE é estruturado em grupos tutoriais compostos de acadêmicos de cursos da área da saúde, profissionais em serviço nas unidades básicas de saúde (UBS) e um tutor, professor universitário responsável pelo direcionamento do grupo.1 Este estudo ocorreu no contexto do PET-SAUDE, viabilizado pela parceria entre a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA-BH), por integrantes do grupo tutorial estabelecido no Centro de Saúde Milionários (CS MILIONARIOS) no ano de 2009.
O CS Milionários é vinculado à Administração Regional do Barreiro de Belo Horizonte. Essa UBS oferece os seguintes serviços à população de sua área de abrangência: administrativo/ recepção, "posso ajudar?", agendamento e arquivo, farmácia, vacinação, curativos, coleta de material para exame laboratorial, cinco Equipes de Saúde da Família (ESF) que oferecem à população atendimento médico do dia e programado e da equipe de enfermagem. Conta ainda com profissionais de apoio às ESFs: ginecologista, pediatra, assistente social, odontologista, psicólogo e Equipe de Controle de Zoonoses. A unidade é assistida também por uma equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), que oferece serviços de assistência social, farmacêutica, fonoaudiológica, fisioterápica, nutricional, psicológica e terapêutica ocupacional. Quando da elaboração deste estudo, em 2009, o CS Milionários havia recebido da SMSA-BH 131 kits, cada um deles constituído de 50 seringas agulhadas para aplicação de insulina, 100 fitas reagentes, 100 lancetas e glicosímetro, para distribuição aos pacientes diabéticos do tipo 2 cadastrados nessa unidade, com previsão de reabastecimento dos insumos a cada 90 dias. A disponibilização desses insumos para os pacientes realizarem sua monitoração glicêmica foi viabilizada por pacto tripartite, de 27 de setembro de 2007, e definido pela Portaria nº 2.583, de 10 de outubro de 2007, em obediência à Lei n° 11.347, de 27 de setembro de 2006.2 Ao longo de 2009 e 2010, mais kits foram requisitados pela unidade para serem fornecidos aos pacientes que não os haviam recebido quando da primeira distribuição.
O diabetes mellitus (DM) tipo 2, alvo deste estudo, é doença que evolui com distúrbios metabólicos caracterizados por graus variáveis de resistência à insulina, secreção insuficiente de insulina, produção hepática excessiva de glicose e metabolismo anormal de gorduras. As complicações crônicas do DM estao intimamente relacionadas à duração da hiperglicemia, comprometem órgaos e sistemas e são responsáveis pela maior morbidade e mortalidade associadas à doença. As principais complicações crônicas do DM são vasculares e neurais. As microvasculares resultam na retinopatia e na nefropatia; as macrovasculares, nas insuficiências coronariana, circulatória cerebral e arterial periférica. As neurais resultam nas neuropatias sensorial, motora e autonômica, esta com disfunções gastrintestinais e geniturinárias. As complicações do DM e de suas implicações na esfera humana, social e econômica constituem preocupação permanente das instituições públicas provedoras de atenção à saúde em quase todos os países.3 Segundo dados do Ministério da Saúde de 2006, 4 milhoes de mortes/ano no mundo são decorrentes do diabetes.4 No Brasil, naquele mesmo ano, 45.049 óbitos foram atribuídos ao DM; em Minas Gerais, a taxa de mortalidade específica para o DM foi de 21,1 por 100.000 habitantes.5
A prevalência, a gravidade do DM e a necessidade de prover melhor cuidado aos pacientes diabéticos justificam este estudo. Ressaltam a importância do objeto da pesquisa: conhecer o nível e a qualidade do autocuidado para o qual os pacientes receptores dos kits por intermédio do CS Milionários estao capacitados; identificar as eventuais dificuldades de manejo do equipamento e a repercussão do programa de repasse de equipamentos e insumos na qualidade de vida e do controle metabólico das pessoas diabéticas incluídas no programa.
POPULAÇÃO E MÉTODOS
Este estudo transversal aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da SMSA-BH e da UFMG teve como objetivo conhecer o perfil das pessoas residentes na área de abrangência do CS Milionários que receberam o kit para diabéticos e avaliar o uso dos glicosímetros e a adoção de práticas saudáveis, como a adesão à dieta equilibrada e à prática de atividade física para o controle do DM. Na perspectiva de atingir esse objetivo, foram entrevistados 110 usuários portadores de diabetes mellitus que receberam o kit para diabéticos fornecidos pela SMSA-BH. Dos 110 questionários aplicados e respondidos, 105 foram analisados; cinco pacientes foram excluídos por serem diabéticos do tipo 1. Todos os 144 pacientes para os quais havia sido requisitado o kit foram contatados. Houve 19 perdas da amostra inicial, pois 10 pacientes haviam se mudado, quatro faleceram e cinco não tomavam insulina no período de aplicação dos questionários. Além disso, quatro pacientes não foram encontrados em pelo menos duas visitas domiciliares, mesmo com o agendamento prévio da entrevista, e oito pessoas cadastradas ainda aguardavam o recebimento do kit.
O convite para participação na pesquisa foi realizado pelo agente comunitário de saúde (ACS) durante suas visitas domiciliares rotineiras e/ou quando o usuário compareceu ao CS MILIONARIOS em busca de atendimento médico ou da equipe de enfermagem ou para receber os medicamentos disponibilizados na farmácia da unidade. Além da explicação verbal, o ACS entregava um convite impresso com as informações sobre a pesquisa e agendava o horário da entrevista para no máximo uma semana após o contato, momento em que o paciente manifestava sua aceitação ou recusa em participar do estudo. Nessas ocasioes, os pacientes receberam todas as informações sobre a pesquisa, descritas no Termo de Consentimento Livre Esclarecido. Para a demonstração do uso do glicosímetro, foi solicitado ao usuário que agendasse o horário da visita que melhor lhe aprouvesse e que deixasse para fazer a medida diária da glicemia capilar durante essa visita.
As entrevistadoras aplicaram os questionários na residência desses usuários em companhia de ACS da unidade. A entrevista era iniciada com o esclarecimento do usuário sobre o projeto de pesquisa e a assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e baseou-se na aplicação de um questionário estruturado, composto de 55 perguntas, que abordaram as seguintes questoes: a) características sociodemográficas, como idade, sexo, renda familiar mensal; b) histórico do DM e utilização do kit, como frequência do uso do glicosímetro e ocorrência de dúvidas no seu manuseio; c) investigação do estilo de vida adotado, como dieta e prática de exercícios físicos; d) lazer e motivação dos usuários. Além de responder às perguntas do questionário, os pacientes foram observados durante a dosagem da glicemia capilar, para que a entrevistadora avaliasse possíveis dificuldades na execução desse procedimento. As respostas às perguntas formuladas foram registradas pelas entrevistadoras e digitadas em banco de dados do programa SPSS e a análise dos dados obtidos foi realizada por meio desse programa. Para a comparação entre proporções foi empregado o teste do qui-quadrado e, quando necessário, o teste exato de Fisher; para a comparação entre médias, o teste t de Student. Para a associação entre duas variáveis contínuas foi calculado o coeficiente de correlação. Foi considerado o valor de 5% (p<0,05) como limiar de significância estatística.
RESULTADOS
No período de aplicação dos questionários, de setembro de 2010 a janeiro de 2011, 144 pacientes portadores de diabetes mellitus residentes na área de abrangência do CS Milionários haviam recebido o kit ou o aguardavam. Foram entrevistadas 110 pessoas desse grupo e 105 questionários foram analisados, o que constitui 72,9% da amostra inicial.
A apresentação dos resultados será realizada de acordo com as categorias de perguntas que compoem o questionário aplicado aos entrevistados.
Identificação e caracterização do perfil socioeconômico dos entrevistados
Dos 105 pacientes portadores de DM2 entrevistados, 35,2% eram masculinos; com mediana de 61 anos de idade e intervalo de 36 a 84 anos e desvio-padrao de 10,7 anos, identificada pela data de nascimento registrada em 97% por seu documento de identidade.
Observou-se que 50, 23,2, 18,3 e 3,6% dos entrevistados eram aposentados, estavam trabalhando, não trabalhavam e estavam desempregados, respectivamente (Tabela 1). Houve mais frequência de mulheres aposentadas em relação aos homens, com significância estatística (p=0,04).
A fonte de renda da população estudada distribuiu-se em 14,5 19,1; e 61,8% - não tinham qualquer fonte de renda; tinham remuneração pelo seu trabalho; tinham aposentadoria, pensão ou outro benefício do INSS e/ou aluguel de imóveis, respectivamente (Tabela 2).
O gênero masculino teve média de renda familiar mensal superior ao feminino, sem significância estatística, porém com valor de p próximo do limiar de significância (0,06).
O número médio de moradores por domicílio foi de 3,0.
Identificação do histórico de diabetes
Dos 105 pacientes entrevistados, a mediana da idade de diagnóstico do DM2 foi de 49 anos. O tempo decorrido entre o diagnóstico de diabetes e a aplicação do questionário apresentou média de 14,4 (±8,9) e mediana de 14 anos. O tempo de início do tratamento insulínico teve mediana de três anos. O tempo médio de diferença do tempo entre o diagnóstico de diabetes e o de uso de insulina foi de 7,6 (±7,4) anos.
Verificou-se que 83,8; 47,6; 21,9; 18,1; 8,6; 12,4; e 15% dos entrevistados relataram diagnósticos prévios de hipertensão arterial; retinopatia; "pé diabético"; infarto do miocárdio; acidente vascular encefálico; insuficiência renal e outras complicações da doença ou do tratamento, como hipoglicemias e impotência sexual, e associação com dislipidemia, respectivamente.
Para os 103 entrevistados que souberam informar o número de vezes em que consultaram no último ano, a mediana foi de cinco. Em relação às internações e ao atendimento em unidades de urgência, essa mesma população apresentou mediana zero. Não houve associação estatisticamente significativa entre o tempo de uso de insulina e o número de internações.
Avaliação da frequência de uso de glicosímetro
Foram dosadas 94 glicemias capilares, com mediana de 200 mg/dL. A avaliação do uso do glicosímetro revelou que 59% dos entrevistados o utilizavam adequadamente, 32% não o sabiam manusear e 9% apresentavam dificuldades para puncionar o dedo.
Os motivos alegados pelos pacientes - 43,5% dos entrevistados - para a não realização de monitoração diária da glicemia capilar foram: dificuldade para puncionar o dedo - 26%; falta de orientação médica - 19%; consideração de que a medida diária era desnecessária - 12%; alegação de falta de tempo - 12%; realização de dosagem exclusivamente na vigência de sintomas compatíveis com descompensação da doença - 10%. As causas menos citadas foram: problemas técnicos relativos ao glicosímetro, preocupação com possível resultado desfavorável e temor do desabastecimento regular dos insumos necessários para realizar a dosagem.
Dificuldades para utilizar o glicosímetro foram relatadas por 44,8% dos entrevistados: 50% deles enfatizaram dependência de terceiros para a realização da medida, 20% informaram não saber usar o glicosímetro, 19% relataram que a medição era incômoda/dolorosa e 11% alegaram outros motivos. Não houve associação com significância estatística entre o paciente ser portador de problemas de retina e a dificuldade para uso do glicosímetro (p>0,05).
A avaliação dos pacientes quanto ao impacto do uso do glicosímetro em seu tratamento foi de benefícios em 96%; de malefícios em 2,9%, representados pela dor da punção do dedo, ansiedade e medo em relação ao resultado da dosagem; e 1,1% não se manifestou quanto à sua satisfação ou à insatisfação em relação ao uso do aparelho. Entre os benefícios do uso do glicosímetro, os mais citados foram em: 31,7; 16,8; 13,9; e 6% da possibilidade de realizar a monitoração glicêmica na vigência de sensação de mal-estar e melhor adequação ao tratamento proposto; melhor conhecimento da condição de saúde; mais autonomia e mais possibilidade de detecção de hiper ou hipoglicemia; e a possibilidade de realizar a monitoração glicêmica diante da sensação de mal-estar, respectivamente.
Não houve relação estatística significativa entre a renda mensal e a frequência do uso do glicosímetro (p > 0,05).
Verificação da adoção de comportamentos saudáveis para o controle do diabetes
Observou-se que 54,3% dos entrevistados não eram tabagistas e 45,7% eram tabagistas ativos ou ex-tabagistas; 70,5% eram ou estavam sedentários; e 28,6% eram ativos, sendo a caminhada a atividade mais frequente neste grupo (63,3%), realizada, em média, 3,8 vezes por semana. O meio de transporte usado era, entre 63,1; 30,1; 2; 1; e 4% dos entrevistados: ônibus; automóvel; bicicleta; motocicleta e outro meio de transporte, respectivamente. Em 92,4% dos pacientes estudados houve orientação de profissional de saúde quanto à alimentação; destes, 58% modificaram seu padrao alimentar e perceberam benefícios, como aumento da disposição e redução do peso; 30,4% declararam não seguir corretamente a orientação recebida e 10,8% nunca seguiram a orientação profissional.6-8 A dificuldade para a adoção das orientações alimentares disponibilizadas pelos profissionais de saúde foi descrita por 82% dos entrevistados, sendo as principais: alimentar-se em intervalo regular (17%), restrição da ingestao de açúcar (34%), restrição ao consumo de outros carboidratos e lipídeos (29%); dificuldades financeiras para adesão à prescrição, dificuldade para consumo regular de frutas e verduras (6%); dificuldade de mudança de qualquer hábito alimentar e ausência de adesão a quaisquer das orientações recebidas (10%); ausência de orientação nutricional (10,5%); e sem dificuldade para seguir as orientações (18%).
Investigação de lazer e motivação
Observou-se que 70,5% dos entrevistados não exerciam atividade de lazer. Entre os 28,6% que declararam exercê-la, em 24,8% era infrequente, em média, menos de uma vez por mês.
Constatou-se, também, que 19,2% dos entrevistados declararam nunca experimentar sentimentos de depressão, ansiedade, desespero e mau humor; 34,6% manifestaram vivenciar pelo menos um desses sentimentos ao longo do ano; e 46,2% afirmaram serem tomados por esses sentimentos frequentemente.
Perguntados sobre receberem apoio de terceiros, por parte de membros da família, amigos e serviços de saúde, tanto no que se refere à sua saúde física quanto mental, 16,3% citaram não recebê-lo, 27,9% disseram receber apoio parcial e 55,8% ressaltaram receber suporte adequado.
Em relação à satisfação com a sua saúde, 46,2% se definiram satisfeitos, 37,5%, insatisfeitos e 16,3% indiferentes. Não houve relação estatisticamente significativa entre a satisfação com a saúde e a frequência de uso do glicosímetro (p>0,05).
Na avaliação individual do estado de saúde atual, 28,8% destacaram boa saúde, 51% saúde regular e 20,2% saúde ruim. Não houve associação estatisticamente significativa entre a avaliação da saúde e a frequência de uso do glicosímetro (p>0,05).
DISCUSSÃO
O grupo de pacientes receptores dos kits para monitoração glicêmica pelo CS Milionários era predominantemente constituído por mulheres. Sabe-se, entretanto, que a prevalência da doença é semelhante em ambos os gêneros para todas as faixas etárias, exceto nos maiores de 60 anos, quando a prevalência do DM2 na população masculina é ligeiramente superior à feminina.3 A menor proporção de homens na amostra deste estudo pode ser decorrente da reduzida procura masculina pelos serviços de atenção primária à saúde.9 Uma das possíveis explicações para isso está na construção do ideal de masculinidade, que se alicerça na invulnerabilidade, força e virilidade, conflitante com os sentimentos possivelmente encontrados nos indivíduos que procuram os serviços de saúde, como a fraqueza, o medo, a ansiedade e a insegurança. Associa-se ainda a esses elementos a acentuada dificuldade de os homens verbalizarem o que sentem e identificarem o ambiente de atenção à saúde primária como pertencente ao universo feminino.10
No tocante à idade de diagnóstico dos pacientes entrevistados neste estudo, é necessário ressaltar que enquanto o diabetes mellitus tipo 1 (DM1) tem início frequentemente antes dos 30 anos de idade, o DM2 é mais comumente diagnosticado a partir dos 40 anos, com forte associação ao sedentarismo e à obesidade. Essa tendência geral de acometimento por faixas etárias não configura regra fixa, uma vez que se estima a ocorrência de DM1 em cerca de 5 a 10% dos casos diagnosticados a partir dos 30 anos de idade3. Somam-se a estes os pacientes acometidos de diabetes autoimune tardio do adulto (DATA)11, condição que pode ser considerada forma diferente de apresentação do DM1. Além disso, com a modificação - para pior - dos hábitos alimentares que tem ocorrido na sociedade moderna, é cada vez mais comum o diagnóstico de DM2 em jovens. Durante a entrevista realizada neste estudo, foi perguntado a todos os pacientes qual o tipo do seu diabetes e foram analisados exclusivamente os dados dos que se declararam do tipo 2. Entretanto, como há uma forma de diabetes de início no adulto jovem (MODY), que se caracteriza por não ser intrinsecamente dependente de insulina e que acomete normalmente pessoas antes dos 25 anos,12 é possível que alguns entrevistados que se declararam portadores de DM2 fossem acometidos de outra forma de diabetes, como o MODY. Ademais, como a mediana da idade de diagnóstico foi de 49 anos, faixa etária mais frequentemente relacionada ao DM2, é de se esperar que a maioria das pessoas participantes desta pesquisa sejam de fato diabéticas tipo 2.
O objetivo da solicitação de que o entrevistado ou seu cuidador realizasse a aferição da glicemia capilar com o material recebido no kit na presença da entrevistadora foi verificar a habilidade para o manejo do instrumento recebido. Quando foram detectadas quaisquer dificuldades, a entrevistadora orientava o paciente quanto ao uso adequado do equipamento. Essa atitude, no entendimento dos autores, acrescentou atividade educativa em saúde à aplicação do questionário. A avaliação de medida pontual da glicemia capilar dos entrevistados não permite a realização de análise aprofundada do tratamento e da sua condição de saúde.
Estudos revelaram que o glicosímetro é instrumento efetivo para o controle glicêmico, útil para monitoração e prevenção de intercorrências do diabetes, como hipo e hiperglicemia assintomáticas, especialmente em pacientes sob insulinoterapia.13 Para atingir esses objetivos, é fundamental que os pacientes estejam aptos a usar adequadamente o glicosímetro e recebam orientações para a interpretação dos seus valores. A frequência de uso do aparelho deve ser também orientada pelas necessidades pessoais e metas estabelecidas para o tratamento de cada paciente.
Certas atitudes no dia-a-dia são imprescindíveis para a promoção da saúde. Alguns hábitos, como o tabagismo, a alimentação balanceada, a prática de exercícios físicos e o meio de transporte utilizado, influenciam inequivocamente o estado de saúde dos indivíduos. A baixa adesão às orientações promotoras da saúde constitui dos maiores desafios à prática dos profissionais de saúde.14 As orientações nutricionais fornecidas por profissionais da saúde percebidas pelos entrevistados como proibitivas e marcadas pela expressão "não pode" são percebidas como fator negativo para a adesão. A dificuldade para os pacientes estabelecerem acordo alimentar com os familiares torna necessária a preparação de seus alimentos de forma separada dos demais moradores da casa e cria barreiras para a adoção das orientações nutricionais.15 O conhecimento dessas dificuldades estabelece o desafio para os serviços de saúde de desenvolver estratégias de educação que se estendam aos familiares dos pacientes, com o propósito de melhorar sua adesão ao tratamento proposto.
Segundo a OMS, a saúde "é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças". Assim, para melhor avaliar o estado de saúde da população em estudo, investigaram-se a motivação e a adesão dos entrevistados às atividades de lazer, por meio da aplicação de um segmento do questionário "WHOQOL", do Programa de Saúde Mental da OMS. Foram analisadas a natureza e frequência das atividades de lazer da população estudada.
Existe mais probabilidade de morrer quando a consideração é de que a própria saúde é ruim.15 São determinantes sociodemográficos para pior autopercepção de saúde nos brasileiros acima de 18 anos: pertencer ao gênero feminino, ser idoso, estar acometido de doenças crônicas ou história familiar positiva para doenças graves e baixo poder aquisitivo.16 O aumento da mortalidade em portadores de DM2 é também observado quando está associada à depressão e acentuada incapacidade para as atividades de vida diária. A presença de duas ou mais complicações do DM se associa significativamente à depressão, especialmente às complicações microvasculares e, em especial, à neuropatia e à nefropatia diabéticas.17 Neste estudo observou-se que a realização de uma atividade de lazer pelos diabéticos esteve menos relacionada à manifestação de sintomas associados à depressão.
CONCLUSÕES
A entrega de kits e o esclarecimento sobre seu uso para o controle adequado do diabetes para pacientes com DM2 em palestra educativa em grupo constituíram oportunidade valiosa para a troca de experiências entre os participantes, reflexão sobre as posturas adotadas pelos diabéticos em relação ao tratamento realizado e serviu como incentivo para a utilização desse material, constituindo-se em boa atividade de educação em saúde. Além disso, o convite para participar dessa atividade e, posteriormente, receber entrevistadoras em suas residências reforçou o vínculo do diabético com a unidade de saúde, sendo descrita por muitos como atividade prazerosa e indicativa do cuidado dos profissionais de saúde em relação à população atendida. Assim, estudos destinados a avaliar a efetividade das ações dos serviços de atenção primária à saúde são enriquecedores para os profissionais em serviço, para os quais direcionam melhores formas de intervenção, e também para os pacientes, que se sentem valorizados e têm a oportunidade de expor suas dificuldades e anseios, além de estimularem a reflexão quanto às suas práticas de autocuidado.
O fato de a maioria dos pacientes realizar a monitoração glicêmica capilar diariamente revela boa adesão às orientações da equipe de saúde. Entretanto, são necessárias ações contínuas de estímulo ao uso consequente do material disponibilizado, tanto para manter a adesão ao tratamento proposto, quanto para sensibilizar os pacientes ainda não adeptos.
Por meio deste estudo observou-se que a frequência de uso do glicosímetro não está relacionada à renda mensal, à situação laboral, a complicações e comorbidades do DM2, à autoavaliação da saúde nem à satisfação em relação à saúde dos entrevistados. Constatou-se, também, que a maioria dos entrevistados não encontrou dificuldades para manusear o glicosímetro. Ressalta-se a necessidade de sensibilizar os pacientes portadores do DM2 para o seu autocuidado, visando melhorar o controle glicêmico, tanto a partir de melhor adesão ao tratamento proposto, incluindo as intervenções medicamentosas e de mudanças de estilo de vida, quanto da apropriação dos recursos disponibilizados, que podem incluir o uso regular do glicosímetro. Para atingir o objetivo de melhor controle, são medidas eficazes a educação em saúde de forma continuada dos portadores de DM2 e dos seus familiares e a estrita proximidade deles às UBS.
AGRADECIMENTOS
Aos funcionários do CS Milionários e à gerente em exercício no período de realização desse estudo, Maria Cristina Marangoni. Aos professores Eugênio Marcos Andrade Goulart e Sandy Barreto, da Faculdade de Medicina da UFMG, pelas valiosas sugestoes.
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