RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 18. 1

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Artigos de Revisão

Ergometria: conceitos para o clínico

Exercise stress testing: the clinical concept

Paulo Ewerton de Freitas

Médico, especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e Conselho Federal de Medicina. Especialista em Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica e Conselho Federal de Medicina. Médico da Universidade Federal de Minas Gerais Setor de Emergências Médicas

Endereço para correspondência

Rua Domingos Vieira, 343, sala 1105 Bairro Santa Efigênia
CEP 30150-240 - Belo Horizonte - MG

Resumo

Esta revisão busca apresentar ao médico geral de forma prática e simplificada a contribuição do Teste ergométrico para a aferição da capacidade funcional cardíaca e sua consequente aplicação na prática clínica.

Palavras-chave: Ergometria; Teste de Esforço; Cardiopatias/diagnóstico; Eletrocardiografia/utilização.

 

HISTORICO

A eletrocardiografia de esforço foi usada inicialmente como método propedêutico a partir da descoberta de que o segmento ST podia ser deprimido pelo exercício físico. Bousfield, em 1918, registrou as primeiras alterações da repolarização ventricular que ocorriam durante crises espontâneas de angina de peito. Master e Oppenheimer, em 1929, pela primeira vez realizaram o teste ergométrico utilizando uma escada de dois degraus como método padronizado para avaliação da "capacidade cardíaca". Descreveram um protocolo pela análise da freqüência cardíaca e da pressão arterial, sem valor relacionado com as alterações eletrocardiográficas.

As bases da moderna eletrocardiografia de esforço foram estabelecidas nos anos 50. Wood enfatizou que a eficiência do exame estava relacionada com a capacidade pessoal máxima, determinada pela provocação de freqüências cardíacas acima de 90% do previsto para cada pessoa. Seu protocolo consistiu na subida de 84 degraus de escada próximo do hospital em que trabalhava, com o registro imediato do eletrocardiograma. Astrand e Rhyming estabeleceram, em 1954, as bases fisiológicas do método ergométrico, por intermédio da correlação entre o consumo de oxigênio (capacidade aeróbica), com a freqüência cardíaca em níveis submáximos obtida em exercício. Bruce introduziu, em 1956, o uso da esteira rolante para o exercício programado no teste ergométrico e criou um protocolo próprio.

O teste ergométrico foi introduzido no Brasil em 1972 pelos professores Josef Feher e Hélio Magalhaes. Desde entao, sua evolução foi extraordinária como importante método de diagnóstico, passando a ser usado na rotina de diversos serviços em todo o país para o estudo das condições miocárdicas decorrentes da perfusão coronária. Marcondes et al., em 1978, publicaram o primeiro livro texto sobre ergometria no Brasil, o que foi logo seguido por vários compêndios, que contribuíram significativamente para a divulgação do método entre os cardiologistas brasileiros. O Consenso Nacional de Ergometria foi estabelecido em 1994, na cidade de Florianópolis, tendo sido publicado em agosto de 1995 nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia. Em novembro de 2000, foi realizada, em Recife, a primeira revisão e atualização deste consenso, o que deu origem à II Diretriz do DERC/SBC (2001).

 

INDICAÇÕES E CONTRA-INDICAÇÕES DO TESTE ERGOMÉTRICO (TE)

O TE objetiva submeter o paciente a estresse físico programado e personalizado, isto é, ao esforço e suas conseqüências clínicas, hemodinâmicas, eletrocardiográficas e metabólicas. Esta aferição permite: detectar isquemia miocárdica, arritmias cardíacas e distúrbios hemodinâmicos esforço-induzidos; avaliar a capacidade funcional; diagnosticar e prognosticar as doenças cardiovasculares; prescrever exercícios; avaliar objetivamente os resultados de intervenções terapêuticas; determinar as reais condições físicas do paciente e os seus riscos cardiocirculatórios, o que permite subsidiar informações para a análise pericial médica.

Indicações gerais

O TE possui grande utilidade, especialmente no estabelecimento do diagnóstico e orientação das condutas a serem adotadas, na prevenção primária e secundária da doença arterial coronária (DAC) obstrutiva.

Indicações da TE em grupos especiais

O TE é de importância como método diagnóstico e prognóstico, em especial quanto à avaliação da probabilidade pré-teste (prevalência) e da análise do valor preditivo dos resultados, contribuindo para a otimização da abordagem de diferentes pacientes coronariopatas.

Na DAC: o TE possui indicação especial na avaliação de pacientes que apresentam dor torácica típica; pós-infarto agudo do miocárdio em evolução precoce e tardia não complicada; DAC crônica com modificações no quadro clínico ou eletrocardiográfico, desde que estejam estáveis.

Na avaliação pré-ATC: é exame útil na avaliação pré-cirurgica de revascularização miocárdica; no acompanhamento evolutivo de pacientes com DAC em programas de reabilitação cardiovascular; na determinação de risco em indivíduos assintomáticos com mais de dois fatores de risco para a DAC; no controle de terapêutica farmacológica; na estratificação de risco de dor torácica na sala de emergência, com protocolos específicos.

Na avaliação após-ATC: é também exame de especial importância na avaliação após cirurgia de revascularização miocárdica; na determinação prognóstica e evolutiva anual de DAC, de acordo com a condição-clínica; na investigação de alterações eletrocardiográficas de repouso em que são observadas modificações da repolarização ventricular; na complementação de outros métodos que tenham evidenciado suspeita de DAC; na avaliação de risco em cirurgia não-cardíaca em pacientes com fator de risco cardiovascular; na perícia médica, com o intuito de pesquisar DAC obstrutiva para fins trabalhistas ou de seguro.

Indicações da TE em indivíduos assintomáticos ou em atletas

O TE possui também indicação para a avaliação de várias circunstâncias que envolvam a necessidade de se conhecer a capacidade funcional cardíaca associada ao exercício físico, seja de atletas de competição; na análise seriada da capacidade funcional desses profissionais, em especial no entendimento da obtenção da capacidade máxima de esforço e como atingir o máximo possível; para ajustes de prescrição do exercício; em indivíduos com história familiar de DAC precoce ou de morte súbita; em candidatos a programas de exercício, homens e mulheres com mais de 40 e 50 anos, respectivamente; em indivíduos com ocupações especiais e que colocam em risco a vida de terceiros. Os objetivos principais do TE nessa população são: a avaliação funcional cardíaca; a motivação para a mudança de hábitos de vida; a programação de exercícios físicos; a complementação de avaliação clínica rotineira; e a identificação de indivíduos sob o risco de morte súbita na atividade desportiva. Em decorrência da baixa prevalência de DAC nesse grupo, verifica-se neles elevada incidência de resultados "falso-positivos". É pequeno o valor preditivo de incidência de eventos futuros, como angina, infarto agudo do miocárdio e morte, devendo, em casos selecionados, haver investigação complementar. Não está, portanto, recomendada a aplicação indiscriminada do TE como elemento de apoio ao diagnóstico nessa população.

Indicações de TE na hipertensão arterial sistêmica (HAS)

A HAS constitui um fator de risco para DAC, o que torna o TE elemento diagnóstico confirmatório em pacientes com sintomatologia sugestiva de isquemia miocárdica. Em pacientes hipertensos com alterações eletrocardiográficas de repouso compatíveis com sobrecarga ventricular esquerda, entretanto, o valor preditivo positivo do teste pode ser prejudicado devido à mais alta incidência de infradesnivelamento do segmento ST, mesmo na ausência de DAC obstrutiva. Essas alterações podem, entretanto, corresponder à isquemia coronariana secundária, à desproporção entre oferta e demanda de oxigênio no miocárdio sobrecarregado ou, ainda, representar teste "falso-positivo". Em pacientes com HAS e ARV secundária, pode ser desejável a complementação diagnóstica com métodos de imagem. O alto valor preditivo negativo nessa população, entretanto, torna o exame ideal para rastreamento inicial de DAC, já que o TE inicial negativo torna pouco provável a existência de coronariopatia. É necessário interromper a medicação que interfira na resposta coronariana (bloqueadores de canais de cálcio e nitratos) ou na obtenção da freqüência cardíaca máxima (beta-bloqueadores), quando o exame é indicado para diagnóstico de DAC. Não é necessária a interrupção de outras drogas, como os inibidores da enzima conversora de angiotensina, antagonistas dos receptores de angiotensina II ou diuréticos.

Existe controvérsia quanto ao papel do TE na avaliação da resposta pressórica ao esforço. A falta de critérios mais precisos dificulta a sua aplicabilidade. Além disso, nos últimos anos, a monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) tornou-se o principal método complementar para o diagnóstico e avaliação terapêutica da hipertensão arterial sistêmica. A observação da resposta pressórica ao esforço, contudo, pode identificar pacientes que necessitam de investigação suplementar. Os programas de condicionamento físico podem ser muito benéficos para os pacientes com HAS e a realização do TE pode ajudar quanto à prescrição mais precisa da carga de trabalho a ser aplicada.

Indicações do TE em valvopatias

A principal intervenção na história natural das valvopatias junto ao tratamento clínico adequado é a definição do momento da indicação cirúrgica. O avanço da ecocardiografia permitiu a simplificação da quantificação não-invasiva de lesões não estenóticas ou regurgitantes. A quantificação da classe funcional é, no entanto, fundamental, na maioria dos casos, para a tomada de decisão quanto à indicação cirúrgica. A decisão é simples diante de paciente com grande limitação funcional, mas naqueles com sintomatologia atípica ou que limitam a sua atividade física pode ser de grande utilidade a quantificação objetiva da classe funcional por intermédio do TE.

As valvopatias podem ser investigadas também quando associadas à suspeita clínica de cardiopatia isquêmica. O eletrocardiograma de repouso de muitos pacientes com valvulopatias, porém, apresenta ARV secundária à própria valvopatia, o que limita a indicação do TE para o diagnóstico de isquemia miocárdica esforço-induzida.

Na estenose aórtica grave sintomática, o TE está contra-indicado. Em pacientes com estenose aórtica moderada pouco sintomática, porém, o TE pode ser útil, sendo capaz de nortear as decisões terapêuticas por intermédio da observação atenta da resposta da pressão arterial e pela quantificação objetiva da capacidade funcional.

O TE é também bem indicado nos pacientes com insuficiência aórtica com capacidade funcional preservada, inclusive nas fases avançadas da doença. Em indivíduos com sintomatologia questionável, a avaliação da resposta ao exercício, seja pela análise da sintomatologia ou da fração de ejeção ventricular por intermédio do TE com ou sem ventriculografia radioisotópica ou ecocardiografia de esforço, pode contribuir para identificar precocemente a insuficiência ventricular esquerda.

O TE pode ser de grande utilidade na indicação cirúrgica em pacientes com estenose mitral pouco sintomatológica, que depende fundamentalmente do impacto da valvopatia sobre a capacidade funcional cardíaca. O aumento anormal da freqüência cardíaca, a resposta inadequada e a indução de dor torácica podem representar comprometimento hemodinâmico grave secundário à obstrução da via de entrada do ventrículo esquerdo.

O comprometimento da capacidade funcional cardíaca é também um dos principais critérios para indicação cirúrgica na insuficiência mitral. Em pacientes com insuficiência mitral grave ao ecocardiograma e com pouca sintomatologia, a decisão quanto à necessidade de cirurgia pode ser demonstrada objetivamente pela capacidade funcional cardíaca reduzida e pela queda da pressão arterial sistêmica.

Indicações do TE na insuficiência cardíaca e cardiomiopatias

O conhecimento sobre a fisiopatologia do exercício na insuficiência cardíaca congestiva avançou muito nas últimas décadas, em especial pelo acúmulo da experiência obtida na realização de TEs máximos. O TE é de grande utilidade na abordagem de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva quando realizado simultaneamente com a análise dos gases expirados (ergoespirometria). Este método permite estabelecer o diagnóstico de isquemia como fator etiológico na insuficiência cardíaca congestiva, além de possibilitar a avaliação objetiva da capacidade funcional cardiorrespiratória; a determinação do prognóstico para indicação de transplante cardíaco; a determinação de programas de exercícios; e o diagnóstico diferencial da dispnéia aos esforços. A classificação da New York Heart Association, obtida facilmente da anamnese do paciente, permite a avaliação da gravidade da insuficiência cardíaca, apesar da sua baixa reprodutibilidade. A classificação objetiva da capacidade funcional, a partir da medida direta da VO2 máxima na ergoespirometria, é fundamental quando implicar decisões importantes, como a indicação de transplante cardíaco.

A avaliação funcional do TE em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva deve ser feita apenas em indivíduos clinicamente estáveis. Alguns cuidados em sua realização são fundamentais, como: os protocolos precisam ser individualizados, com preferência em relação aos de rampa; o aumento da carga de esforço deve ser cuidadosamente realizado, com pequenos incrementos de carga igual ou inferior à MET; a duração máxima deve situar-se entre oito e 12 minutos, com a utilização do teste de 6 min para avaliação submáxima, sendo preferidos os testes com medida direta da VO2.

O TE é também utilizado para determinação da vulnerabilidade e avaliação do comportamento de arritmias desencadeadas pelo esforço em portadores de qualquer tipo de cardiomiopatia. Na cardiomiopatia idiopática dilatada, as aplicações são semelhantes àquelas para insuficiência cardíaca congestiva. O TE está, entretanto, contra-indicado na cardiomiopatia restritiva e na hipertrófica com obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo. Na cardiomiopatia não-obstrutiva, os protocolos convencionais podem ser aplicados com cuidados especiais quanto ao aparecimento de sinais de obstrução dinâmica, como arritmias ventriculares, diminuição da pressão arterial sistêmica sistólica e com a presença de sinais de baixo débito, como, por exemplo, alterações visuais e tonturas. O TE pode ser realizado em paciente com cardiomiopatia chagásica, usando os protocolos convencionais, sem contra-indicação, mesmo com arritmias ventriculares ao eletrocardiograma de repouso.

Indicações do TE na avaliação de taquiarritmias

A reprodutibilidade do desencadeamento de arritmias com o exercício é baixa. Durante o exercício físico, surgem atenuações da atividade parassimpática, aumento da atividade simpática e do consumo de oxigênio miocárdico e respostas fisiológicas que podem favorecer o desenvolvimento de taquiarritmias. O TE pode também: identificar pacientes que necessitam de maior investigação cardiológica, como nos casos de taquicardia ventricular relacionados com displasia arritmogênica do ventrículo direito na síndrome do QT longo; ajudar na estratificação do risco de aparecimento de taquicardia supraventricular com alta resposta ventricular, em concomitância com a síndrome de Wolff-Parkinson-White; e avaliar os efeitos de medicações usadas para o controle da resposta ventricular ao exercício, em pacientes com fibrilação atrial.

Indicações do TE na avaliação de bradiarritmias e marcapasso

O TE pode ser utilizado para avaliar a resposta do nó sinusal em pacientes com distúrbios da condução ou do automatismo atrial avançados, que apresentam indicações de marcapasso definitivo. Esta estratégia objetiva melhor planejamento quanto à necessidade de implante de eletrodo atrial, assim como o tipo de estimulação a ser utilizado.

É de grande utilidade para adequar a resposta da freqüência do marcapasso após o seu implante, para avaliar a capacidade funcional do coração e identificar a presença de arritmias.

Indicações especiais

O TE pode também ser aplicado em populações selecionadas para avaliação funcional associada a cardiopatias congênitas, inclusive em seu pós-operatório; em doenças não cardíacas; em crianças com sopro ou disfunções cardíacas leves ou em que sobressaem arritmias.

Critérios para realização do TE em sala de emergência

Os pacientes devem ser considerados de baixo risco para o desenvolvimento de eventos cardiovasculares em 30 dias (risco inferior a 7%), pela ausência de: hipertensão arterial sistêmica (PAS < 90 mmHg), terceira bulha, estertores crepitantes em bases pulmonares, dor torácica considerada secundária à exacerbação de doença arterial coronariana prévia, eletrocardiograma em repouso com alterações do segmento ST sugestivas de isquemia miocárdica em evolução.

A realização do TE na sala de emergência requer a ausência de: marcadores de necrose miocárdica (CKMB ou troponina) em duas amostras de sangue coletadas com intervalo de oito a 12 horas de sintomatologia; modificações do traçado do eletrocardiograma de repouso da admissão e imediatamente anterior à realização do TE; alterações do segmento ST que impossibilitem a análise acurada do eletrocardiograma de esforço; sintomas no intervalo entre a coleta da segunda amostra dos marcadores de necrose miocárdica; dor torácica sugestiva de isquemia no momento do início do TE.

O TE está contra-indicado na sala de emergência quando são observadas: alterações novas ou evolutivas do segmento ST no eletrocardiograma de repouso; marcadores séricos de necrose miocárdica acima dos valores normais; incapacidade para a realização do teste pelo esforço; piora ou persistência da dor torácica sugestiva de isquemia até a realização do TE; perfil clínico indicativo de alta probabilidade para realização de coronariografia.

Contra-indicações para a realização do TE

As contra-indicações gerais do TE são constituídas por: embolia pulmonar; enfermidade aguda, febril ou grave; limitação física ou psicológica; intoxicação medicamentosa.

O TE não deve ser realizado em paciente que apresenta doença arterial coronariana (angina instável progressiva ou de repouso não estabilizada, infarto agudo do miocárdio em evolução ou com complicações), lesões significativas de tronco de coronária esquerda ou equivalente, bloqueio de ramo esquerdo, Wolff-Parkinson-White, ritmo de marcapasso.

As contra-indicações relativas exigem precauções adicionais durante a realização do TE, sendo representadas por: dor torácica aguda, exceto quando os protocolos específicos sejam seguidos; estenose valvar moderada; insuficiência valvar grave; bradiarritmias; taquiarritmias; arritmias ventriculares complexas; distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos; afecções não-cardíacas que podem ser agravadas pelo TE ou que impedem a sua realização, como afecções psiquiátricas; deslocamento da retina; lesões articulares, musculares ou ósseas; hipertireoidismo; infecções; insuficiência renal, hepática ou respiratória; e obstrução arterial periférica.

Condições de alto risco para a realização do TE

Algumas condições permitem a realização do TE desde que sejam obedecidos cuidados especiais em relação aos parâmetros da sua relação risco/benefício. O TE deve ser realizado somente em ambiente hospitalar, com retaguarda cardiológica adequada, mediante consentimento por escrito, após esclarecimento adequado do paciente e/ou de seus responsáveis sobre a indicação do exame.

As condições de alto risco incluem: angina instável estabilizada; dor torácica aguda em sala de emergência após acompanhamento eletrocardiográfico e por intermédio de enzimas de necrose miocárdica; arritmias ventriculares complexas; arritmias com repercussões clínicas e hemodinâmicas sob controle; bloqueio átrio-ventricular avançado; cardiomiopatia hipertrófica; hipertensão pulmonar; infarto agudo do miocárdio não complicado; insuficiência: cardíaca compensada avançada (classe III, NYHA); hepática, renal, respiratória; lesão conhecida e tratada de tronco de coronária esquerda ou equivalente; lesões valvares estenóticas moderadas ou insuficiências graves; presença de desfibrilador implantável; síncope por provável etiologia arritmogênica.

 

IMPLICAÇÕES MÉDICO-LEGAIS DO TE

A despeito do baixo risco inerente à realização do TE e da mínima morbimortalidade relatada nos índices epidemiológicos (ocorrência de infarto agudo do miocárdio ou morte de 1/10.000 TE realizados), deve-se conhecer as possíveis implicações jurídicas relacionadas ao procedimento, o que é abordado nos códigos de Ética Médica, Civil Brasileiro e de Proteção ao Consumidor.

 

METODOLOGIA

A aplicação do TE objetivando avaliar respostas clínicas, eletrocardiográficas e hemodinâmicas necessita, obrigatoriamente, de rigorosa obediência às condições básicas da metodologia do procedimento. Somente assim podem ser obtidos resultados confiáveis, reprodutíveis e mensuráveis.

Condições básicas para a programação do teste

As condições básicas são relacionadas a: equipe médica, área física, equipamentos da sala de ergometria, material e medicamentos para emergência e orientações ao paciente.

Equipe médica: o médico com experiência no método é o responsável pela condução da prova, podendo ser auxiliado por pessoal técnico especificamente treinado na execução do TE e em eventual atendimento de emergência.

Area física: deve ter luminosidade, ventilação e dimensões suficientes para a acomodação da aparelhagem necessária e permitir circulação de pelo menos três pessoas. A temperatura ambiente deve situar-se entre 18 e 22ºC.

Equipamentos: são necessários para a realização do TE: cicloergômetro de frenagem mecânica ou eletromagnética e/ou esteira rolante, com velocidade e inclinação variáveis. A alternativa é o ergômetro de manivela; monitor para observação contínua e eletrocardiógrafo para registro do eletrocardiograma e a análise do comportamento da freqüência cardíaca; esfigmomanômetro calibrado e estetoscópio; e ergômetro de cronômetro;

Material e medicações para emergências: deve estar disponível para o adequado tratamento das emergências todo o material incluído no suporte básico e avançado de vida. A equipe de apoio deve ter treinamento específico e eficiência na abordagem do suporte básico de vida.

Orientações ao paciente: são dadas pelo médico-assistente e incluem o motivo da realização do TE e a decisão sobre quando suspender ou manter a medicação vigente (Quadro 1).

 

 

A escolha do protocolo

Para a realização eficaz e adequada do TE, é fundamental a escolha correta do protocolo a ser utilizado. Esta escolha baseia-se na capacidade de tolerância do exercício de cada indivíduo. No caso de pessoas doentes, o objetivo é a obtenção de resposta sintoma-limitada, em intervalo de seis a 15 minutos. Todos os protocolos tradicionais incluem carga inicial baixa, que aumenta progressivamente a intervalos regulares, e adequada duração de cada estágio e, também, do período de recuperação. A padronização dos protocolos visa à comparação de resultados entre indivíduos e num mesmo indivíduo em testes subseqüentes.

Vários protocolos foram criados com o advento da ergoespirometria, com a finalidade de estudar indivíduos não coronarianos. Existem, portanto, protocolos específicos conforme o tipo de ergômetro utilizado e de pessoa a ser estudada. Em 1981, Whipp et al. descreveram os protocolos de rampa, nos quais a carga de trabalho é individualizada de acordo com a aptidao física, havendo incremento constante e contínuo, não ocorrendo "platô" de consumo de oxigênio.

O protocolo a ser executado em determinado teste deve sempre levar em consideração as condições específicas do paciente. Para tanto, deve-se proceder à escolha individualizada, de forma que a velocidade e a inclinação da esteira ou a carga da bicicleta possam ser aplicadas de acordo com a capacidade do paciente testado. Para isto, podem ser utilizados diferentes protocolos:

1. rampa: utiliza pequenos incrementos na carga a cada estágio, permitindo a mensuração mais acurada da capacidade funcional, especialmente quando aplicados individualmente e baseados em questionários da atividade física da vida diária do paciente (escala de atividade de Duke ou o questionário do VACM). Esses protocolos permitem também que o médico possa ajustá-lo a uma duração ótima, que deve variar idealmente entre oito e 12 minutos; 2. protocolos mais intensos podem ser utilizados em indivíduos fisicamente ativos e/ou em jovens aparentemente saudáveis, sendo predominantemente aplicados os de Bruce ou de Ellestad; 3. em populações com limitações, seja pela idade ou funcional, protocolos com incrementos menos intensos devem ser priorizados. São exemplos destes tipos os de Naughton ou de Balke.

 

TE EM ASSOCIAÇÃO COM OUTROS MÉTODOS

Vários métodos complementares não-invasivos associados ao TE fazem parte da metodologia de avaliação de cardiopatas, como a cintilografia radioisotópica, a ecocardiografia com estresse farmacológico ou com o exercício e o teste cardiopulmonar integrado (ergoespirometria). A utilização desses exames permite superar as limitações do TE, seja devido aos problemas inerentes ao método ou pelas características peculiares da população estudada.

Cintilografia de perfusão do miocárdio

A realização complementar da cintilografia miocárdica está indicada na avaliação pré e pós-cirurgia de revascularização miocárdica; para a complementação de TE inconclusivo; na detecção da gravidade e extensão da área isquêmica; e em situações em que fica prejudicada a identificação dos sinais de isquemia, como as zonas extensas de necrose.

Outras indicações da cardiologia nuclear incluem: detecção de isquemia miocárdica em pacientes em uso de fármacos que interferem nos padroes do eletrocardiograma; constatação da ausência de isquemia em testes falso-positivos; e isquemia em testes falso-negativos.

Ecocardiografia de estresse

Constitui-se em método eficiente para a avaliação da função sistólica global e segmentar do ventrículo esquerdo, em pacientes com isquemia miocárdica e com cardiomiopatias e valvopatias. É considerada com sensibilidade e especificidade similares ao propiciado pela análise realizada pela cardiologia nuclear. Pode ser associada tanto ao esforço físico quanto à utilização de drogas, seguindo os mesmos critérios já descritos para a cintilografia. Apesar da ausência de consenso sobre o uso simultâneo de contraste, alguns centros o utilizam para a avaliação conjunta da perfusão miocárdica e da contratilidade.

Ergoespirometria (teste cardiopulmonar de exercício)

O TE convencional baseia-se na análise das respostas clínicas, eletrocardiográficas e hemodinâmicas, sem incluir variáveis ventilatórias. O TE convencional não é o melhor método a ser utilizado, quando o objetivo é identificar o(s) motivo(s) para a interrupção do esforço ou quantificar esta limitação, pois não é capaz de fornecer informações acuradas e esclarecedoras. O teste cardiopulmonar de exercício acrescenta à ergometria convencional a quantificação da ventilação pulmonar e das frações expiradas de oxigênio e gás carbônico durante o esforço. Deve ser usado o oxímetro de pulso para quantificar a saturação de hemoglobina. Outros procedimentos podem ser incorporados à ergoespirometria, como a reinalação de gases ou testes invasivos, com a colocação de cateteres intra-arteriais e de Swan-Ganz.

 

REFERENCIAS

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