RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. 2

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Artigo Original

A influência das condições de visibilização na análise de radiografias de pacientes vítimas de trauma de extremidade

The impact of visualization conditions on the analysis of radiographies of extremity fracture patients

Robinson Esteves Santos Pires1; Lúcio Honório de Carvalho Júnior2; Vinícius Taranto3; Matheus Levy Almeida Taveira de Souza3; Marco Antônio Percope de Andrade2; Fernando Baldy dos Reis4

1. Traumatologista dos Hospitais Felício Rocho, Baleia e Risoleta Tolentino Neves. Belo Horizonte, MG - Brasil.
2. Professor Adjunto do Departamento do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil.
3. Acadêmicos do curso de Medicina da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil.
4. Professor Livre Docente e Chefe da Disciplina de Traumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP-Brasil.

Endereço para correspondência

Robinson Esteves Santos Pires
Praça Alenquer 10/301 Bairro: Gutierrez
Belo Horizonte, MG - Brasil CEP: 30430-330
Email: robinsonesteves@ig.com.br

Recebido em: 16/01/2011
Aprovado em: 16/03/2011

Instituição: Hospital Felício Rocho e Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG- Brasil

Resumo

Para que o tratamento de uma fratura de extremidade seja instituído, é fundamental que se faça minucioso exame físico, complementado pela radiografia. No entanto, não raramente, a análise radiográfica é feita confrontando-se o filme com a luz da janela ou da sala de emergência, e não com o negatoscópio. O presente estudo tem como objetivo observar se as condições da visibilização realmente influenciam na análise radiográfica de pacientes vítimas de trauma de extremidade.

Palavras-chave: Extremidades/lesões; Ferimentos e Lesões/diagnóstico; Exame Físico; Radiografia; Iluminação.

 

INTRODUÇÃO

A correta interpretação radiográfica é parte fundamental para a instituição do tratamento das fraturas, que se não diagnosticadas no exame inicial, evoluem naturalmente para graus variados de perda funcional do membro.

Para que o planejamento cirúrgico do paciente com fratura seja adequado, é fundamental que se observe atentamente a radiografia em busca de traços ocultos de fratura que poderão surpreender o cirurgião no momento da osteossíntese.

Vários autores1-5 chamaram a atenção para a influência das condições de visibilização na acurácia diagnóstica em exames radiográficos; mas não há na literatura relatos em relação às radiografias de pacientes vítimas de trauma de extremidade.

O objetivo deste estudo é observar se as condições de visibilização têm influência na capacidade diagnóstica de observadores frente às radiografias de pacientes com trauma ortopédico de extremidade.

 

MÉTODO

Foram atendidas em pronto-socorro de hospital geral 50 vítimas de trauma de extremidade e suas radiografias analisadas por dois especialistas frente à luz do negatoscópio: um membro da Sociedade Brasileira de Trauma Ortopédico e um Radiologista especialista em sistema músculo-esquelético, ambos cientes da história e exame físico de todos os pacientes. As radiografias foram numeradas de um a 50, sendo qualificadas como tendo ou não fratura, e analisadas por cinco observadores (um membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia; um residente do primeiro ano, outro do segundo ano e outro do terceiro ano da residência em ortopedia e traumatologia; e um estudante de Medicina do último ano da graduação) após tomarem ciência da história e do exame físico dos pacientes. A primeira análise foi feita observando a radiografia confrontada com a luz da sala de emergência (luz fria branca de 40 volts). Os observadores emitiam sua impressão diagnóstica. Posteriormente, as mesmas radiografias foram analisadas sob a luz do negatoscópio e o diagnóstico foi confirmado ou modificado. A análise geral de concordância entre luz e negatoscópio quanto ao diagnóstico de fraturas foi realizada utilizando-se o coeficiente de Kappa. Este índice também foi usado para analisar a concordância entre as respostas do membro titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT) e o estudante; e entre o membro da SBOT e o residente do primeiro ano. Os resultados do coeficiente de concordância Kappa foram classificados de acordo com Landis e Koch6. Calcularam-se também a sensibilidade, a especificidade e a acurácia dos observadores frente à luz e ao negatoscópio.

 

RESULTADOS

As concordâncias de respostas entre observadores (índice de concordância geral) variaram de fraca a boa, todas com significância estatística (valor p < 0,05).

Comparando-se as concordâncias entre as respostas do membro titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e o estudante; e entre o membro da SBOT e o residente do primeiro ano, observou-se que variaram de pobre a fraca, sendo que nenhuma delas se mostrou estatisticamente significativa (valor p > 0,05) (Tabela 1).

Analisando-se a performance geral de desempenho frente ao correto diagnóstico, os observadores tiveram sensibilidade de 91,3%; especificidade de 100%; e acurácia de 92%.

A concordância geral dos observadores foi considerada boa, segundo os critérios de Landis, para o diagnóstico de fraturas, comparando-se a luz e o negatoscópio, não havendo diferença entre os dois métodos (Tabela 2).

 

DISCUSSÃO

Tanto na graduação como na pós-graduação lato-sensu (especialização e residência médica), tem-se a preocupação de ensinar ao aluno que o exame radiográfico deve ser realizado frente ao negatoscópio. O que se observa no dia-a-dia, entretanto, é que, com o aprimoramento de suas habilidades diagnósticas, o médico tende a subestimar as condições de iluminação e confronta a radiografia com a luz da janela ou da sala de emergência.

Diversos autores estudaram a relação entre as condições de iluminação e a performance de observado-res frente ao diagnóstico radiográfico de doenças.1-5

Espelid1, em estudo analisando a acurácia diagnóstica em radiografias dentárias de pacientes portadores de cárie, comparou a luz de teto de um quarto sem janela com aparelho de magnificação da imagem em duas vezes. Verificou que apenas pequenas diferenças podem ser notadas comparando-se graus diferentes de iluminação.

Cederberg et al.2, analisando radiografias de dentes com cárie feita por simuladores, apuraram que as condições de iluminação também não afetaram a capacidade de detecção dessas lesões artificialmente provocadas.

A capacidade de detecção de inflamação periapical em radiografias dentárias foi avaliada por Patel et al.3 com três diferentes tipos de iluminação: luz da sala sem janela, negatoscópio e caixa de magnificação de duas vezes. A especificidade no exame em condições adequadas de iluminação (negatoscópio e caixa de magnificação) foi maior do que quando realizada sob a luz da sala (p=0,0016).

Makdissi4 comparou a performance de dois grupos de observadores frente a radiografias dentárias e maxilofaciais em duas condições diferentes de iluminação (negatoscópio e luz da janela). Ressaltou que importantes alterações não foram detectadas pelos observadores quando sob a luz da janela; e sob a luz do negatoscópio, houve acerto diagnóstico de 100% nos dois grupos.

A performance de médicos com grau inicial de experiência frente ao diagnóstico radiográfico de doenças comuns foi analisada nos plantões de urgência e emergência por Maxwell-Armstrong et al.5. As radiografias foram analisadas com dois diferentes tipos de visibilização (negatoscópio e luz da janela). O acerto médio, diante do total de 20 pontos possíveis de se-rem obtidos (detecção de anormalidades), foi de 13,3 e 14,5 em avaliação feita sob a luz da janela e a do negatoscópio (p<0,05), respectivamente. Os diagnósticos mais negligenciados frente à luz da janela foram o cálculo ureteral, ar subfrênico por perfuração de víscera oca e carcinoma broncogênico.

Neste estudo, comparando-se a capacidade de diagnóstico na análise de radiografias de pacientes vítimas de trauma de extremidade, não houve diferença estatisticamente significativa comparando-se a luz fria branca de 40 volts e o negatoscópio. A performance geral de desempenho revelou, ainda, alto índice de sensibilidade, especificidade e acurácia e o grau de experiência do observador não influenciou na capacidade diagnóstica frente à luz da sala de emergência.

 

CONCLUSÃO

Não se constatou diferença estatisticamente significativa na capacidade de diagnóstico correto das fraturas de extremidades entre observadores frente à luz da sala de emergência e ao negatoscópio.

 

REFERÊNCIAS

1. Espelid I. The influence of viewing conditions on observer performance in dental radiology. Acta Odontol Scand. 1987; 45(3):153-61.

2. Cederberg RA, Frederiksen NL, Benson BW, Shulman JD. Effect of different background lighting conditions on diagnostic performance of digital and film images. Dentomaxillofac Radiol. 1998; 27: 293-7.

3. Patel N, Rushton VE, Macfarlane TV, Horner K. The influence of viewing conditions on radiological diagnosis of periapical inflammation. Br Dent J. 2000; 189(1):40-2.

4. Makdissi J. Interpretation of dental and maxillofacial radiographs: a comparative study using an X-ray viewing box and window. J Ir Dent Assoc. 2002; 48(4):123-4.

5. Maxwell-Armstrong C, Lloyd J, Abercrombie J. A comparison of junior hospital doctors interpretation of acute radiographs using an X-ray box and a window. Ann R Coll Surg Engl. 2003; 85(1):73.

6. Landis JR, koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977; 33:159-74.