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CAPES/Qualis: B2
Há lugar para o uso de probióticos na prevenção e no tratamento da dermatite atópica pediátrica?
Can probiotics play a role in the prevention and treatment of pediatric atopic dermatiti
Myrian Ferrara Lara1; Mayara Ribeiro da Costa1; Romero Vitor Silva Júnior1; Paola Assunção Mendes1; Patrícia Lima Moreira1; Paula Castro Américo de Freitas1; Victor Buratto dos Santos Queiroz1; Vera Lúcia Angelo Andrade2; Liubiana Arantes de Araújo3
1. Acadêmico(a) do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Alfenas - Unifemas. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médica. Doutora em Patologia. Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Unifenas. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Médica. Doutora em Neuropediatria. Professora Adjunta da Universidade Federal de Ouro Preto e da Faculdade de Medicina da Unifenas. Belo Horizonte, MG - Brasil
Romero Vitor Silva Júnior
E-mail: romerovitor@yahoo.com.br
Instituição: Faculdade de Medicina da Unifenas Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
A dermatite atópica (DA) é a doença dermatológica crônica mais frequente na infância e traz impacto negativo na qualidade de vida do paciente e de seus familiares. Os probióticos surgem como uma nova opção terapêutica, pela sua capacidade de modulação da reposta imunológica do hospedeiro, produzindo benefícios à saúde. Realizou-se uma busca nas plataformas de dados científicos PubMed, SciELO e Cochrane, apurando estudos nos idiomas português, inglês e espanhol. Baseado nos bancos de descritores DeCS e MeSH foram utilizadas as seguintes palavras/expressões: probiotics, probiotics and atopic dermatitis, atopic dermatitis and child e suas correspondentes nas demais línguas, sendo selecionados estudos entre 1993 e 2014. Considerando o papel dos probióticos na prevenção da DA, foram encontrados sete ensaios clínicos randomizados, sendo que quatro destes apresentaram desfecho positivo e os demais foram inconclusivos. Avaliando-se as possibilidades terapêuticas dos probióticos, cinco dos sete estudos analisados evidenciaram que a imunomodulação exercida pelas cepas probióticas tem melhor resposta à DA, além de menos efeito colateral que o obtido com o uso de corticoides e imunossupressores sistêmicos. O uso de probióticos na prevenção e no tratamento da DA mostrou-se seguro e eficaz, com descrição de efeitos colaterais em apenas um estudo. É possível que a suplementação com probióticos alcance seu lugar no manejo clínico da DA, podendo ser uma alternativa mais interessante e menos onerosa se comparada à terapia conservadora utilizada atualmente.
Palavras-chave: Dermatite Atópica; Dermatite Atópica/prevenção & Controle; Dermatite Atópica/terapia; Probióticos; Criança; Terapêutica; Pediatria.
INTRODUÇÃO
A dermatite atópica (DA), também conhecida como eczema atópico, é uma doença inflamatória crônica da pele1, de caráter recidivante, que resulta em distúrbio na função da barreira epidérmica.2-4 Sua etiopatogênese é multifatorial, resultado de uma interação complexa entre fatores genéticos e ambientais, sendo ambos envolvidos em sua predisposição e seu desenvolvimento.5,6 Descrições de condições dermatológicas pruriginosas crônicas datam de textos antigos de Hipócrates, porém a dermatite atópica foi mencionada na literatura pela primeira vez por Suetonus, com o caso do imperador Augusto, que apresentava doença pruriginosa de pele associada a queixas respiratórias sazonais.7
A DA é a doença dermatológica crônica mais frequente na infância e uma das mais comuns nessa faixa etária, representando grande desafio em Pediatria.8 Sua prevalência triplicou nos países industrializados nas últimas três décadas, afetando 2 a 10% dos adultos e 15 a 30% das crianças em todo o mundo3, sendo 20% lactentes9; 45% dos casos da doença começam nos primeiros seis meses de vida, 60% durante o primeiro ano e 85% têm início antes dos cinco anos de idade.3
As características e a localização das lesões variam com a idade, o que permite dividir a clínica da doença por faixas etárias. No lactente, as primeiras lesões eczematosas costumam acometer o couro cabeludo e as bochechas e, com a coçadura, tornam-se erosões crostosas. A infecção secundária ao quadro de exsudação e crostas é comum. No pré-escolar, as lesões acometem superfícies flexoras, parte dorsal dos membros e a nuca. As pápulas eritematosas e vesículas são substituídas gradualmente por liquenificação, sendo que 60% dos pacientes apresentam melhora efetiva ou desaparecimento total das lesões nessa fase. Nos adolescentes e adultos ocorre liquenificação com acometimento das superfícies flexoras, do pescoço e da cabeça.3,4
A doença faz parte da chamada marcha atópica, podendo vir acompanhada de outras afecções alérgicas5,7,10; 50 a 80% das crianças acometidas desenvolvem posteriormente quadros de rinite e/ou asma e indivíduos com as formas moderada/grave de DA na infância são candidatos naturais à manutenção da doença quando adultos.2,11
Em casos em que a DA cursa de maneira mais grave e disseminada, o paciente tem repercussões negativas em sua qualidade de vida, devido à sintomatologia e ao quadro arrastado.12,13 O prurido é responsável por insônia em mais de 60% das crianças. A privação do sono ocasiona fadiga e prejudica o desenvolvimento psicossocial e escolar, podendo gerar alterações psicológicas, isolamento social e grave depressão no futuro.9
As limitações nas atividades diárias também causam grande transtorno, já que atividades simples podem agravar as manifestações da DA, como a duração do banho, roupa usada, uso de emolientes e prática de esportes.12,13
O diagnóstico da dermatite atópica é baseado nos critérios de Hanifin&Rajka, que estabelecem critérios maiores e menores para a definição do quadro da atopia em questão, sendo necessários três maiores e três menores associados para confirmação.6,14 Apesar de descritos em 1980, os critérios são amplamente utilizados na prática clínica e chegam a apresentar sensibilidade de até 96%.14,15 Atualmente, a Sociedade Brasileira de Pediatria considera que o diagnóstico da DA seja baseado na clínica da doença, para o qual os parâmetros são prurido cutâneo somado a três ou mais dos critérios a seguir:
prurido envolvendo áreas flexurais ou cervical;
asma ou rinite alérgica ou história familiar de doença atópica em parente de primeiro grau para menores de quatro anos;
pele seca generalizada no último ano;
dermatite atual envolvendo áreas flexurais (ou região malar/fronte/face externa dos membros em pacientes menores de quatro anos);
início das lesões de pele antes dos dois anos de idade (para pacientes com quatro anos ou mais);
uma ou mais manifestações atípicas de dermatite atópica.16
A prevenção da DA é baseada principalmente no cuidado da pele, a partir da utilização de hidratantes e emolientes. O controle ambiental é outro ponto importante, pois o paciente deve evitar contato com fatores desencadeantes da atopia, de modo a prevenir e controlar o surgimento de prurido e inflamações na derme. No tratamento é indicado o uso de corti-costeroides tópicos, inibidores da calcineurina, anti-histamínicos e imunossupressores sistêmicos.6,17,18
A adesão a esses tratamentos tradicionais, no entanto, muitas vezes é prejudicada pela falta de esclarecimento a respeito do caráter crônico e recidivante dessa enfermidade e, portanto, da necessidade de cuidados contínuos para o controle da inflamação e a restauração da barreira cutânea. Somado a isso, há o receio dos pacientes e familiares com o uso prolongado de corticoides tópicos e a preocupação com os possíveis efeitos secundários dos imunomoduladores.19 Assim, devido à necessidade de novas alternativas, atualmente o uso de probióticos tem sido amplamente pesquisado como possibilidade terapêutica complementar à dermatite atópica.20
Os probióticos são microrganismos vivos capazes de alcançar o trato gastrintestinal e alterar a composição da microbiota, produzindo efeitos benéficos à saúde do hospedeiro quando consumidos em quantidades adequadas.8,9,11 Seu uso vem crescendo muito entre as doenças dermatológicas, como a dermatite atópica, e também em diferentes situações clínicas, como: profilaxia e tratamento para constipação, doença inflamatória intestinal, doença hepática, pacientes em terapia intensiva, pancreatite aguda grave, distúrbios de absorção do cálcio, entre outras.20
Observando os efeitos benéficos do uso de probióticos e os escassos efeitos adversos de sua suplementação, o objetivo do presente trabalho é estabelecer a relevância do seu uso nos quadros de DA na infância, seja no tratamento ou na profilaxia.
A DA é motivo de expressivo ônus econômico, apresentando custos que se assemelham àqueles do manejo clínico da asma e culmina em diminuição da qualidade de vida, com implicações negativas para as crianças e seus familiares.3,13 Sendo assim, faz-se necessária a mensuração da qualidade de vida dos pacientes por meio de instrumentos como o Scoring Atopic Dermatitis (SCORAD), que se tornou uma ferramenta de referência para o acompanhamento e a avaliação da doença pelos médicos. Ele avalia a gravidade do eczema baseado nos parâmetros: extensão, intensidade e importância do prurido e das perturbações do sono.21
O diagnóstico e tratamento precoces podem evitar a importante morbidade causada pelos distúrbios do sono, alterações cutâneas crônicas pós-inflamatórias, cicatrizes por coçadura e o desenvolvimento de infecções secundárias da pele, o que torna esta revisão bibliográfica epidemiologicamente válida.10
METODOLOGIA
Para a realização deste artigo foi feita busca nas plataformas de dados científicos PubMed, SciELO eCochrane, selecionando estudos nos idiomas português, inglês e espanhol. Baseado nos bancos de descritores DeCS e MeSH, foram utilizadas as seguintes palavras e expressões: probiotics, probiotics and atopic dermatitis,atopic dermatitis and child e suas correspondentes nas demais línguas. Encontraram-se 145 publicações e, após o refinamento pelo tipo de estudo, período de publicação, estudo realizado em humanos e foco no tema dermatite atópica e probióticos, restringiu-se a 37 publicações. O presente estudo é um artigo de revisão baseado em trabalhos de ensaios clínicos, artigo original, revisão e metanálises publicados no período de 1993 a 2014.
PREBIÓTICOS, PROBIÓTICOS E SIMBIÓTICOS
Os probióticos são microrganismos vivos capazes de alcançar o trato gastrintestinal e alterar a composição da microbiota, produzindo efeitos benéficos à saúde do hospedeiro quando consumidos em quantidades adequadas.8,9,11 Esses efeitos estão direta e exclusivamente relacionados ao tipo de cepa utilizada.22 Os prebióticos, por sua vez, são definidos como carboidratos não digeríveis que estimulam o crescimento seletivo e/ou a atividade de um grupo de bactérias no colo, trazendo benefícios à saúde do indivíduo.8,11 Os simbióticos são compostos pela mistura de prebióticos e probióticos em quantidades variadas, com as mesmas características propostas para esses componentes utilizados de forma separada.8 Para definição de um microrganismo como probiótico, estabeleceram-se alguns critérios: origem humana; não patogênico; resistência a processamento; estabilidade à secreção ácida e biliar; adesão à célula epitelial; capacidade de persistir no trato gastrintestinal e capacidade de influenciar atividade metabólica local.22 A maior parte dos probióticos na atualidade é de bactérias produtoras de ácido lático pertencentes aos gêneros: Lactobacillus e Bifidobacterium. Porém, há crescente número de linhagens não produtoras de ácido lático que estão inclusas: Bacillus, Clostridium, Propionibacteriume a Gram-negativa Escherichia coli23.
Os mecanismos exatos de ação dos probióticos e como eles influenciariam a microbiota intestinal ainda não foram plenamente estabelecidos.9,22 De acordo com a sua própria definição, o probiótico deve estar viável no momento do consumo mesmo após contato com o ácido gástrico e com os sais biliares. Além de vencer essa barreira química, os probióticos devem se aderir à superfície intestinal, onde desempenham suas funções, competindo com agentes patogênicos e modulando as respostas inflamatórias e imunológicas do hospedeiro. Os probióticos não se multiplicam com rapidez, razão pela qual não permanecem como colonizadores perenes do tubo digestivo. São capazes de alterar favoravelmente a microbiota intestinal, inibir o crescimento de bactérias patogênicas, promover digestão adequada, estimular a função imunológica local e aumentar a resistência à infecção.22
Há também efeitos profiláticos da amamentação nos primeiros meses de vida contra o desenvolvimento das doenças alérgicas. Além dos diversos fatores presentes no leite humano, que podem estar relacionados a tais mecanismos protetores, acrescenta-se o papel da microbiota intestinal, que estimula o equilíbrio do sistema imunológico. Para conseguir tal efeito, é importante iniciar a suplementação com probióticos antes do nascimento, com início ideal durante a gravidez, quatro semanas antes do parto, e prosseguir o uso até as primeiras seis semanas de vida.8
Logo após o nascimento, inicia-se a colonização do lactente, sendo diversos os fatores que interferem nesse processo: tipo de parto, flora intestinal materna, condições de higiene e o tipo de nutrição oferecida. Crianças que recebem aleitamento materno aumentam rapidamente o número de bifidobactérias em seu trato gastrintestinal, ocorrendo sua colonização em apenas quatro dias de vida.9 As bifidobactérias e os lactobacilos representam mais de 90% da flora intestinal já nos primeiros dias de vida8. O leite materno frequentemente possui pequenas quantidades de bactérias não patogênicas, como: Streptococcus, Micrococcus, Lactobacillus, Staphylococcus,Corynebacterium e Bifidobacterium. Em geral, as bactérias começam a aparecer nas fezes poucas horas após o nascimento.9
IMUNOLOGIA
O papel dos probióticos na prevenção e tratamento da DA consiste na sua modulação da resposta imunológica, a qual está exacerbada no indivíduo atópico. A resposta alérgica foi descrita pela primeira vez como um desequilíbrio entre as respostas Th1 e Th2. Sendo assim, os probióticos inibiriam as doenças alérgicas, suprimindo a resposta Th2 e suas respectivas interleucinas (IL). Com novos estudos, a ação dos probióticos nessa modulação foi mais bem esclarecida, sendo que em um estudo que utilizou ratos como modelo, o uso de probióticos tópicos suprimiu a resposta Th17 na pele. A resposta alérgica se dá pelo contato com o alérgeno, o que ativa a liberação de linfopoietinaestromal do timo (TSLP). Essa citocina reguladora da resposta Th2 age nas células apresentadoras de antígeno (APC), as quais estimulam a diferenciação de células T naive em Th2 e Th17.
As manifestações clínicas se dão pela indução inflamatória desencadeada por essas células. Os probióticos agem estimulando a liberação de células T reguladoras (Treg) que modulam tanto a diferenciação de células Th2 e Th17, quanto a liberação de TSLP. É importante ressaltar que este estudo considera essas citocinas e células como principais responsáveis pela reposta imunológica na DA, porém mais estudos devem ser realizados a fim de esclarecer e identificar possíveis mecanismos coexistentes em doenças alérgicas.24
EFICÁCIA DOS PROBIÓTICOS NA PREVENÇÃO E NO TRATAMENTO DE DERMATITE ATÓPICA
Diante da possibilidade de uma intervenção diferente e eficaz na dermatite atópica, diversos estudos buscam avaliar se o uso de probióticos é uma opção viável para o manejo clínico dessa enfermidade. Este estudo avaliou 14 ensaios clínicos randomizados publicados entre os anos de 2001 e 2013, sendo que foram encontrados nove artigos nos quais houve resposta efetiva do uso de probióticos, seja na prevenção ou no tratamento do eczema atópico. Os demais estudos não comprovaram qualquer benefício do uso de probióticos, mas evidenciaram que sua utilização é segura.
Os dados dos estudos encontram-se nas tabelas que se seguem, sendo que a Tabela 1 corresponde aos trabalhos de prevenção e a Tabela 2 aos de tratamento.
USO DE PROBIÓTICOS NA PREVENÇÃO
Considerando a prevenção da dermatite atópica, foram encontrados sete ensaios clínicos abordados na Tabela 1, sendo que quatro deles obtiveram resultados positivos.
Kim et al.25, Wickens et al.26 e Kalliomaki et al.18 realizaram a intervenção em mães e recém-nascidos com risco de desenvolver DA, enquanto Rautava et al.27 avaliaram a suplementação exclusiva maternal. Este último constatou que a suplementação pré-natal com probióticos modula a composição da microbiota vaginal e intestinal materna, fornecendo importante inóculo colonizador para o recém-nascido, apresentando, portanto, efeito sobre a colonização do intestino neonatal. Além da intervenção pré-natal, a suplementação materna com probióticos durante a amamentação pode modular o risco da doença no recém-nascido. Rautava et al.27 sugerem também que a intervenção materna exerce seu efeito via modulação específica das propriedades imunológicas do leite materno e que este age como um veículo para introduzir a microbiota intestinal materna para o recém-nascido em ambiente imunológico tolerogênico. Sendo assim, faz-se necessária análise mais profunda para a comprovação da maneira correta de suplementação.
Foram utilizadas cepas únicas por Wickens et al.26 e Kalliomaki et al.18 e combinações de cepas foram utilizadas por Rautava et al.27 e Kim et al.25, encontrando-se efetividade nas cepas individuais de Lactobacillus rhamnosus HN001e Lactobacillus rhamnosus GG e nas combinações de Bifidobacterium lactis, Bifidobacterium bifidum e Lactobacillus acidophilus; Lactobacillus rhamnosus e Bifidobacterium longum; Lactobacillus paracasei e Bifidobacterium longum. A suplementação com combinações de duas ou mais cepas deixa espaço para especular se o uso de uma única cepa seria igualmente efetivo, questionamento validado pelo estudo de Wickens et al.26, em que não foi encontrado efeito significativo do uso individual da cepa de B. lactis em quaisquer resultados. Há também que se considerar os possíveis mecanismos sinergísticos da combinação de cepas diferentes de probióticos, como observado por Rautava et al.27 em seu estudo.
A eficácia atingida pela suplementação de probióticos na prevenção da dermatite atópica foi comprovada por Wickens et al.26, Kalliomaki et al.18, Rautava et al.27 e Kim et al.25, sendo que nenhum dos estudos cursou com o aparecimento de efeitos colaterais dessa suplementação. Kim et al.25 questionaram se o efeito protetor dos probióticos seria mantido posteriormente a seu estudo, pergunta que foi respondida por Wickens et al.26 em seu estudo ao relatar diminuição na incidência e prevalência da DA, efeito este que se prolonga dois anos após cessar a suplementação com probióticos. O estudo ainda vai além e demonstra efeito protetor dos probióticos na rinoconjuntivite e na asma.
Os estudos de Boyle et al.28, Koop et al.29 e Niers et al.30 não provaram a eficácia da suplementação dos probióticos na profilaxia DA.
Boyle et al.28 realizaram intervenção durante a gravidez, com o uso de Lactobacillus GG (LGG) a partir da 36ª semana de gestação até o parto, contrapondo-se com um grupo-placebo. Os resultados encontraram que não houve diferença significativa entre os grupos - sem redução de risco para DA, sem redução dos níveis de IgE ou qualquer alteração nos marcadores imunológicos no sangue do cordão umbilical. Por outro lado, houve redução dos níveis solúveis de CD4 e IgA no leite materno. A falta de efeitos clínicos no estudo pode estar relacionada ao tipo de cepa probiótica e à inesperada alteração da composição do leite materno após a suplementação - uma vez que CD4 e IgA possuem importante papel na proteção contra DA.
Koop et al.29 também realizaram intervenção durante a gravidez, mas prolongou-a aos recém-nascidos por seis meses e observou-os até os dois anos de idade. Utilizando o mesmo tipo de cepa, ele também obteve resultados sem significância estatística, uma vez que não houve diferença do risco de DA nas crianças que receberam suplementação e naquelas do grupo-placebo. Além disso, em relação às crianças que apresentaram DA, não houve diferença relevante na gravidade do quadro quando comparados os dois grupos. Os fatores que poderiam explicar os resultados negativos, como o tipo de parto, o peso ao nascer, o sexo, a história familiar, o uso de antibióticos ou a duração da amamentação não alteraram a principal conclusão do estudo: a suplementação com LGG durante a gravidez e primeira infância não reduziu a incidência de dermatite atópica, bem como não alterou a gravidade da dermatite atópica em crianças afetadas.
Neirs et al.30, por sua vez, instituíram a intervenção com probióticos - Bifidobacterium bifidum, Bifidobacterium lactis e Lactocobacillus lactis - nos primeiros três meses de vida dos recém-nascidos com alto risco de DA. Seu estudo salientou que a prevenção da DA ocorre primeiro com a modulação da microbiota intestinal, para, então, obter-se resultados positivos no sistema imunitário das crianças. Porém, de acordo com os resultados, não houve ação na prevenção da DA em crianças de alto risco. Uma das limitações do estudo foi o alto índice de desistência, ou a pedido dos pais ou por motivos de saúde materna relacionada à gravidez.
USO DE PROBIÓTICOS NO TRATAMENTO
Avaliando-se as possibilidades terapêuticas dos probióticos, observa-se que a imunomodulação exercida por essas bactérias incita à investigação de cepas com melhor resposta para a DA e menos efeito colateral que o obtido com o uso de corticoides. Cinco ensaios clínicos randomizados abordados na Tabela 2 registraram melhora da dermatite atópica em pacientes que utilizaram diversas cepas de probióticos.
Os estudos que demonstraram eficácia no uso de probióticos como terapia alternativa para a DA indicaram que a suplementação destes pode acelerar a evolução favorável da doença e fazer com que as crianças persistam assintomáticas por um período, mesmo após o término do tratamento. Isso, provavelmente, decorre dos efeitos persistentes na microbiota fecal e na resposta imunológica.
Yavuz et al.31, Gerasimov et al.32 e Weston et al.33 comprovaram melhora clínica importante, associada a maior queda na média de pontuação SCORAD da qualidade de vida das crianças que receberam probióticos, quando comparadas às crianças do grupo-placebo. O estudo de Rosenfeldt et al.34, no entanto, apesar da notável melhora do eczema durante o tratamento, não alterou o índice total do SCORAD de maneira relevante, pois apenas o quesito prurido teve significância estatística. Tais estudos, mesmo utilizando cepas diferentes, obtiveram resultados positivos no tratamento da dermatite atópica.
Han et al.35 também referiram redução da gravidade clínica da DA pediátrica, consequente ao uso de Lactobacillus plantarum CJLP133. Essa melhoria correlaciona-se com as alterações nas contagens de eosinófilos de sangue periférico e da expressão de IFN-gama e IL-4 no RNAm, sugerindo que a alteração imunológica está envolvida no resultado da terapia com probióticos. Entretanto, o efeito em longo prazo da suplementação dessa cepa ainda não está claro, já que ela não persiste no intestino.
Os estudos mencionados na Tabela 2 que evidenciaram resultados inconclusivos ou indiferentes quanto ao uso complementar dos probióticos foram os de Gore et al.36 e de Yang et al.37
No estudo de Gore et al.36, não foi encontrado algum benefício de suplementação quando administradas as cepas Lactobacillus paracasei CNCM I-2116 ou Bifidobacterium lactis CNCM I-3446 como um adjuvante para o tratamento tópico de base. Apesar da qualidade de vida ter melhorado, a progressão e a gravidade do eczema não tiveram diferença significativa entre os grupos randomizados analisados em qualquer tempo da pesquisa. Este estudo revelou eventos adversos, como fezes esverdeadas e amolecidas, aumento de vômitos, recusa de alimentação ou cólicas, sendo estes o motivo pelo qual 17,5% da amostra interromperam a utilização da fórmula, contribuindo, assim, para o seu resultado ineficaz.
O estudo de Yang et al.37, que utilizou as cepas Lactobacillus casei, L. rhamnosus, L. platarum e Bifidobacterium lactis, não ressaltou o papel dos probióticos na modulação da resposta imunológica, apesar de ter ocorrido colonização intestinal. A ingestão de alimentos fermentados, o curto tempo de realização da pesquisa e o abandono significativo de pacientes podem ter contribuído negativamente, impossibilitando a comprovação do efeito terapêutico dos probióticos estudados.
Além dos fatores já citados como possíveis causas de falha terapêutica nos estudos, os resultados contraditórios entre as pesquisas podem ser devidos a diferentes mecanismos de ação de cepas probióticas selecionadas, combinações de linhagens utilizadas, variações genéticas que podem implicar resposta imune heterogênea entre as populações analisadas e hábitos alimentares distintos para cada etnia.
CONCLUSÃO
Mediante a revisão realizada, foi possível observar que existe, sim, grande utilidade no uso de probióticos tanto na prevenção quanto no tratamento da DA em crianças. Entre os 14 artigos selecionados na discussão, foram encontrados nove artigos nos quais houve resposta efetiva do uso de probióticos, seja na prevenção ou no tratamento da DA. Quanto à prevenção, os estudos mostram que a suplementação pré-natal com probióticos modula a composição da microbiota vaginal e intestinal materna, o que proporciona um efeito sobre a colonização do intestino neonatal; e sua suplementação durante a amamentação pode modular o risco da doença no recém-nascido.
Já no tratamento os estudos evidenciaram eficácia no uso de probióticos, acelerando a evolução favorável da doença e fazendo com que as crianças persistam assintomáticas por um período de tempo mesmo após o término do tratamento. E sua suplementação provocou melhora clínica importante associada a maior queda na média de pontuação SCORAD da qualidade de vida das crianças. O uso de probióticos tanto na prevenção quanto no tratamento da DA mostrou-se seguro, não sendo relatados efeitos colaterais importantes, o que faz do uso de probióticos uma opção viável para o manejo clínico dessa enfermidade, podendo ser uma alternativa mais interessante, barata e segura se comparada ao uso de corticoides e imunomoduladores.
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