RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. (2 Suppl.3)

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Artigos de Revisão

Riscos profissionais em anestesiologia

Occupationalhazards in anesthesiology

Alexandre Almeida Guedes

Coordenador do Serviço de Anestesiologia do Hospital Ascomcer, Anestesiologista do HU-CAS (UFJF), da Rede FHEMIG e do Centro de Restauração Plástica, Juiz de Fora, MG - Brasil; Professor da disciplina de anestesiologia da Faculdade de Medicina de Barbacena, Barbacena, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Av. Independência, 3.500 Bairro: Cascatinha
Juiz de Fora, MG - Brasil CEP: 36 025-290
Email: alexguedesanest@yahoo.com.br

Instituição: Hospital Ascomcer Juiz de Fora, MG - Brasil

Resumo

Anestesiologistas são submetidos a uma série de riscos ocupacionais em decorrência do local de trabalho e atividade profissional, tais como toxicidade de gases anestésicos, exposição ocupacional a sangue e secreções (risco de doenças infecciosas), alergia ao látex e risco de exposição às radiações ionizantes. Outros riscos envolvem a eletrocussão, fogo e explosão. E novos riscos têm sido identificados: drogadição e burnout. Não é fácil mensurá-los, podendo os mesmos ter sérias consequências para o anestesiologista. A prevenção desses riscos inclui reconhecimento precoce da situação pelos profissionais da equipe, melhora nas condições de trabalho e no reconhecimento profissional.

Palavras-chave: Anestesia; Anestesiologia/recursos humanos; Anestesicos/toxicidade; Exposição Ocupacional/prevenção & controle; Condições de Trabalho; Riscos Ocupacionais; Saúde do Trabalhador.

 

INTRODUÇÃO

Não é recente a ideia de que o local de trabalho das pessoas apresenta situações de risco, responsáveis por acidentes e doenças. O ambiente de trabalho, mesmo com os diferentes modelos gerenciais de organização, possui riscos inerentes. Algumas das situações mais comuns de risco à geração de danos associados à produção são expostas na Tabela 1 a seguir1:

 

 

A sala de operações (SO) e diversos outros fatores tornam a prática da anestesiologia uma atividade dotada de diversos agentes agressores. E os estudos confirmam o fato de que o trabalho em centros cirúrgicos é um risco ocupacional.2

O objetivo desta revisão é apresentar as principais características de risco em que a prática da anestesiologia expõe aqueles que se dedicam profissionalmente a ela.

 

EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL ÀS RADIAÇÕES

Considerações iniciais

Radiação é uma forma de energia que se propaga de um ponto a outro no espaço (eletromagnética) ou num meio físico, material (mecânica). A utilização de certas radiações na Medicina, com finalidades diagnóstico-terapêuticas, não é recente e tem sido progressivamente mais utilizada.3-5

As radiações podem ser:

Ionizantes: dotadas de alta energia e que transferem esta energia para as partículas que são encontradas em sua trajetória, capazes, assim, de ionizarem, isto é, "arrancarem" elétrons de átomos ou moléculas, produzindo íons e radicais livres, que podem pertencer a partes vitais da célula, tal como o DNA. Exemplos: Raios-X, raios gama, nêutrons e partículas α e β.

Não ionizantes: dotadas de baixa energia, incapazes, portanto, de ionizarem átomos / moléculas. Exemplo: laser.

Exposição ocupacional de anestesiologistas aos Raios-X

Amplamente utilizados na Medicina (radiologia simples e intervencionista e nos procedimentos radioterápicos), não raro os anestesiologistas são solicitados a realizar anestesia nesses procedimentos.

A exposição ocupacional crônica pode ocasionar diversos malefícios, como alterações cromossômicas (neoplasias diversas, como de tireoide e leucemias), catarata, destruição celular e alterações fetais nas gestantes expostas (malformações, neoplasias e morte).

Entre as medidas de proteção utilizadas, citamos:

Manter a maior distância possível da fonte emissora: a diminuição da exposição é proporcional ao quadrado da distância da fonte (lei do quadrado do inverso). E, apesar disso, salienta-se que os Raios-X podem ser refletidos pelo paciente e estruturas adjacentes, contribuindo para a dispersão desses raios na circunvizinhança.

Utilizar mandatoriamente os equipamentos de proteção individual: aventais de chumbo dentro dos padrões técnicos, protetores de tireoide e gônadas, óculos, luvas e mangas protetoras.

Princípio da mínima exposição possível para se atingir o efeito desejável (as low as reasonably achievable), já que não existe nível mínimo de exposição plenamente seguro. Se disponíveis, utilização de anteparos móveis de chumbo, quando disponíveis.

Monitorização individual da exposição por meio de dosímetros individuais. A dose máxima recomendada é de 100 m rem / semana ou 5 rem / ano (no Sistema Internacional de Unidades, a unidade de dose de radiação é o Sievert, sendo que 1 rem equivale a 0,01 Sv). Apenas para se ter ideia, uma radiografia simples de tórax produz radiação em torno de 0.25 rem cada.

Atenção especial a certos procedimentos (angiografia digital com subtração de imagens e procedimentos hemodinâmicos) sabidamente maiores emissores de Raios-X.

Laser

Laser é a sigla para light amplification by stimulated emission of radiation, ou seja, é a radiação eletromagnética emitida por um dispositivo utilizando amplificação da luz por emissão de radiação estimulada. Diversos são os tipos e a maioria dos lasers utilizados na sala de cirurgia são os mais perigosos do ponto de vista ocupacional. Diferentemente dos Raios-X, a distância da fonte emissora não altera significativamente a intensidade da radiação.

Sua empregabilidade em cirurgias ganhou popularidade, pois concentra grande quantidade de energia numa pequena e precisa área, permitindo dissecções precisas, coagulação de pequenos vasos, mantém as condições de esterilidade e provoca menos resposta inflamatória.

Entre os riscos ocupacionais, destacam-se

Vaporização de tecidos: forma gases e fumaça, que podem conter pequenas partículas (podem conter DNA de vírus), contribuindo para a poluição ambiental, possível mutagenicidade, risco de embolia gasosa e redução da visibilidade do campo operatório.

Transferência inadvertida de calor: queimaduras e lesões na pele e principalmente nos olhos, ocasionando queimadura de córnea e retina, lesões no nervo óptico e catarata. Importante lembrar o grave risco de ignição de tubos traqueais, o que não é objetivo desta revisão.

Recomendações para minimizar o risco ocupacional

Utilização de óculos especialmente desenhados para proteção contra este tipo de radiação, a todos os presentes na sala cirúrgica.
Número mínimo de pessoas na sala cirúrgica.
Uso do dispositivo por pessoal treinado este tipo de radiação.
Manter a luz da sala cirúrgica acessa (miose reduz o risco de lesão na retina).
Remover joias, colares, brincos e anéis, para minimizar a reflexão do laser para fora do sítio cirúrgico.
permitir renovação contínua do ar da sala cirúrgica.

 

EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL A GASES ANESTÉSICOS2

A SO pode se contaminar por resíduos de agentes inalatórios de diversas formas: falha ao desligar as válvulas de controle de fluxo, máscaras faciais mal-adaptadas, flushing do circuito respiratório, enchimento de vaporizadores, cânulas traqueais sem balonete, sistemas respiratórios de anestesia pediátrica, amostragem sidestream dos analisadores de gases, falhas ou inexistência de sistemas de eliminação das SOs e escapes diversos (canisteres, anéis de vedação, mangueiras, etc.).

São riscos ocupacionais citados na literatura:

Em mulheres expostas: risco aumentado de abortamento espontâneo e de anormalidades congênitas no feto, câncer (cervical), doenças hepáticas e renais.
Em homens expostos: risco aumentado de hepatopatias, risco de anomalias congênitas na prole.

A mutagenicidade e a carcinogênese não foram confirmadas, podendo talvez existir somente em exposições improváveis de serem reproduzidas em humanos.

Os profissionais das salas de recuperação também são expostos, embora os níveis de resíduos sejam menores que os da SO.

Embora existam relatos negativos quanto aos efeitos da exposição ocupacional prolongada a resíduos desses gases, há ainda muitas controvérsias. Dados contraditórios são encontrados na literatura, mesmo nos trabalhos das forças-tarefas de renomadas instituições reguladoras internacionais.

A literatura cita alguns padrões de exposição máximos aos resíduos de agentes inalatórios:

25 partes por milhão (ppm) para óxido nitroso (como agente único).
2 ppm para halogenados (ou 0.5 ppm quando o óxido nitroso for usado simultaneamente).
100 ppm para óxido nitroso.
50 ppm para enflurano ou isoflurano.
10 ppm para halotano.

Como se vê, os diferentes valores citados refletem a dificuldade em ajustar os padrões.

 

EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL A AGENTES QUÍMICOS

Exposição ao polimetilmetacrilato (pmma)

Trata-se de agente comumente utilizado para cimentação óssea em ortopedia. Quando do preparo, concentrações elevadas já foram detectadas diluídas no ar da SO, o que expõe o pessoal desse ambiente a riscos ocupacionais, como irritação da pele, queimaduras, reações alérgicas, irritação ocular e cefaleia.6

Exposição à fumaça cirúrgica proveniente do campo operatório

A cauterização elétrica ou a laser de tecidos humanos produz diversos aerossóis (hidrocarbonetos complexos, material orgânico e, em alguns casos, células tumorais viáveis ou partículas virais7) que normalmente são lançados na SO, sendo passíveis de serem inalados pelo pessoal aí presente, o que, fatalmente, pode acarretar risco ocupacional: sintomas de irritação das vias aéreas (tosse crônica, estridor, congestão, exacerbação do broncoespasmo, cefaleia fadiga e irritação ocular).8

Chung et al.9 procuraram identificar os agentes presentes na fumaça decorrente da ressecção transuretral de próstata. Entre os diversos constituintes, três agentes químicos (1,3-butadieno, vinil-acetileno e acrilonitrilo) são muito tóxicos e carcinogênicos.9 As implicações da inalação crônica desses agentes precisam ser mais bem estudadas.

Entre as medidas de precaução estão a sucção, filtração e evacuação apropriada da fumaça cirúrgica10, medidas, infelizmente, negligenciadas ou pouco empregadas no nosso meio.

Risco da exposição cutânea em decorrência da manipulação de fármacos

Durante a atividade diária do anestesiologista, diversos agentes farmacêuticos são manipulados manualmente antes de serem administrados aos pacientes. Desta forma, o sistema imune pode sensibilizar-se frente à exposição cutânea (dermatite de contato, por exemplo), deixando aquele profissional em risco de desenvolver reações de hipersensibilidade a determinado fármaco.

Newman11, em recente autorrelato de caso, descreve uma grave reação alérgica ocorrida enquanto ele, um residente de anestesiologia, manipulava succinilcolina e tiopental. Testes cutâneos posteriores indicaram hipersensibilidade a todos os bloqueadores neuromusculares.

Postulou-se que a sensibilização ocorreu e anticorpos da classe IgE foram direcionados ao radical de amônio quaternário (comuns a todos estes fármacos e ainda encontrados em outros produtos, como produtos químicos de uso doméstico, certos cosméticos e de tratamento capilar e xaropes antitussígenos). Esse autor enfatiza o potencial risco ocupacional para os profissionais de saúde envolvidos na manipulação de fármacos.

Alergia ao látex

O látex é um produto muito presente no cotidiano dos profissionais de saúde, que estão no grupo de risco à exposição ocupacional, fato já considerado como um grave problema de saúde pública12. Proteínas do látex são os agentes alergênicos encontrados em quantidades variáveis nas luvas cirúrgicas, a principal fonte de antígenos entre esses profissionais. A exposição e sensibilização podem decorrer de12:

Contato com pele e mucosas.
Inalação de aerossóis formados pela ligação das proteínas do látex com poeira ou talco.
Ingestão.
Injeção parenteral.
Inoculação por ferimentos (por exemplo, dermatite de contato nas mãos dos anestesiologistas).

Os casos de alergia ao látex têm sido cada vez mais relatados13 e as manifestações clínicas variam de dermatite de contato (a mais comum e que não é imunologicamente mediada) à reação anafilática clássica.12

 

POLUIÇÃO SONORA NA SALA CIRÚRGICA

A literatura é bastante contundente de que a exposição ocupacional a ruídos não deva exceder 90 dB por oito horas diárias de trabalho.14

Nas SOs, os níveis sonoros podem estar elevados, aproximando-se ou mesmo ultrapassando o nível máximo permitido, sendo diversas as fontes poluidoras: ventiladores dos aparelhos de anestesia, cardioscópios, oxímetros de pulso, aspiradores, conversas, queda de materiais / equipamentos, instrumentos cirúrgicos como serras e furadeiras, aparelhos de ar-condicionado e música na SO.15

A poluição sonora pode acarretar uma série de efeitos indesejáveis15:

Prejuízo à comunicação dentro da sala cirúrgica e à capacidade de ouvir alarmes: aumenta o risco de condutas inadequadas ou negligentes.
Redução da eficiência mental, da memória, da capacidade de realizar tarefas mais complexas inerentes à atividade do anestesiologista, como monitorização e vigilância adequada.
Redução da capacidade produtiva, da acuidade auditiva e aumento da irritabilidade, do estresse, da liberação de catecolaminas, da frequência cardíaca e da pressão arterial.

Por outro lado, a música dentro da SO pode ser benéfica. Em recente editorial, Nociti descreve que a música relaxante (seleção e volume adequados) apresenta vantagens aos pacientes e, possivelmente, a todo o pessoal do ambiente cirúrgico, tais como a redução do nível de ansiedade pré-operatória, do consumo de ansiolíticos, ansiólise intraoperatória (comparável à dos benzodiazepínicos), melhor analgesia pós-operatória e mobilização mais precoce dos pacientes.16

 

AGRESSÕES PSICOLÓGICAS AO ANESTESIOLOGISTA EM DECORRÊNCIA DA ATIVIDADE PROFISSIONAL

Profissionais de saúde experimentam níveis epidêmicos de estresse, falta de satisfação com o trabalho e burnout ou síndrome do esgotamento profissional.17

A anestesiologia, em particular, é considerada por alguns como uma especialidade extremamente estressante18 e vários são os fatores de agressão ocupacional15,19:

Condições de trabalho inadequadas e insuficientes.
Poluição da SO (sonora ambiental).
Longas jornadas de trabalho.
Trabalho noturno e privação do sono.
Aumento da necessidade de produção.
Burocracia e regulação da atividade profissional: sobrecarga de responsabilidades.
Redução do tempo disponível com seus pacientes.
Redução dos ganhos remuneratórios.
Rápida expansão do conhecimento médico: necessidade de permanente atualização e falta de tempo para tal.
Assistência a pacientes extremamente graves.
Imagem pública de a anestesiologia ser uma especialidade inferior às outras.
Árduo processo de formação: tornam os residentes em anestesiologia particularmente propensos.

Adicionalmente, a própria personalidade do anestesiologista pode contribuir para o desgaste psíquico. Estudo que investigou este tema constatou que eles são mais reservados, sérios, inteligentes, assertivos, conscienciosos, autossuficientes e tensos quando comparados aos médicos de outras especialidades.20

As consequências são diversas: estresse, ansiedade, transtornos do humor, problemas pessoais (relações pessoais prejudicadas e abuso de substâncias/drogadição), ideias suicidas e suicídio, afastamento precoce e permanente do trabalho, doenças físicas, síndrome burnout, redução da sua performance profissional e remuneração, da vigilância a seus pacientes, da relação médico-paciente e, em decorrência disso, a ocorrência de má-prática, erros e demandas judiciais na especialidade.

Burnout é uma síndrome psíquica relacionada ao trabalho, isto é, um tipo de resposta prolongada a estresses emocionais e interpessoais crônicos no trabalho e que foi descrita inicialmente em 1970. Manifestações clínicas são usualmente pouco específicas e incluem fadiga, transtornos alimentares e do sono, cefaleia e instabilidade emocional21. É considerada presente quando o profissional, a partir de atributos mensuráveis descritos em 199022, refere altos escores de exaustão emocional (sensação subjetiva de fadiga ou estado mental confuso-estupor), baixa realização pessoal (sensação de frustração com o trabalho realizado) e despersonalização (tentativa do profissional de se separar de seu trabalho, como um mecanismo de defesa, gerando reação negativa, insensibilidade ou afastamento excessivo de seus pacientes).

De Oliveira et al.23, em recente artigo sobre o tema, mostram que aqueles envolvidos com direção de serviços de anestesiologia são também particularmente susceptíveis ao burnout. Hyman et al. confirmam que, num cenário multiprofissional de assistência de saúde, os médicos (especialmente os residentes) apresentam os mais altos escores globais dessa síndrome.24

Estudos constatam, ainda, que o estresse ocupacional converge para o estabelecimento de uma situação de fator de risco para a hipertensão arterial sistêmica (HAS)25 e outras doenças físicas. Pesquisas comparando grupos de médicos anestesiologistas com os de outras especialidades concluíram que os primeiros estão submetidos a estresse que provoca mais número de alterações psicológicas do que os demais. No mesmo estudo foi encontrado percentual de 22% de hipertensão arterial, 68% de ansiedade, 50% de transtornos do sono, além de gastrite, dores anginosas e outros sintomas.26 A solução para o tema não é simples e envolve planejamentos em nível institucional e de políticas nacionais de saúde ocupacional.

 

RISCO OCUPACIONAL DE DOENÇAS INFECCIOSAS

A transmissão de agentes infecciosos para o anestesiologista pode ser decorrência da combinação entre o contato com sangue, secreções e líquidos corporais dos pacientes, de acidentes com materiais perfurocortantes e/ou de ferimentos preexistentes no profissional (especialmente mãos) e, ainda, inalação de aerossóis.15

Diversos patógenos são passíveis de serem adquiridas pelo exercício da atividade ocupacional15:

Família herpes-vírus (varicela-zoster, herpes simples, citomegalovírus, Epstein-Barr).
Vírus da hepatite B (VHB): principal agente responsável pela transmissão de infecção a profissionais de saúde, os quais apresentam prevalência sorológica muito superior à da população em geral.
Vírus da hepatite C: maioria absoluta dos casos é pós-transfusional.
Vírus HIV: embora represente um dos maiores problemas de saúde da atualidade, em função de seu caráter pandêmico e de sua gravidade, não há, até o momento, relato de transmissão durante anestesia.27
Influenza-vírus e outros vírus do sistema respiratório.
Mycobacterium tuberculosis.

Estima-se que o VHB seja responsável por 1 milhão de mortes anualmente e que existam 350 milhões de portadores crônicos no mundo.28 De maneira semelhante às outras hepatites, as infecções causadas pelo VHB são habitualmente anictéricas e a cronificação (persistência do vírus por mais de seis meses) ocorre em aproximadamente 5 a 10% dos indivíduos adultos infectados. Uma particularidade da cronificação é a possibilidade de evolução para o câncer hepático, independentemente da existência de cirrose.29 A Tabela 2, a seguir, mostra as recomendações para a profilaxia da hepatite B após exposição ocupacional a material biológico, de acordo com o Ministério da Saúde29:

 

 

ABUSO DE SUBSTÂNCIAS E DROGADIÇÃO ENTRE ANESTESIOLOGISTAS

O abuso de uma substância é caracterizado por efeitos adversos significativos decorrentes do repetido uso desta substância. Já na adição, o uso contínuo de uma dada substância acarreta fortes impactos, tais como sintomas de abstinência, a necessidade de progressivas quantidades do fármaco (o que acarreta crescente procura pelo agente) e as infrutíferas tentativas do drogadito de autocontrolar seu uso.6 Entre os fatores causais desse grave problema, citam-se15:

Agressões psicológicas em decorrência da atividade profissional.
Facilidade de obtenção de fármacos psicoativos.
Desejo de experimentação aliado ao sentimento de "domínio" sobre o fármaco.
Baixa autoestima.
Predisposição genética.
Coexistência de desordens psiquiátricas (especialmente depressão).

O abuso/drogadição ocorre mais frequentemente entre os médicos do que na população em geral e, entre esses, os anestesiologistas são os mais sujeitos, especialmente os residentes.30 Estudos retrospectivos internacionais indicam prevalência de 1 a 2% de anestesiologistas vítimas de abuso/drogadição. No Brasil, estudo de 2005 revelou prevalência em torno de 12,5% entre esses profissionais, muito superior ao restante da população médica (3%).15

São citados diversos agentes envolvidos6,15: álcool, opioides (morfina, meperidina, fentanil, sufentanil), maconha, cocaína, benzodiazepínicos, propofol (em doses subanestésicas, especialmente nos últimos 10 anos31), tiopental e agentes inalatórios. Wilson et al.32 pesquisaram o abuso de agentes inalatórios em programas de residência de anestesiologia nos Estado Unidos, concluindo que o problema é de acentuada prevalência, que a taxa de mortalidade nos envolvidos é alta e confirmam que o abuso não é restrito apenas a agentes venosos32. Aliás, abuso/drogadição contribui diretamente para elevado índice de mortalidade e também de suicídio. Entre anestesiologistas, há quem destaque mais elevada ocorrência desses eventos, quando comparados aos demais médicos, fato este que necessita de estudos metodologicamente mais apurados, pois os resultados dos estudos sobre este ponto são conflitantes e questionados.6

Confirmado o quadro em questão (o que é geralmente difícil de ser feito), o anestesiologista deverá ser imediata e totalmente afastado de suas atividades laborais; e suporte psiquiátrico e familiar são essenciais. O tratamento é sempre muito difícil, assim como a sua reintegração à especialidade.

 

RISCO OCUPACIONAL DE ELETROCUSSÃO

À medida que, progressivamente, mais equipamentos eletroeletrônicos são incorporados ao arsenal médico na SO, o risco de choques elétricos no pessoal e nos pacientes aí presentes aumentou substancialmente.15,33,34

Os impactos da eletrocussão sobre tais vítimas na SO são bem conhecidos e podem variar de pequenas e desagradáveis sensações de choque elétrico a queimaduras diversas, lesões teciduais e disritmias cardíacas graves, incluindo a fibrilação ventricular.

Entre as medidas de proteção gerais, citam-se:

Manutenção periódica do material eletroeletrônico e da rede de abastecimento elétrica da SO por pessoal especializado (engenharia clínica).
Utilização de material e instalação elétrica em conformidade com as normas técnicas vigentes.
Cabos intactos e com três fios (um deles é o fio-terra).
Aterramento mandatório dos equipamentos (fio-terra).
Não utilização de adaptador múltiplo.

 

CONCLUSÃO

Há uma série de riscos ocupacionais relacionados à prática da anestesia. A toxicidade dos agentes inalatórios, particularmente do óxido nitroso, foi destacadamente mais expressiva no passado. Os agentes mais tóxicos foram abandonados e medidas de proteção (sistemas de evacuação, ventilação das SO, circuitos fechados de anestesia) diminuíram consideravelmente tais riscos.35

Risco ocupacional de doenças hemotransmissíveis também reduziu, graças à melhor observância às regras de segurança preconizadas.

O risco de alergia ao látex tem diminuído à medida que ocorre a substituição do látex por outros materiais. O risco relacionado à exposição a radiações ionizantes está mais bem controlado devido às rigorosas normas de proteção implementadas. O ambiente da SO envolve riscos de eletrocussão, fogo e explosão. Novos riscos têm sido identificados, como drogadição e burnout.

A frequência desses riscos ocupacionais é difícil de ser avaliada, mas eles podem trazer sérias consequências a pacientes e anestesiologistas. Já a prevenção envolve o reconhecimento precoce do problema, a busca por melhores condições de trabalho e de reconhecimento profissional.

A Tabela 3, a seguir, apresenta uma síntese do assunto objetivo deste artigo35:

 

 

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