RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 17. 3-4

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Artigo de Revisão

Deficiências nutricionais pós-cirurgia bariátrica em adultos com obesidade mórbida

Nutritional deficiencies after bariatric surgery in adults with morbid obesity

Roberta Augusta Duarte Chaves1; Thaís Tristão do Couto1; Karinne de Oliveira Valadares1; Maria Luiza Ferreira Stringhini2

1. Nutricionista graduada pela Universidade Federal de Goiás
2. Mestre em Ciências e Tecnologia de Alimentos. Profa. Assistente da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Goiás

Endereço para correspondência

Maria Luiza Ferreira Stringhini
Rua: T 29, nº 119 - Ed. Serra Mar - apto. 302 - Setor Bueno
Goiânia-GO CEP 74210-050

Resumo

A obesidade é uma doença crônica de etiologia multifatorial, sendo o resultado de complexas interações entre fatores genéticos, psicológicos, socioeconômicos, culturais e ambientais. A orientação dietética, a programação de atividade física e o uso de fármacos antiobesidade são as principais formas de tratamento. Pacientes com obesidade grau III não respondem a manobras terapêuticas convencionais, necessitando de intervenção mais eficaz. A cirurgia bariátrica tem-se mostrado um eficiente tratamento da obesidade mórbida. Entretanto, indivíduos submetidos a esse método podem apresentar, em médio e longo prazo, sinais de má-absorção e os mais variados graus de desnutrição protéico-energética, anemias e hipovitaminoses. Este artigo tem como objetivo rever os estudos publicados que abordam a prevalência, a etiologia e o tratamento cirúrgico da obesidade mórbida bem como os que avaliam as deficiências nutricionais em pacientes submetidos a esse procedimento.

Palavras-chave: Obesidade Mórbida; Etiologia; Cirurgia Bariátrica; Deficiências Nutricionais.

 

INTRODUÇÃO

Estudos epidemiológicos em populações latino-americanas têm relatado dados alarmantes quanto à prevalência da obesidade. À medida que se consegue erradicar a miséria entre as camadas mais pobres da população, a obesidade desponta como um problema mais freqüente e mais grave que a desnutrição. Este é o fenômeno da transição nutricional, que sobrecarrega o sistema de saúde com uma demanda crescente de atendimento a doenças crônicas relacionadas com a obesidade. Estima-se a morte de cerca de 200.000 pessoas anualmente, na América Latina, em decorrência de complicações da obesidade.1

A obesidade é considerada uma doença crônica, de etiologia multifatorial, cujo tratamento envolve modificações comportamentais, controle nutricional, utilização de medicamentos e um programa de exercícios físicos. Entretanto, pacientes com obesidade grau III geralmente não respondem a essas medidas terapêuticas para redução de peso corporal e podem necessitar de intervenção mais eficiente. A indicação da cirurgia bariátrica pode ser a solução de alguns casos de obesidade dessa natureza.2

O grande problema observado em indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica é que, em médio e longo prazo, os pacientes podem apresentar desnutrição protéico-energética, anemias e hipovitaminoses. Na maioria das vezes, essas carências nutricionais são completamente evitadas pelo acompanhamento do paciente por uma equipe multidisciplinar antes, durante e principalmente após o tratamento cirúrgico.3

Neste artigo é feita uma revisão sobre a prevalência, a etiologia e o tratamento cirúrgico da obesidade mórbida, assim como a ocorrência de deficiências nutricionais em pacientes submetidos a essa forma de intervenção.

 

OBESIDADE MÓRBIDA

O índice de massa corpórea (IMC= peso em kg/altura ao quadrado, em metros), como parâmetro para a identificação do estado nutricional, é a medida mais universal e objetiva.4 Segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO/OMS)5, o estado nutricional é classificado conforme indicado no Quadro 1, sendo considerado indivíduo obeso mórbido aquele com IMC igual ou superior a 40 kg/m2; quando o seu peso atual se encontra 50 kg acima do peso ideal ou 200% acima do peso ideal para sua altura.4

 

 

A obesidade grave, ou mórbida, está relacionada a alto risco de doenças degenerativas e mais mortalidade.6 Algumas doenças crônico-degenerativas não transmissíveis associadas à obesidade são as doenças cardiovasculares: hipertensão, acidente vascular cerebral, veias varicosais e trombose; as doenças respiratórias: apnéia do sono e síndrome de hipoventilação; as doenças gastrintestinais: hérnia de hiato, cálculo de vesícula biliar, cirrose e esteatose hepática; as doenças metabólicas: dislipidemia, resistência à insulina, diabetes mellitus, irregularidades menstruais e hiperandrogenização; as doenças dermatológicas: micoses, celulites e acantose; as doenças ortopédicas: osteoartrites e gota; e os cânceres: de mama, endometrial, de próstata e colorretal.

 

PREVALÊNCIA

A prevalência da obesidade aumentou muito nas últimas duas décadas, especialmente nas camadas mais pobres da população. Estima-se que atinja aproximadamente 15 a 20% da população adulta brasileira, sendo 3 a 5% obesos mórbidos, o que representa de 10 a 15 milhões de obesos, com 800 a 1 milhão de obesos mórbidos.1 Estudos de coorte em populações americanas mostraram que a prevalência da obesidade mórbida triplicou do ano de 1991 para 2000. Publicações do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) constataram aumento de 62% na prevalência de pessoas com obesidade mórbida nos Estados Unidos nos estudos publicados em 1988-94 e em 1999-2000.7

 

CAUSAS

A ocorrência da obesidade nos indivíduos reflete a interação entre fatores dietéticos e ambientais associados à predisposição genética. Acredita-se que os fatores genéticos possam estar relacionados com a alteração do balanço energético, ao controle do apetite e ao comportamento alimentar. Há indícios de que o componente genético atue sobre o gasto energético, em especial sobre a taxa metabólica basal (TMB), a qual é determinada principalmente pela quantidade de massa magra.6 Contudo, existem poucas evidências de que algumas populações sejam mais suscetíveis à obesidade por motivos genéticos, o que reforça serem a dieta e a atividade física as responsáveis pela diferença na prevalência da obesidade em diferentes grupos populacionais.5

Pode-se afirmar que as tendências de transição nutricional ocorrida neste século, em diferentes países do mundo, convergem para uma dieta menos fracionada, mais rica em gorduras (particularmente as de origem animal), açúcares e alimentos refinados e reduzida em carboidratos complexos e fibras, também conhecida como "dieta ocidental". Aliando esse fator ao declínio progressivo da atividade física dos indivíduos, percebem-se alterações na composição corporal e, principalmente, o aumento de gordura.8

O envelhecimento também está ligado ao ganho de peso. Com o avançar da idade, ocorre declínio na TMB em conseqüência da perda da massa muscular, diminuição na prática de atividades físicas e aumento no consumo alimentar. Conseqüentemente, ocorre substituição da massa magra por tecido adiposo, contribuindo para o excesso de peso e a associação de várias comorbidades.9

Certo número de desordens endócrinas também pode conduzir à obesidade. O hipotireoidismo e problemas no hipotálamo são algumas delas, mas representam menos de 1% dos casos de excesso de peso. Problemas psicológicos como estresse, ansiedade e depressão também estão associados ao ganho de peso, pois atuam influenciando o comportamento alimentar e promovendo compulsão alimentar.9

 

TRATAMENTO

A orientação dietética, a programação de atividade física e o uso de fármacos antiobesidade são os pilares principais do tratamento da obesidade no adulto. Entretanto, para a obesidade mórbida, esse tratamento convencional continua produzindo resultados insatisfatórios, com 95% dos pacientes recuperando seu peso inicial em até dois anos.10 Para estes casos, existem duas formas de tratamento: o não cirúrgico e o cirúrgico (Quadro 2).1,10,11

 

 

Tratamento Cirúrgico

De acordo com os dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica, o Brasil ocupa a segunda posição no triste ranking dos países que mais realizam esse procedimento cirúrgico para controle e perda de peso. Os brasileiros só ficam atrás dos americanos, mostrando o insucesso do tratamento convencional da obesidade em relação a dietas e medicação, devido a estratégias equivocadas.12

Segundo Ettinger13, o objetivo do tratamento cirúrgico é reduzir e manter o peso em patamares nos quais os riscos de obesidade se tornem aceitáveis e a mortalidade seja próxima à da população não obesa. A indicação do tratamento cirúrgico deve basear-se numa análise abrangente de múltiplos aspectos clínicos do obeso. A avaliação dos pacientes no pré-operatório deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar composta de endocrinologistas, nutricionistas, cardiologistas, pneumologistas, psiquiatras, psicólogos e cirurgiões.14

A seleção de pacientes requer um mínimo de cinco anos de evolução da obesidade com fracasso dos métodos convencionais de tratamento realizados por profissionais qualificados.14 São candidatos ao tratamento cirúrgico os pacientes com o IMC maior que 40kg/m2 ou com IMC superior a 35kg/m2 associado a co-morbidades, tais como apnéia do sono, diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemias e dificuldades de locomoção, entre outras de difícil manejo clínico.10 Segundo Waitzberg15, pacientes com ausência de causa endócrina de obesidade, como hipopituitarismo ou síndrome de Cushing, e pacientes com avaliação favorável das possibilidades impostas pela operação também são candidatos a tratamento cirúrgico. Deve-se atentar para o fato de que a abordagem cirúrgica restringe-se a indivíduos com idade entre 18 e 60 anos. Os mais jovens e mais velhos podem ser operados desde que tenham obesidade estável por mais de cinco anos, ou seja, que tenham perdido menos de 5% do peso ou até 10%, com ganhos freqüentes.13

Em geral, as contra-indicações para cirurgia bariátrica são as mesmas para qualquer cirurgia abdominal. Os pacientes com distúrbios psicóticos graves não podem ser operados, assim como aqueles com altos riscos anestésicos. Desordens alimentares devem ser cuidadosamente tratadas antes de se considerar a cirurgia, porque os procedimentos cirúrgicos, especialmente os que alteram o tamanho do estômago, restringindo a quantidade de alimentos, podem exacerbar a bulimia ou a anorexia nervosa.4

Diversas intervenções cirúrgicas têm sido empregadas com mais ou com menos sucesso no tratamento de obesidade mórbida.3 O tipo de intervenção depende de cada caso (grau de obesidade, doenças associadas, etc.), ressaltando-se que o tratamento cirúrgico apresenta riscos de mortalidade inferiores a 0,5%.11 O cirurgião deve escolher a técnica cirúrgica baseando-se principalmente na sua experiência, mas deve também levar em consideração os hábitos do paciente, seus aspectos psicológicos e sua expectativa.16 As cirurgias promovem o emagrecimento pela restrição alimentar e/ou desabsorção intestinal. No caso de restrição alimentar, o reservatório gástrico é reduzido e, desta forma, a quantidade de alimentos sólidos a ser ingerida é limitada. A desabsorção é obtida fazendose um desvio intestinal. Assim, o alimento ingerido percorre um caminho menor no intestino delgado, o que diminui a absorção dos nutrientes.1

 

DEFICIÊNCIAS NUTRICIONAIS PÓS-CIRURGIA BARIÁTRICA

O tratamento cirúrgico da obesidade iniciou-se na década de 50 e foi abandonado no fim da década de 70, pelos seus efeitos indesejáveis, graves e freqüentes, como diarréia, desidratação, vômitos, dor abdominal e problemas hepáticos. A partir de então, passaram a predominar os procedimentos que limitam a ingestão de alimentos, seja pela simples restrição da capacidade do estômago, seja por sua divisão e anastomose ao jejuno proximal.3

Atualmente, a fisiopatologia das intervenções cirúrgicas ainda é pouco estudada. Em algumas circunstâncias, isto pode resultar em complicações, sendo que as mais significativas incluem desde as carências de vitaminas e minerais até a desnutrição energético-protéica clássica. Alguns pacientes submetidos a cirurgias bariátricas podem apresentar hipocalemia, hipocalcemia, hipoalbuminemia, hiperbilirrubinemia, edema, osteomalácia (com fraturas ocasionais espontâneas), anemia e deficiência de vitamina B12 e ácido fólico.17

Todos os tipos de cirurgia bariátrica desorganizam a anatomia e/ou fisiologia digestiva no intuito de se contrapor-se ao balanço energético característico dos obesos. Conseqüentemente, esta conduta exige orientação dietética e monitorização pós-operatória em longo prazo. Sempre que esse acompanhamento não é praticado de forma conveniente ou se sobrevêm intercorrências externas que interferem drasticamente sobre o padrão alimentar ou sobre as necessidades energéticas e protéicas, atinge-se uma situação de risco.7 Após a cirurgia bariátrica, os pacientes mantêm ingestão alimentar diária entre 600 kcal e 900 kcal. Esse baixo consumo pode provocar complicações importantes, como desidratação, desequilíbrio hidroeletrolítico, hipotensão ortostática e aumento na concentração de ácido úrico, fadigas, cãibras musculares, cefaléia, distúrbio gastrintestinal e intolerância ao frio.3

Kushner18 cita que as principais circunstâncias em que a desnutrição energético-protéica tende a se instalar são decorrentes de problemas mecânicos com a cirurgia, como uma estenose do trato digestório alto, e da cirurgia biliopancreática, que é dotada de substancial risco de descompensação, quando não bem vigiada no seguimento tardio. Deficiências nutricionais também são comuns em pacientes rebeldes ou pouco atentos, que faltam ao ambulatório, não obedecem à dieta prescrita, esquecem-se de tomar os suplementos vitamínico-minerais e cometem outras transgressões por ação ou omissão.

Em estudo clínico retrospectivo enfocando uma série de 132 operações de Capella num período de 30 meses, acompanhadas no Hospital das Clínicas de São Paulo, quatro casos complicaramse com desnutrição calórico-protéica acentuada. Um quinto caso com derivação biliopancreática, operado em outro serviço, também foi incluído na casuística. Todos os pacientes apresentavam variáveis nutricionais satisfatórias no pré-operatório e estavam livres de doenças consumptivas ou transtornos digestivos e absortivos prévios. Neste estudo, três dos cinco casos foram vítimas de intercorrências clínicas ou cirúrgicas, as quais precederam e se associaram estreitamente ao início do quadro carencial.19

O grau de desnutrição atingido pelos pacientes do estudo anterior foi acentuado, configurando-se quase uma caquexia, embora, antropometricamente, os pacientes se enquadrassem mais precisamente no modelo de kwashiorkor. Assim, observou-se hipoalbuminemia, em nível de anasarca, ao lado de anemia e, em dois casos, hipocolesterolemia extrema com debilidade e comprometimento funcional hepático. Apenas um óbito foi assinalado, porém três enfermos vieram a falecer de desnutrição, em associação a outros quadros de base.19

Segundo Alvarez-Leite20, as deficiências de nutrientes apresentadas pelo paciente são proporcionais ao comprimento da área absortiva excluída do trânsito digestivo normal e à porcentagem de perda de peso. Baixos níveis de ferro, vitaminas B12 e D e cálcio são mais comuns na derivação gástrica em Y de Roux e as deficiências de proteínas e de vitaminas lipossolúveis são principalmente observadas após derivação biliopancreática. Guy et al.21 referem que a perda de peso após a derivação biliopancreática tipo duodenal ocorre devido à redução na absorção de lipídios, que pode resultar na deficiência das vitaminas lipossolúveis, com conseqüências clínicas graves, tais como alopécia e alteração no metabolismo de cálcio, ocasionando osteomalácia.

Estudo realizado na New York University School of Medicine (New York, Estados Unidos) e no Wesley Medical Center (Bresbane, Austrália) com 170 pacientes submetidos à derivação biliopancreática tipo duodenal revelou que, após quatro anos da realização da cirurgia, 69% dos pacientes passaram a apresentar deficiência de vitamina A, 68% apresentaram deficiência de vitamina K e 63% deficiência de vitamina D. A incidência da deficiência de vitamina E e de zinco não aumentou com o tempo póscirúrgico. A incidência de hipocalcemia aumentou de 15 para 48% durante o período do estudo, com aumento correspondente nos valores do hormônio paratireoidiano em 69% dos pacientes. Desta forma, em decorrência desse aumento progressivo na incidência e gravidade das hipovitaminoses A, D e K após a cirurgia de derivação biliopancreática, concluiu-se ser primordial uma monitorização nutricional de longo prazo.21

Deficiência aguda de vitamina B1 vincula-se a quadros neurológicos graves, como a síndrome de Wernicke-Korsakoff e neuropatias periféricas. A imensa maioria dos casos ocorre entre alcoólatras crônicos com dieta pobre e mal equilibrada, porém há um contingente de pacientes com emagrecimento acelerado por tratamento antiobesidade, em que essa carência nutricional também é observada.22,23 Não é bem conhecida a patogenia da síndrome de Wernicke-Korsakoff, nem das demais aberrações neurológicas imputadas às deficiências vitamínicas e que podem abranger polineuropatias, psicoses, síndrome de Guillain-Barri e até cegueira. Todavia, sua instalação é tipicamente precoce, da ordem de poucas semanas até 2-3 meses depois das circunstâncias que precipitaram o desequilíbrio nutricional.24

Loh et al.24 estudaram pacientes que passaram a apresentar a síndrome de Wernicke-Korsakoff após dois meses da cirurgia bariátrica. Esses indivíduos exibiam sintomas como náuseas, vômitos, dormência em membros inferiores e superiores, diminuição progressiva da força muscular e distúrbio neurológico. Após quatro meses de suplementação com tiamina, passaram a andar normalmente, porém persistiu a deficiência de memória. Mesmo com a terapia precoce aplicada, os resultados permaneceram insatisfatórios, devido ao efeito irreversível e citotóxico da deficiência de vitamina B1 sobre as regiões do cérebro. No Brasil, os pacientes bariátricos que evoluem com náuseas e vômitos persistentes são raríssimos, assim como são escassos os episódios de complicações neurológicas, existindo registro de apenas dois temas livres publicados no país.25

Outro estudo realizado por Skroubis et al.26 em pacientes submetidos à cirurgia por derivação em Y de Roux e à derivação biliopancreática tipo duodenal demonstrou os riscos de seqüelas metabólicas secundárias à má-absorção. Nessa pesquisa, a variedade dos parâmetros nutricionais incluindo hemoglobina, ferro, ácido fólico, vitamina B12 e albumina sérica não teve diferenças significativas no pré e pós-operatório. Somente a ferritina mostrou alteração significativa nos dois anos seguintes à cirurgia. Todas as deficiências encontradas no estudo tiveram sintomatologia clínica moderada e foram facilmente corrigidas com a suplementação adicional, sem necessidade de hospitalização. Em relação à albumina sérica, somente um paciente submetido à cirurgia por derivação em Y de Roux e dois submetidos à cirurgia de derivação biliopancreática apresentaram níveis abaixo de 3g/dia.

 

INTERVENÇÃO NUTRICIONAL NO PRÉ E PÓS-CIRÚRGICO

Segundo Sugerman et al.27, o intuito do aconselhamento médico e nutricional no período préoperatório é o aumento do potencial do sucesso no pós-operatório. O objetivo dessa conduta é promover perda de peso inicial; reforçar a percepção do paciente de que a perda de peso é possível, quando o balanço energético se torna negativo; identificar erros e transtornos alimentares; promover expectativas reais de perda de peso; preparar o paciente para alimentação no pós-operatório; e verificar seu potencial para o sucesso da cirurgia.

No pré-operatório, o plano de introdução gradual de alimentos deve ser apresentado com recursos didáticos que garantam a compreensão do paciente sobre a sua capacidade gástrica no pós-operatório, sobre os desconfortos fisiológicos potenciais e as conseqüências que podem ser experimentadas. A responsabilidade do indivíduo no autocuidado também é enfatizada durante esta fase.27

Como as técnicas de cirurgia bariátrica impõem restrição no volume ingerido, o paciente deverá ser orientado a incluir em seu cardápio alimentos de melhor qualidade nutricional. A seleção de alimentos, neste caso, deverá ser mais qualitativa do que quantitativa.3

A análise de ingestão deverá ser criteriosamente monitorada. Deve-se enfocar, em relação aos macronutrientes, a ingestão protéica, visto que a restrição gástrica não permite a ingestão da cota diária necessária para a manutenção de massa protéica visceral e muscular. A suplementação de proteínas deverá ser rotineira nesses casos. Além da suplementação, o nutricionista deverá estimular a ingestão de proteína de alto valor biológico e a mastigação eficiente. O paciente deverá ser orientado a ingerir pequenas porções de alimento por vez, descansando o talher entre as garfadas. Isto ajudará a aumentar o tempo de refeição e proporcionará ao paciente o tempo para a obtenção de uma mastigação eficaz.7

O uso de suplementos de vitaminas e minerais é muito importante para evitarem-se deficiências após a cirurgia.20 Na população estudada por Cambi, Michels e Marchesini28, grande parte dos pacientes aceitou o uso de suplementos, porém poucos foram usuários assíduos, resultando em complicações nutricionais.

Existem controvérsias entre os autores quanto ao tipo de dieta a ser oferecida após a realização da cirurgia. Alguns especialistas tradicionalmente recomendam a prescrição da alimentação de consistência líquida restrita, evoluindo para líquida completa até a alta hospitalar. A etapa seguinte envolveria a introdução de alimentos pastosos, para evitar distensão gástrica, ocorrendo a evolução para a alimentação sólida somente após 12 semanas da realização da cirurgia.4

O acompanhamento clínico-nutricional no póscirúrgico deverá ser feito rotineiramente. A perda do excesso de peso, a avaliação da composição corporal, a presença ou não de sinais clínicos associados a carências nutricionais específicas, as análises bioquímicas e o acompanhamento da ingestão alimentar são fatores importantes que deverão ser observados.7,29

 

CONCLUSÃO

O tratamento cirúrgico da obesidade mórbida, quando realizado de acordo com as diretrizes internacionais vigentes, representa importante recurso terapêutico para pacientes com obesidade mórbida. A perda de peso não é só significativa, como duradoura. A atenuação das co-morbidades e a melhora da qualidade de vida dos pacientes também são evidentes.7 A intervenção nutricional tanto no pré quanto no pós-operatório reduz a incidência de complicações após a cirurgia. Assim, se enfatiza a importância da elaboração de um protocolo de atendimento nutricional que contemple e priorize os aspectos de educação nutricional no preparo cuidadoso do paciente no pré-operatório e a monitorização detalhada no pós-operatório.3

A cirurgia bariátrica é o estágio final de um processo que se inicia na infância e na adolescência, não sendo considerada a solução do tratamento da obesidade. O estilo de vida das populações ocidentais (hábitos alimentares inadequados e baixos níveis de atividade física) permite grande margem de ação para a prevenção dessa doença, por meio de abordagens integradas envolvendo indivíduos de todas as faixas etárias. Intervir de maneira preventiva na obesidade tende a ser mais fácil, menos oneroso e potencialmente mais efetivo.30

 

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