ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Marcadores bioquímicos do infarto agudo do miocárdio
Biochemical markers of acute myocardial infarction
Marciano Robson de Miranda1; Luciana Moreira Lima2
1. Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade Federal de Viçosa-UFV. Bolsista de Iniciaçao Científica PROBIC/FAPEMIG. Viçosa, MG - Brasil
2. Farmacêutica. Doutora em Ciências Farmacêuticas. Professora Adjunta do Departamento de Medicina e Enfermagem da UFV. Viçosa, MG - Brasil
Luciana Moreira Lima
E-mail: luciana.lima@ufv.br
Recebido em: 26/09/2011
Aprovado em: 17/07/2012
Instituiçao: Departamento de Medicina e Enfermagem da Universidade Federal de Viçosa Viçosa, MG - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: Número crescente de biomarcadores tem sido usado para auxiliar no diagnóstico do infarto agudo do miocárdio (IAM), estratificação de risco dos pacientes e predição de eventos após a síndrome coronariana aguda (SCA). Alguns desses biomarcadores são amplamente usados na prática clínica, outros ainda não apresentam evidências científicas que sustentem seu uso clínico.
OBJETIVOS: analisar o significado clínico dos diversos marcadores bioquímicos descritos para o IAM, isolados ou combinados, buscando-se a descrição de acordo com a origem, comportamento na evolução da doença, incluindo validação, limitação diagnóstica e significado clínico em diferentes contextos.
MÉTODOS: realizada pesquisa bibliográfica usando a base de dados PubMed, por intermédio de artigos originais e revisões sobre biomarcadores para o IAM. A busca limitou-se aos artigos escritos em inglês, publicados nos últimos cinco anos.
RESULTADOS: foram obtidos 90 artigos, dos quais 57 foram excluídos. Dos 32 estudos selecionados, 14 eram randomizados e controlados. Após análise judiciosa, foram descritos vários biomarcadores: troponina, creatinoquinase fração MB, mioglobina, H-FABP, BNP e seu fragmento N-terminal inativo, ANP, copeptin, fator-15 de diferenciação e crescimento, proteína receptora da interleucina-1, cardiotrofina, mieloperoxidase, endotelina 1, entre outros.
CONCLUSÕES: as troponinas T e I (na admissão e 6-9h após injúria) seguidas pela CK-MB massa são os biomarcadores sugeridos para avaliação de lesão miocárdica. O hs-TnI e hs-TnT são muito sensíveis nos estágios precoces e a CK-MB massa tem sido útil para diagnóstico de reinfarto, pelo seu curto período de meia-vida. Todos os demais biomarcadores estudados, seja na inclusão ou exclusão de hipóteses, foram importantes para o diagnóstico e/ou prognóstico do IAM. Entretanto, ainda são necessários novos estudos para confirmar os dados presentes.
Palavras-chave: Biomarcadores Farmacológicos; Infarto Agudo do Miocárdio.
INTRODUÇÃO
A admissão em serviço de urgência de enfermo com suspeita de síndrome coronariana aguda (SCA) requer não só a realização da entrevista médica e do exame físico, mas também de exames complementares que visam estabelecer de forma rápida e efetiva a suspeita diagnóstica inicial e determinar os passos terapêuticos a serem instituídos e que incluem eletrocardiograma (ECG), exames bioquímicos e por imagem.
Vários biomarcadores têm sido utilizados para auxiliar no diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (IAM), estratificação de risco, escolha do tratamento adequado e predição de eventos após a SCA.1 Os exames bioquímicos podem ser agrupados, segundo os seus significados clínicos e/ou pelos processos físico-químicos responsáveis por suas elevações sistêmicas, nos seguintes marcadores de: a) lesão miocárdica, como troponina,2 creatinoquinase fração MB (CK-Mb),3 mioglobina4 e proteína de ligação de ácidos graxos tipo cardíaca (H-FABP);5 b) estresse biomecânico: como o peptídeo natriurético tipo B (BNP) e seu fragmento N-terminal inativo (NT-proBNP),6 o peptídeo natriurético atrial (ANP),7 a copeptin,8 o fator-15 de diferenciação e crescimento (GDF-15),9 a proteína receptora da interleucina-1 (ST2)10 e a cardiotrofina;11 c) inflamação e homeostase vascular: a cardiotrofina, a endotelina 1 (ET-1)12 e a lipoproteína associada à fosfolipase A2 (Lp-PLA2);13 d) remodelamento da matriz extracelular:14 o propeptideo aminoterminal do procolágeno tipo I (PINP) e tipo III (PIIINP), o inibidor tecidual de metaloproteinases da matriz-1 (TIMP-1) e o telopeptideo colágeno tipo I (ICTP). Alguns desses biomarcadores são amplamente utilizados na prática clínica, outros ainda não apresentam evidências científicas que sustentem seu uso clínico.
O objetivo deste estudo foi analisar o significado clínico dos diversos marcadores bioquímicos descritos para o IAM, isolados ou combinados, buscando-se a descrição de acordo com a origem, comportamento na evolução da doença, incluindo validade, limitação diagnóstica e significado clínico em diferentes contextos, sintetizando e integrando as principais evidências científicas disponíveis na literatura atual.
MÉTODOS
A presente revisão foi realizada com base no seguinte questionamento: quais são, atualmente, os marcadores bioquímicos que podem ser usados para diagnóstico e prognóstico de IAM e seu significado clínico quando isolados ou associados a outros biomarcadores? Para responder a essa pergunta foi realizada pesquisa bibliográfica tendo como base de dados o PubMed e periódicos CAPES, que possibilitaram a busca de artigos originais e revisões sobre biomarcadores do IAM. Foi realizada associação entre os seguintes termos: "biologycal markers", "myocardial infarction", "coronary artery disease", "myocardial ischemia", "cardiac troponin", "sensitive troponin", "ck-mb mass", entre várias outras nas quais foram usados os nomes dos biomarcadores, provenientes dos artigos de revisões encontrados. Essa busca limitou-se aos artigos em língua inglesa, publicados nos últimos cinco anos, e sua relação com textos completos e gratuitos.
A seleção dos artigos baseou-se na avaliação dos títulos, resumos e o artigo na íntegra, como forma de diminuir a chance de excluir trabalhos importantes. Foram excluídos os trabalhos cujo conteúdo dos resumos e dos artigos na íntegra tinha descrição insuficiente sobre a variação da concentração de biomarcadores de acordo com a administração de fármacos e os estudos avaliando técnicas cirúrgicas com biomarcadores. Foram obtidos, inicialmente, 90 artigos, sendo 65 excluídos; e entre os 25 restantes, 14 eram randomizados e controlados. Os resultados foram apresentados de forma sucinta e integrada, após análise judiciosa, com ênfase nos aspectos principais de cada estudo.
Troponina
A troponina é uma proteína muscular que, juntamente com a tropomiosina, regula a interação entre a actina e miosina no processo de contração muscular. Há três polipeptídeos de troponina, os quais se ligam à tropomiosina (TnT), à actina (TnI) e ao cálcio (TnC).2 A TnT e a TnI foram descritas como biomarcadores para IAM pela sua especificidade cardíaca, diferente da TnC, que possui sequência de aminoácidos compartilhada com sua isoforma esquelética, responsável pela ausência de valor diagnóstico para lesões miocárdicas.
Após a lesão do cardiomiócito, baixa porcentagem de troponina livre no citoplasma é liberada na circulação, seguida por aumento gradual correspondente à dispersão de troponina ligada a complexos. Em necrose transmural, isso acontece após duas a quatro horas do início da injúria, atingindo o pico sistêmico por volta de 12 horas e permanecendo elevada por até 4-7 dias para TnI e 10-14 dias para TnT.2 A concentração sistêmica de troponina pode ainda variar segundo a circulação colateral, obstrução coronária intermitente, amplitude da lesão e sensibilidade dos cardiomiócitos.
Sua utilidade na detecção de lesão miocárdica recorrente é limitada, porque os seus níveis permanecem elevados por período prolongado. Daubert et al.2 demonstraram que os intervalos para a sensibilidade da TnI e TnT, de acordo com o tempo, foram, respectivamente, inferiores a 45% e entre 25 e 65% no momento de internação, 69 e 82% e 59 e 90% de duas a seis horas após a admissão, 100% e próximo de 100% de seis a 12 horas após a admissão. A especificidade da troponina não varia significativamente ao longo do tempo, estando no intervalo entre 83 e 98% para TnI e de 86-98% para TnT. Os valores preditivos positivos da TnI e TnT foram 25 e 35% no momento da apresentação e 89 e 57% após 12 horas de admissão, respectivamente. Já os valores preditivos negativos da TnI e TnT foram, respectivamente, 85 e 88% no momento da apresentação e 98 e 99% após 12 horas de admissão. Para otimizar a validade do teste de troponina recomenda-se realização da dosagem de TnI e TnT no momento da apresentação e entre seis e nove horas após a injúria cardíaca.2-15
A Sociedade Brasileira de Cardiologia preconiza que no processo investigativo de IAM devem ser usados pelo menos dois marcadores: um precoce (mioglobina e CK-MB) e outro tardio definitivo (incluindo a CK-MB e as troponinas). As troponinas são consideradas o padrao-ouro, devendo-se considerar que elas podem se elevar diante de pequenos (micro) infartos, mesmo em ausência de elevação da CK-MB. É preciso considerar que a troponina miocárdica pode ser também liberada em diversas situações clínicas, como miocardites, cardioversão elétrica, trauma cardíaco, miosites, embolia pulmonar e insuficiência renal.16
A sensibilidade dos testes convencionais de troponina é baixa para o diagnóstico precoce de IAM. Como os consensos americano e europeu recomendam um nível de troponina acima do valor equivalente ao percentil 99 da população, vem-se discutindo a importância diagnóstica e o significado clínico dos ensaios de troponina com mais sensibilidade. Com o uso de um ensaio ultrassensível para TnI (hs-TnI), com ponto de corte de 0,04 ng/mL na admissão, a sensibilidade clínica foi de 90,7% e a especificidade de 90,2%, independentemente do tempo de início da dor torácica,17 ao passo que o ensaio para TnT ultrassensível (hs-TnT), nas mesmas condições, mostrou sensibilidade entre 84 e 95% e especificidade entre 80 e 94% para diagnóstico de IAM.18
O valor prognóstico da combinação de hs-TnT e BNP foi avaliado diante da insuficiência cardíaca crônica, baseando-se na mediana da concentração do BNP (97 pg/mL) e da hs-TnT (0,0124 ng/mL) e segundo os fatores de risco clínicos. A mortalidade aumentou para 32% em pacientes com ambos os marcadores acima da concentração mediana, confirmando que a elevação TnT é proporcional à gravidade da doença, podendo favorecer o valor prognóstico do BNP.19 Outro estudo,20 envolvendo mulheres que se submeteram à cirurgia cardíaca na pós-menopausa, demonstrou que níveis de TnI abaixo de 7,6 ng/mL constituem fator de risco para desenvolvimento dos principais eventos adversos em 30 dias, como morte operatória, estado de baixo débito cardíaco e IAM, com médias para sensibilidade de 82%, especificidade de 77%, valor preditivo positivo de 40% e valor preditivo negativo de 96% (IC 95%).
Creatinoquinase (CK)
A CK-total é enzima reguladora da produção e uso do fosfato de alta energia nos tecidos contráteis. É composta de subunidades B (brain) e M (muscle) que se combinam formando a CK-MM (muscular), CK-BB (cerebral) e CK-MB (miocárdica).3 A especificidade da CK-total é baixa para lesões do músculo cardíaco, diferente da CK-MB, que é encontrada predominantemente no músculo cardíaco. Enquanto na dosagem de CK-MB determina-se a atividade enzimática, o teste de CK-MB massa detecta sua concentração, independentemente de sua atividade, incluindo enzimas ativas e inativas, o que torna o teste de CK-MB massa mais sensível e confiável que os testes de CK-MB atividade.15,21
A CK-MB atividade aumenta dentro de 4-6 horas após a ocorrência do infarto, com pico em torno de 18 horas e retornando ao normal após 48 horas. Possui sensibilidade diagnóstica de 93 a 100% após 12 horas do início da sintomatologia, porém é pouco sensível para diagnóstico nas primeiras seis horas de evolução.21 Recomenda-se, por isso, que seu uso seja feito de forma seriada, a cada 3-4 horas, e uma avaliação por pelo menos nove horas para confirmar ou afastar o diagnóstico de IAM nos pacientes suspeitos.16
Entre outros parâmetros, deve-se salientar que, na temperatura de 25ºC, a atividade de CK-MB, em condições normais, é inferior a 10 U/L e deve corresponder a menos de 6% de CK total. A CK-MB massa possui valor de referência abaixo de 5 ng/mL. A CK-MB, por ter meia-vida curta em comparação com a da troponina, constitui-se em medida de grande utilidade para diagnóstico de reinfarto.21
A CK-MB também tem sido útil na avaliação da lesão miocárdica após intervenção coronariana, quando leve aumento de sua concentração pode associar-se à maior mortalidade. O IAM após cirurgia de revascularização do miocárdio é definido pela associação da elevação da CK-MB em pelo menos cinco vezes o limite superior da normalidade, nas primeiras 72 horas, com alterações eletrocardiográficas (ondas Q) e confirmado pelo exame angiográfico.
Mioglobina
A mioglobina é uma proteína citoplasmática de baixo peso molecular presente nos músculos esqueléticos e cardíacos, cujas principais funções são o fornecimento de oxigênio às mitocôndrias. Constitui-se em complexo auxílio no controle da isquemia tecidual, envolvendo a biossíntese de óxido nítrico.4 Sua elevação ocorre 1-2 horas depois do início da isquemia, atingindo o seu máximo em torno de 6-9 horas e normalizando-se entre 12 e 24 horas.15, 21
Devido à sua baixa especificidade e por ser marcador muito precoce em lesões dos miócitos, a mioglobina em concentrações normais (0-72 ng/mL) pode ser útil para excluir o diagnóstico de IAM nas primeiras horas após desconforto no peito (antes de quatro horas do início da sintomatologia), principalmente em paciente com baixa probabilidade pré-teste de doença, com valor preditivo negativo entre 83 a 98%.15,16,21
Proteína de ligação de ácidos graxos - cardíaca (H-FABP)
A H-FABP é abundantemente encontrada no tecido do coração e faz parte da família de proteínas citosólicas cujo padrao de distribuição é relativamente específico nos tecidos, que se ligam e transportam ácidos graxos (FABPs). No IAM a H-FABP aparece no plasma decorrido duas horas da injúria e atinge o pico de concentração após 4-6 horas, apresentando uma janela diagnóstica entre 20 minutos e 24 horas, o que viabiliza seu uso para diagnóstico precoce.5 Existem kits para testes rápidos de H-FABP com parâmteros para diagnóstico de IAM definido a partir de concentração superior a 7 ng/mL, exame realizado após duas horas do início da injúria e com dor torácica.5
Cavus et al.5 demonstraram que para a primeira e quarta horas após a lesão miocárdica a H-FABP possui sensibilidade igual à da CK-MB (1a hora: 97,6% e 4a hora: 97,6%) e superior à da mioglobina (1a hora: 85,4% e 4a hora: 90,2%). A especificidade na primeira hora da H-FABP (38,5%) foi mais específica que da CK-MB (34,6%), mioglobina (34,6%) e troponina T (23,1%); enquanto na quarta hora a especificidade da H-FABP (88,5%) foi igual à da CK-MB (88,5) e troponina T (88,5%), ultrapassando a da mioglobina (73,1%). No entanto, existem algumas limitações na mensuração do H-FABP determinadas por: cirurgias, insuficiência renal e elevação das FABPs da musculatura esquelética, que possui estrutura similar à cardíaca, e podem superestimar os valores reais de H-FABP. O diagnóstico pode ser estabelecido pela combinação dos valores da H-FABP com outros biomarcadores.
A associação22 entre os valores da H-FABP e troponina ajuda na estratificação de risco de IAM. Os níveis de H-FABP acima de 5,8 mcg/L associam-se consideravelmente ao aumento do risco de morte proporcionalmente ao aumento da concentração de troponina. A única dosagem de H-FABP não tem alta validade para diagnóstico precoce de IAM, uma vez que foi observado o valor preditivo positivo igual a 65,8% e o valor preditivo negativo igual a 82,0%. Pode-se valer da associação do H-FABP com outros biomarcadores para o diagnóstico precoce de IAM.
Peptídeo natriurético cerebral (BNP) e seu fragmento n-terminal inativo (NT-proBNP)
Os níveis do peptídeo natriurético cerebral (BNP) e seu fragmento N-terminal inativo (NT-proBNP) são usados para o diagnóstico e prognóstico da insuficiência cardíaca, estratificação de risco após síndrome coronariana aguda e para predizer eventos adversos associados à angina estável e em pessoas aparentemente saudáveis.6 São considerados dos melhores marcadores do estresse mecânico.22
A dosagem do BNP associado aos métodos de imagem cardíaca permite avaliação da disfunção ventricular sistólica esquerda, oriunda da remodelação cardíaca. Como esse processo envolve síntese e degradação de colágeno, constituinte da matriz extracelular, o BNP foi correlacionado com os marcadores do metabolismo do colágeno, sugerindo que module a formação de cicatrizes ricas em colágeno após IAM.14 Na insuficiência cardíaca crônica o BNP e o NT-proBNP são marcadores com forte implicação prognóstica, porém eles podem sofrer influência da idade e função renal, além de variar naturalmente ao longo do tempo.23 A sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo para predição de mortes em pacientes com insuficiência cardíaca foram para BNP de 50, 79,2, 28,6 e 90,5% e para NT-proBNP de 53,1, 79,9, 30,4 e 91,1%, respectivamente.23
Peptídeo natriurético atrial (ANP) e seu fragmento MR-próANP
O ANP é sintetizado principalmente no átrio e sua secreção ocorre em resposta à distensão atrial e alongamento dos miócitos. Os peptídeos natriuréticos desempenham importante papel na regulação da pressão e volume sanguíneo, uma vez que induzem a diurese, natriurese e vasodilatação na insuficiência cardíaca congestiva.7 Atuam como agentes antifibróticos e anti-hipertróficos, prevenindo o remodelamento cardíaco após IAM. Os ANPs exercem importante papel no diagnóstico e prognóstico da insuficiência cardíaca e do remodelamento ventricular esquerdo tardio, após o IAM.7 O MR-próANP, um peptídeo mais estável que o ANP, é pelo menos igual ao NT-próBNP como preditor de morte e insuficiência cardíaca, e considerado importante preditor de eventos adversos pós-IAM.22
O ANP administrado em seres humanos com isquemia miocárdica e submetidos à reperfusão coronária tendo sido associado à redução do tamanho da área de necrose e à pouca melhora da função cardíaca por período de 30 dias, entretanto, não é capaz de determinar diferença significativa quanto à mortalidade.24 O ANP é capaz, ainda, de interagir com células do sistema imunológico e provocar efeitos pró-inflamatórios, além de induzir reações nos neutrófilos, associadas aos seus efeitos citotóxicos.
Copeptin
O copeptin é um hormônio do estresse, considerado novo biomarcador para prognóstico em doença aguda. A resposta ao estresse é caracterizada pela ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, envolvendo o hormônio liberador de corticotropina (CRH) e a vasopressina (que parece potencializar o CRH), sendo os principais responsáveis pela secreção do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), estimulante da produção de cortisol.8 No entanto, esses hormônios são instáveis e rapidamente depurados do plasma. Como o precursor da vasopressina dá origem ao copeptin, composto mais estável e fácil de determinar, ele foi considerado o biomarcador para ser usado na prática clínica.
A combinação da troponina T (nível < 0,01 ng/mL) com copeptin (nível < 14 pg/mL) permite alta acurácia na exclusão de IAM, com valor preditivo negativo de 99,7% e capaz de eliminar a necessidade de acompanhamento e de exames de sangue em série para sua confirmação, na maioria dos pacientes.22 A combinação de copeptin com o BNP é capaz de melhorar a predição de seu resultado.8 Como a vasopressina é liberada em resposta às alterações da osmolaridade do plasma e com o intuito de aumentar a pós-carga, os valores de copeptin plasmático liberado em proporção estequiométrica à vasopressina estao aumentados em pacientes com insuficiência cardíaca crônica e relacionada à gravidade da doença, sendo considerados melhores preditores de óbitos em relação ao BNP.23 A sensibilidade, especificidade e o valor preditivo positivo e negativo do copeptin para predição de morte em pacientes com insuficiência cardíaca foram, respectivamente, iguais a 67,7, 82,5, 39,6 e 93,8%.
Fator-15 de diferenciação e crescimento (GDF-15)
O GDF-15 é membro da superfamília do TGF-ß, sendo identificado inicialmente como uma citocina inibitória dos macrófagos. O GDF-15 é expresso no miocárdio em consequência ao estresse, parecendo ter efeito cardioprotetor, já que tem sido demonstrada sua ação antiapoptótica e anti-hipertrófica do coração.9 A maior concentração desse biomarcador está associada positivamente a idade, sexo feminino, história de hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus e tem sido utilizado na estratificação do risco de morte em doença cardiovascular, além de acrescentar informações prognósticas quando associado a outros biomarcadores. O melhor nível considerado de GDF-15 para predição de mortalidade em um ano foi de 1.808 ng/L, com sensibilidade de 68,5%, especificidade de 68,8% e risco de morte igual a 14,1%, sendo o limite superior da faixa de normalidade igual a 1.200 ng/L.19 Os níveis de GDF-15 são intensamente relacionados à magnitude da isquemia cardíaca ou à evolução do IAM. No IAM sem elevação do seguimento ST o NT-próBNP, GDF-15 e idade são considerados preditores, independentes de morte. Em pacientes após IAM, o GDF-15 permite informações adicionais para níveis superiores a 763 pmol/L de NT-próBNP, tornando esses biomarcadores poderosos indicadores de morte e insuficiência cardíaca, favorecendo o reconhecimento de pacientes com alto risco de morte.9
Proteína receptora da interleucina 1 (ST2)
O ST2 é membro de família de receptores da interleucina-1 existentes nas formas transmembrânica (ST2L) e solúvel (sST2). A interleucina-33 atua como ligante funcional do ST2L, resultando em efeito cardioprotetor ao estresse mecânico. A concentração plasmática do sST2 em seu tercil superior (sST2 > 700 ng/L) é considerada forte preditor independente de todas as causas de mortalidade, em pacientes com insuficiência cardíaca aguda, no período de um ano.10
A avaliação global de ST2 e NT-próBNP em pacientes com IAM com elevação do segmento ST evidencia que seus níveis basais são significativamente mais altos naqueles que sofreram morte cardiovascular ou desenvolveram ICC.25 Nos pacientes com IAM, elevado nível de ST2 constitui-se em forte preditor de morte cardiovascular ou insuficiência cardíaca em 30 dias e de resultados adversos cardiovasculares, independentemente dos fatores de risco tradicionais, e fornece informações prognósticas e complementares aos níveis de NT-próBNP. O ST2 encontra-se elevado na asma brônquica aguda e doenças autoimunes, o que requer avaliação judiciosa para seu uso na clínica.22
Cardiotrofina (CT-1)
A CT-1 é membro da superfamília da interleucina-6 (IL-6), produzido por cardiomiócitos e fibroblastos cardíacos em situações de estresse biomecânico e sob exposição a fatores humorais como a angiotensina II.11 Uma vez secretada, ocorre ativação das diferentes vias de sinalização, levando ao crescimento e disfunção dos cardiomiócitos.11
A expressão miocárdica do CT-1 é maior em idosos, na doença cardiovascular hipertensiva sistêmica, na hipertenção ventricular esquerda (HVE) e na insuficiência cardíaca (IC).11 Em 31% dos pacientes hipertensos sem HVE existem concentrações de CT-1 acima do limite superior da normalidade, o que sugere que a CT-1 aumenta precocemente durante a evolução da hipertensão arterial sistêmica. A detecção de HVE, avaliada pela ecocardiografia, tem na CT-1 sensibilidade de 70% e especificidade de 75%, constituindo-se, ainda, em potente biomarcador para avaliação do desenvolvimento, progressão e regressão de HVE em pacientes hipertensos.
Os altos níveis plasmáticos de CT-1, BNP e IL-6 são preditores independentes de mortalidade, enquanto os de CT-1 aumentam conforme a gravidade da insuficiência cardíaca congestiva (ICC).26 O CT-1 parece ter importante papel no processo de inflamação vascular e patogênese da aterosclerose ao estimular genes e a expressão das proteínas ICAM-1 e MCP-1 em células endoteliais aórticas humanas, o que induz adesão e migração de monócitos.
Endotelina-1 (ET-1)
A ET-1 é um peptídeo produzido principalmente no endotélio, desempenhando papel fundamental na homeostase vascular,12 possuindo dois receptores, o de endotelina A (ETA) e o de endotelina B (ETB). O primeiro pode ser encontrado no tecido muscular liso dos vasos sanguíneos e sua ativação promove vasoconstrição. O segundo está presente nas células endoteliais e sua ativação medeia a liberação de óxido nítrico, natriurese e diurese.22 A ET-1 é importante mediador de muitas complicações cardiovasculares e altas concentrações plasmáticas associam-se a pior prognóstico após IAM,12 sendo considerada fator preditivo de morte ou de IC.22 A ET-1 é composto muito instável, o que dificulta sua mensuração. Dessa forma, o resíduo C-terminal da ET-1 (CT-proET1), liberado a partir do precursor do ET-1, oferece resultados mais confiáveis e com significados clínicos de mesmo valor.
Fosfolipase A2 associada à lipoproteína (Lp-PLA2)
A fosfolipase-A2 secretada pelos monócitos, macrófagos e linfócitos T pode circular no plasma ligada à partícula de LDL. Observam-se na SCA níveis mais elevados de Lp-PLA2 quando comparados com indivíduos hígidos. A Lp-PLA2 associa-se significativamente aos níveis lipídicos, mas apenas fracamente ou não relacionada a outros marcadores de risco na SCA.13 O risco de eventos cardiovasculares ou mortalidade não se correlaciona com os níveis plasmáticos de Lp-PLA2. Hatoum et al.27 examinaram a associação entre a atividade da Lp-PLA2 e a doença arterial coronariana incidente em diabéticos mellitus do tipo 2. Os níveis mais elevados da atividade da Lp-PLA2 foram associados a aumento do risco de doença coronária. Isso indica que o papel biológico da Lp-PLA2 na avaliação de risco em pacientes com SCA ainda não foi elucidado. Novos estudos são necessários para esclarecer o seu significado prognóstico na SCA.
Biomarcadores do processamento do colágeno
O propeptídeo aminoterminal do procolágeno tipo I (PINP) e tipo III (PIIINP) é considerado marcador da síntese de colágeno; e o inibidor tecidual de metaloproteinases da matriz-1 (TIMP-1) inibe as proteinases envolvidas na degradação do colágeno; e o telopeptídeo colágeno tipo I (ICTP) é considerado marcador do tipo I da degradação do colágeno. O comportamento desses marcadores foi avaliado em 476 pacientes após IAM.14 O PINP elevou-se significativamente desde o início até o primeiro mês do IAM, diminuindo modestamente depois; o PIIINP exibiu perfil semelhante, porém permaneceu na faixa de níveis basais até o nono mês após o IAM; o TIMP-1 permaneceu com valores elevados em todo o estudo e o ICTP foi superior ao valor de referência no início da pesquisa, reduzindo-se progressivamente em um mês e estabilizando-se posteriormente com valores dentro do intervalo de referência. Pode-se inferir que, possivelmente, há elevação da degradação da matriz extracelular na fase precoce, acompanhado por aumento de sua síntese no pós-IAM, contribuindo para o processo de remodelação cardíaca.
Na avaliação clínica, o PIIINP parece ser um marcador mais preciso de eventos cardiovasculares em condições crônicas quando comparado com eventos em fase aguda; os biomarcadores do colágeno e BNP correlacionam-se positivamente com altos níveis de PCR ultrassensível e a associação entre níveis elevados de ICTP e BNP pode indicar maior extensão da área do infarto.
CONCLUSÃO
Todos os biomarcadores supracitados, seja na inclusão ou exclusão de hipóteses, têm sua importância diferencial nos diversos contextos clínicos do IAM. Atualmente, para diagnóstico de IAM, a Sociedade Brasileira de Cardiologia sugere a utilização das troponinas T e I e da CK-MB massa como marcadores de lesão miocárdica. De forma semelhante, os Consensos Americano e Europeu de Cardiologia sugerem a utilização da troponina (T ou I) como biomarcador preferencial de lesão miocárdica. Se os ensaios de troponina não estiverem disponíveis, a melhor alternativa é a CK-MB massa, não sendo recomendado o CK total. Na ausência desses ensaios, opta-se por quaisquer outros testes disponíveis, sendo fundamentais o reconhecimento de sua limitação diagnóstica e a incapacidade de atender às reais necessidades de cada paciente.
A troponina (I ou T) é o marcador preferido para a lesão do miocárdio, possuindo especificidade quase absoluta e alta sensibilidade. O hsTnT incrementa o valor prognóstico do BNP na predição de mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca, condição que também pode ser prevista pelos níveis de ANP, ST2, ET-1 e copeptin. A combinação de TnT com o copeptin ou concentrações normais de mioglobina (nas primeiras horas) possuem alta acurácia na exclusão de IAM. O diagnóstico precoce de IAM vale-se dos ensaios de alta sensibilidade de troponina ou do H-FABP e mioglobina, quando associados a outros parâmetros. São necessários novos estudos em condições diversas, a fim de ampliar e confirmar os valores prognósticos dos biomarcadores de IAM para estabelecerem-se critérios para a terapêutica com mais precisão.
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