RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 28 e-1996 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20180156

Voltar ao Sumário

Artigo Original

Estratégias interpretativas para diagnóstico de obstrução pulmonar através da espirometria, segundo os consensos ATS/ERS, SBPT e GINA, em asmáticos pediátricos

Interpretive strategies for the diagnosis of pulmonary obstruction through spirometry, according to the ATS / ERS, SBPT and GINA consensuses, in pediatric asthmatics

Mariana Stoll Leao1; Sandra Lisboa2; Luanda Dias da Silva Salviano2; Saint Clair dos Santos Gomes Junior2; Alessandra Lisboa Malafaia3; Selma Maria de Azevedo Sias1

1. Faculdade de Medicina, Hospital Universitário Antonio Pedro, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Pediatria. Niterói, Rio de Janeiro - Brasil
2. do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira da Fundaçao Oswaldo Cruz, Departamento de pediatria - Laboratório de Prova de Funçao Respiratória. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - Brasil
3. Centro Universitário Serra dos Orgaos, Medicina. Teresópolis, Rio de Janeiro - Brasil

Endereço para correspondência

Sandra Lisboa
E-mail: lisboasandra@iff.fiocruz.br

Recebido em: 02/05/2018
Aprovado em: 05/11/2018

Instituiçao: Faculdade de Medicina, Hospital Universitário Antônio Pedro, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Pediatria - Niterói. Rio de Janeiro - Brasil

Resumo

OBJETIVO: Avaliar os pontos de corte utilizados para interpretação de obstrução pulmonar de crianças e adolescentes com asma, utilizando os resultados dos testes espirométricos segundo os consensos: American Thoracic Society/European Respiratory Society (ATS/ERS), Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e Global Initiative for Asthma (GINA).
MÉTODOS: Estudo prospectivo e transversal com análise de 164 espirometrias, de crianças e adolescentes (7-18 anos) asmáticos, atendidos no laboratório de prova de função respiratória, entre novembro de 2016 a novembro de 2017. Foram distribuídos em dois grupos: < 12 e = 12 anos. Os exames foram classificados como prova de função normal (PFN) ou como distúrbio ventilatório obstrutivo (DVO), de acordo com os critérios de cada consenso. Posteriormente, foi avaliada a proporção de resultados com DVO entre os três grupos.
RESULTADOS: A mediana de idade foi 12 anos (7-18) e 51,8% eram do sexo masculino. Nos < 12 anos (n=78), GINA foi capaz de identificar mais casos de DVO (60,3%) que SBPT (41,0%) e ATS/ERS (42.3%), com p<0,001. Já a ATS/ERS versus SBPT, apresentaram-se equivalentes, com sensibilidade de 81,82%, especificidade 88,89% e Kappa 0,7099. Naqueles = 12 anos (n= 86), a ATS/ERS foi capaz de identificar DVO em 60,5%, a SBPT em 18,6% e GINA em 100% (p<0,001).
CONCLUSÕES:
O ponto de corte escolhido para interpretação da espirometria de crianças e adolescentes pode levar à variabilidade dos resultados. O GINA foi capaz de categorizar mais DVO quando comparado aos outros consensos. Novos estudos semelhantes devem ser desenvolvidos para uma conclusão definitiva do assunto.

Palavras-chave: Testes de Função Respiratória. Espirometria. Asma. Criança. Adolescente. Diagnóstico.

 

INTRODUÇÃO

A asma é uma das principais doenças respiratórias na infância, com elevados impactos sociais e econômicos na maior parte das regioes ao redor do mundo. O diagnóstico da asma pode ser clínico, porém a confirmação pode ser realizada por métodos objetivos. Um dos testes mais utilizados para análise da limitação do fluxo aéreo e recomendado para determinar o grau da obstrução brônquica é a espirometria.1

Na espirometria, a relação VEF1/CV (volume expiratório forçado no 1° segundo/capacidade vital) ou VEF1/CVF (volume expiratório forçado no 1° segundo/capacidade vital forçada) diminuída permanece como o critério universalmente aceito para o diagnóstico de obstrução das vias aéreas na prática clínica.2,3 Entretanto, dentre as diretrizes internacionalmente publicadas, não há concordância sobre o ponto de corte que define limitação do fluxo aéreo para diagnóstico de distúrbio obstrutivo na avaliação espirométrica.3,4

A American Thoracic Society/European Respiratory Society (ATS/ERS) recomendou o uso do limite inferior da normalidade (LIN) do VEF1/CV para definir a obstrução das vias aéreas, no qual estao definidos no 5° percentil na distribuição da frequência dos valores medidos na população referenciada.5 No entanto, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) considera para o diagnóstico de distúrbio ventilatório obstrutivo (DVO) a razao VEF1/CVF e o VEF1 em porcentagem1. O Global Imitativa for Asthma - GINA, determina a limitação variável do fluxo de ar pela documentação de uma redução no valor de VEF1/ CVF, sendo essa proporção considerada normal quando acima de 0,75-0,80 do valor previsto em adultos saudáveis e de 0,90 em crianças.3,4

Contudo, não há um consenso específico em pediatria para a interpretação dos distúrbios ventilatórios pulmonares. Além disso, poucos estudos investigaram a relevância clínica dessas recomendações na população pediátrica. Nessa perspectiva, o objetivo deste estudo é avaliar a concordância entre os diferentes pontos de corte do VEF1/CV e VEF1/CVF utilizados para o diagnóstico de obstrução pulmonar de crianças e adolescentes com asma.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo prospectivo realizado no Setor de Prova de Função Respiratória (PFR) do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz (IFF/FIOCRUZ) entre novembro de 2016 a novembro de 2017. Foram avaliadas 224 crianças e adolescentes, entre 7 e 18 anos de idade, com diagnóstico de asma e acompanhadas nos Ambulatórios de Alergia e de Pneumologia do IFF/FIOCRUZ. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense (CEP/HUAP/UFF) (CAAE: 47567715.1.0000.5243).

Foram realizadas 224 espirometrias. A amostra por conveniência foi composta de 164 provas de função respiratórias dos participantes com diagnóstico de asma (n=164). O diagnóstico de cada paciente já estava definido pelo médico assistente do ambulatório da especialidade que solicitou o exame.

Todas as espirometrias analisadas neste estudo foram realizadas de acordo com as normas estabelecidas pela ATS/ ERS.6 Os exames foram executados sempre pelo mesmo profissional, e todas as manobras expiratórias foram arquivadas em sua sequência original. Foi utilizado o espirômetro Jaeger, Master Scoper (Viasys Healthcare, Hoechberg, Alemanha). Foram excluídas as espirometrias em que houve erros ou artefatos durante o procedimento, como hesitação em teste, esforço insuficiente, término prematuro do exame, término prematuro com reinício (mais de uma respiração na mesma tentativa) e tosse.7 Os dados foram armazenados em um banco de dados construído no programa IBM SPSS Statistics, Version 22.0.

Os pacientes preencheram todos os requisitos para a realização do exame, como: não ingerir substância de ação broncodilatadora pelo menos 4 horas antes do exame, adiar o exame por 2 semanas após infecção respiratória e adiar o exame por 7 dias após hemoptise e suspensão das medicações broncodilatadoras de curta (6 horas) ou longa (12 horas) duração antes do exame.

No dia do exame foi realizada a avaliação antropométrica através da mensuração do peso (em gramas) em balança marca Líder, modelo P-200 C. A altura (em centímetros), foi aferida no estadiômetro portátil marca Seca, modelo 213, CE 0123. A criança tinha que estar sem calçados e com roupas leves. A idade foi descrita em anos. O IMC foi calculado em m2/Kg. Para a classificação do IMC foi utilizada a estratificação segundo sexo e idade recomendada pela OMS, para indivíduos de 5-19 anos. Sendo estratificado em Z escore: obesidade >+2, sobrepeso +1 e +2, baixo peso -2 e -3, eutrófico +1 e -2 e extremo baixo peso ≤ -3.8

As variáveis de função pulmonar mensuradas foram: CV, CVF, VEF1, VEF1/CVF, VEF1/CV e Fluxo expiratório forçado entre 25-75% da CVF (FEF25-75%). As provas de função respiratória que apresentavam CV inferior ao LIN com VEF1/CV normal foram excluídos devido à impossibilidade de realização de pletismografia e avalição da capacidade pulmonar total (CPT).

Posteriormente, foram distribuídos por faixas etárias, em < 12 anos e ≥ 12 anos e classificados de acordo com o resultado da espirometria em dentro do padrao da normalidade ou com DVO. Foi caracterizado como padrao ventilatório obstrutivo quando a relação VEF1/CVF ou VEF1/CV estava diminuída. Como não há consenso quanto ao ponto de corte da redução dessa relação no diagnóstico de DVO, três estratégias de interpretação foram aplicadas, segundo os critérios estabelecidos por cada consenso: ATS/ERS5, SBPT1 e GINA3:

ATS/ERS. Método baseado nas diretrizes da ATS/ERS5 definindo obstrução a relação VEF1/CV < LIN ou FEV1/ CV > LIN, CV < LIN e CPT normal.5 Em nosso estudo não análisamos a CPT, pois todos os pacientes apresentavam CV dentro da normalidade.

SBPT. Aqueles baseados na SBPT1 sendo categorizado como normais quando usado um ponto de corte nos parâmetros: VEF1/CVF ≥ 80%, CVF ≥ 80%, VEF1 ≥ 80% e FEF 25-75%≥ 70%. Foram classificados com distúrbio ventilatório obstrutivo os que apresentavam: VEF1 / CVF < 80% e VEF1 < 80%.1 Em nosso estudo não classificamos como obstrutivos os que apresentaram VEF1/CVF < 80% e VEF1 ≥ 80% ou FEF25-75% <70% como único parâmetro alterado, pois não foram coletados os sintomas respiratórios dos pacientes e o objetivo central do estudo foi de avaliar o ponto de corte do FEV1/CV(F).

GINA. Método baseado no GINA3. O ponto de corte estabelecido desse consenso da relação FEV1/FVC é de 0,90 em crianças e 0,75/0,80 em adolescentes do valor previsto em porcentagem.3

Em seguida, foram avaliados segundo a proporção de resultados com DVO entre os três grupos.

O SPSS Versão 22.0 foi utilizado para realização das análises estatísticas. (SPSS, Chicago, IL, USA). O teste de Shapiro-Wilk foi aplicado para verificar a normalidade dos dados. A análise descritiva foi realizada por meio de medianas e Mínimo-Máximo. O teste Fischer foi utilizado para comparar as variáveis entre os grupos. A definição VEF1/CV inferior ao LIN como padrao de referência para identificar e valorizar as verdadeiras obstruções funcionais das vias aéreas pela ATS através do 5° percentil. Calculou-se grau de concordância com o diagnóstico de obstrução na amostra global usando o cut-off0,70 com recurso ao Teste de Concordância Kappa de Cohen. Para todos os parâmetros funcionais respiratórios foram classificados como dentro do padrao da normalidade ou como DVO, utilizando o método percentual fixo.

 

RESULTADOS

A Tabela 1 mostra as características gerais da amostra estudada. Dos 164 crianças e adolescentes asmáticos avaliados, 85 (51,8%) eram do sexo masculino, com mediana de idade 12 (7-18) anos. A mediana da relação do VEF1/CV (%) foi 91 (52-109) enquanto a de VEF1/CVF (%) foi 88 (52 -109) na amostra dos asmáticos estudados. O z escore do IMC prevaleceu de +1 e -2 em 106 (64,6%) participantes.

 

 

Na Figura 1, pode-se observar que nas crianças < 12 anos de idade há diferença entre os parâmetros de VEF1/CVF (%) e VEF1/CV (%), com significância estatística (p<0,001). Entretanto, não é possível afirmar que há diferença com significância estatística quando a faixa etária é ≥ 12 anos de idade.

 


Figura 1. Parâmetros de espirometria considerando as percentagens fixas VEF1/CV (%) e VEF1/CVF (%) VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo; CVF: Capacidade vital forçada *p< 0,001 para os pacientes < 12 anos

 

Na amostra de 78 pacientes com idade <12 anos, observa-se que o GINA foi capaz de identificar DVO em 47 (60,3%) asmáticos em relação ATS/ERS que identificou DVO em 33 (42,3%) asmáticos, p<0,001, com sensibilidade de 68,97%, especificidade de 96,77% e concordância substancial de 0,6023. O GINA também categorizou mais casos de DVO em relação à SBPT que identificou DVO em 32 (41,0%) asmáticos (p<0,001), apresentando sensibilidade de 63,83% e especificidade de 93,55%. Nas análises para sensibilidade e especificidade realizadas entre GINA versus ATS/ERS e GINA versus SBPT, foi possível identificar melhor os pacientes com resultados de prova de função normal. Apesar dos testes apresentarem baixa equivalência e intervalo de confiança (IC) com alta variabilidade, a análise de Kappa (0,5301) demonstrou concordância moderada entre os consensos e os verdadeiros positivos. Já em relação à ATS/ERS versus SBPT, os dois testes apresentaram-se equivalentes, com sensibilidade de 81,82 %, especificidade 88,89% e Kappa 0,7099 (Tabela 2).

 

 

Na tabela 2, observa-se que nos asmáticos ≥ 12 anos de idade, GINA categorizou como DVO 86 (100%) dos casos em relação aos consensos da SBPT e ATS/ERS (p<0,001). GINA versus ATS/ERS demonstrou uma sensibilidade de 60,47% e GINA versus SBPT de 55,81%. Entretanto, não foi possível analisar a especificidade e Kappa entre esses consensos, pois nenhum paciente foi categorizado com PFN pelo GINA. A ATS/ERS categorizou mais casos de DVO 52 (60,5%) em relação a SBPT 16 (18,6%) (p<0,001).

 

DISCUSSÃO

O presente estudo analisou a concordância entre os diferentes pontos de corte utilizados pelos consensos ATS/ERS, SBPT e GINA para a interpretação do diagnóstico de obstrução pulmonar, de acordo com os parâmetros VEF1/CVF e VEF1/CV, em uma amostra de 164 crianças e adolescentes asmáticos.

De acordo ATS/ERS, a CVF é mais dependente do histórico de fluxo e volume, e considera vantajoso o uso da CV em relação à CVF, uma vez que a proporção VEF1/CV é capaz de identificar, com precisão, mais padroes obstrutivos do que a relação VEF1/CVF.5 Em nosso estudo, observou-se diferença estatisticamente significativa (p< 0,001) entre VEF/CVF (%) e VEF/CV (%) nos < 12 anos de idade. Entretanto, essa diferença não foi observada na faixa etária > 12 anos de idade. Portanto, esses parâmetros devem ser analisados com cautela na interpretação do distúrbio ventilatório obstrutivo, principalmente na faixa etária pediátrica.

Na avaliação espirométrica, os pontos de corte para diagnóstico de distúrbio obstrutivo variam significativamente entre as principais diretrizes internacionais e nas sociedades de diferentes países.9 Enquanto a ATS/ ERS caracteriza a obstrução como VEF1/CV abaixo do 5° percentil do limite inferior da normalidade, as SBPT e o GINA continuam a utilizar o critério de percentuais fixos.1,3,5

Nesta pesquisa, o GINA categorizou DVO em 60,3% pacientes na faixa etária < 12 anos, em comparação a 41% quando utilizados os critérios da SBPT. Na faixa etária ≥ 12 anos, o GINA diagnosticou 100% de DVO, enquanto a SBPT categorizou apenas 18,6%. Corroborando com os nossos resultados, Stanojevic et al. assinalaram que a relação FEV1/CVF possui uma forte dependência negativa da idade, e a utilização de um ponto de corte fixo de 70% para diagnóstico obstrução resulta em subdiagnóstico em idades jovens.10 O FEV1/CVF altera com a idade e em crianças pequenas esta relação pode ser bastante elevada.11,12 Em crianças, a relação FEV1/CVF normal encontra-se acima de 90%, entao, a utilização da relação fixa de 70% comumente utilizada no diagnostico de DVO, poderá substancialmente subestimar a limitação ao fluxo de aereo.12 Murray et al. observaram em seu estudo que uma relação de FEV1/CVF <70% foi rara dentre 630 espirometrias realizadas em população pediatrica, ocorrendo em apenas 2% dos exames. Eles também identificaram espirometrias adiconais com DVO (4% de 630) ao substituir o ponto de corte FEV1/CVF <70% por um ponto de corte inferior ao limite inferior da normalidade e descobriram que o melhor corte para FEV1/CVF foi muito superior a 85,5%, o que produziu uma sensibilidade de 56% em comparação com uma sensibilidade de 0% para FEV1/ CVF <70%.13 Entretanto alguns consensos recomendam valores mais elevados na razao VFE1/CVF para diagóstico de obstrução na população pediatrica. A Canadian Thoracic Society recomenda FEV1/CVF <80% como indicativo de obstrução e as IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo Asma consideram como indicativos de asma em criança um VEF1 menor que 80% do previsto e VEF1/FVC menor 86% em crianças.14,15

Quando comparamos o GINA com a ATS/ERS, nosso estudo demonstra que os valores de ponto de corte utilizando percentuais fixos, representados pelo GINA, foram capazes de categorizar mais pacientes com DVO em relação ao LIN, nas duas faixas etárias. Neste estudo também foi observado que a utilização do ponto de corte apresentado pelo GINA para diagnóstico funcional de obstrução das vias aéreas, apresentou uma sensibilidade e valor preditivo positivo baixos comparativamente à ATS/ERS, apesar de apresentar uma boa especificidade e valor preditivo negativo. Entretanto, para a análise de especificidade, o GINA foi capaz identificar melhor os pacientes com resultados com PFN em relação aos com DVO. Em contraste, Borrego et al. demonstraram que a utilização de valores percentuais fixos para diagnóstico de obstrução das vias aéreas conduziria a uma elevada taxa de indivíduos erroneamente classificados. Além disso, o subdiagnóstico afetaria, sobretudo, faixas etárias mais jovens e o sobrediagnóstico as faixas etárias mais elevadas.2 Swanney et al. concluíram que a proporção de indivíduos que apresentaram obstrução das vias aéreas de acordo com o corte fixo de 0,70 foi pequena em grupos etários mais jovens, mas aumentou para valores até 45% naqueles com idade superior a 60 anos.16 De acordo com estudo realizado por Miller et al., em 2011, o uso do ponto de corte fixo de 80% do previsto para determinar se um teste é anormal pode diagnosticar de forma equivocada mais de 20% dos pacientes encaminhados para testes de função pulmonar.17 Affes at al. observaram em sua amostra de 4.730 espirometrias, de indivíduos entre 17-85 anos, que, nos grupos mais jovens (<45 anos) e nos mais velhos (≥45 anos), a utilização do critério FEV1/FVC abaixo do LIN, para diagnóstico de DVO, detectou respectivamente, 13,46, 43,22 e 5,09% mais DVO do que a utilização de um valor fixo de 0,70 (FEV1/ FVC<0.70).18

O consenso da SBPT de 2002 considera DVO leve quando o indivíduo, na presença de sintomas respiratórios, apresentar o FEF 25-75% abaixo de 70% e este for a única alteração detectada, independentemente do grau de redução.1 Estudos descrevem que o FEF25-75% pode ser considerado um bom indicador de obstrução ao fluxo aéreo, pricipalmente quando os indivíduos têm sintomas indicativos de asma, mesmo que seus testes de função pulmonar sejam normais.19,20,21 Tem sido demonstrado que FEF25-75% correlaciona-se melhor com o aprisionamento de ar em pacientes asmáticos do que o FEV1e o FEV1/CVF.22,23,24 Esse assunto é controverso, Simon et al. observaram que FEF25-75% em crianças com diagnóstico de asma foi um indicador mais sensível de obstrução aérea quando comparada com FEV1, FEV1/FVC.25 GINA e ATS/ ERS não consideram o FEF25-75% como único parâmetro para categorizar DVO.3,5 Mas, a ATS/ERS reconhece que, apesar de ser ideal uma análise pré-teste sobre o quadro respiratório do paciente, isso muitas vezes não é possível, e a maioria dos testes são interpretados na ausência de qualquer informação clínica.6

O objetivo central deste estudo foi verificar a correlação entre os pontos de corte para VEF1/CV (%) e VEF1/ CVF (%), não sendo realizado análises estatísticas para categorização de DVO de acordo com a SBPT pelo parâmetro FEF25-75%. Houve uma limitação para classificar como DVO quando o FEF25-75% era o único parâmetro alterado, pois, para a categorização do mesmo, é necessário a correlação com os sintomas do paciente e este dado não foi coletado nesta pesquisa.

Concluindo, constatou-se neste estudo que o diagnóstico DVO pela espirometria é significativamente afetado pelo ponto de corte escolhido, assim como certificou Affes at al. em seu estudo quando concluiu que a porcentagem de indivíduos com DVO depende da recomendação utilizada, especialmente na faixa etária <55 anos.18 Uma preocupação potencial seria o falso negativo de um teste normal. Embora o diagnóstico de asma seja clínico, a espirometria auxilia na confirmação diagnóstica e a escolha do ponto de corte pode levar a variabilidade de resultados espirométricos do mesmo indivíduo.

 

CONCLUSÃO

O ponto de corte escolhido para interpretação da espirometria de crianças e adolescentes pode levar à variabilidade dos resultados. O GINA, foi capaz de categorizar mais DVO quando comparado aos outros consensos. Novos estudos semelhantes devem ser desenvolvidos para uma conclusão definitiva do assunto.

 

REFERENCIAS

1. Rodrigues JC, Cardieri JM, Bussamra MH, Nakaie CM, Almeida MB, Salva-Filho LV, et al. Provas de função pulmonar em crianças e adolescentes. J Pneumol. 2002;28(Supl. 3):S207-13.

2. Borrego LM, Couto M, Almeida I, Pimenta L, Matos S, Almeida M. Avaliação da função respiratória: comparação entre valores de referência percentuais fixos e o 5° percentil para diagnóstico de obstrução de vias aéreas. Braz J Allergy Immunol. 2013;1(4):229-35.

3. Global Initiative for Asthma (Gina). Global Strategy for Asthma Management and Prevention. 2017 Report [Internet]. [acesso 2018 Mar 9]. Disponível em: www.ginasthma.org

4. Aggarwal AN, Gupta D, Agarwal R, Jindal SK. Comparison of the lower confidence limit to the fixed-percentage method for assessing airway obstruction in routine clinical practice. Respir Care. 2011;56(11):1778-84.

5. Pellegrino R, Viegi G, Brusasco V, Crapo RO, Burgos F, Casaburi R, et al. Interpretative strategies for lung function tests. Eur Respir J. 2005;26(5):948-68.

6. Miller MR, Crapo R, Hankinson J, Brusasco V, Burgos F, Casaburi R, et al.; ATS/ERS Task Force. General considerations for lung func-tion testing. Eur Respir J. 2005;26(1):153-61.

7. Jat KR Spirometry in children. Prim Care Respir J. 2013;22(2):221-9.

8. World Health Organization (WHO). Growth reference data for 5-19 years. Geneva: WHO; 2007 [Internet].[acesso 2018 Mar 6]. Disponível em: http://www.who.int/growthref/en/

9. Brazzale D, Hall G, Swanney MP. Reference values for spirometry and their use in test interpretation: A Position Statement from the Australian and New Zealand Society of Respiratory Science. Respirology. 2016;21(7):1201-9.

10. Stanojevic S, Wade A, Stocks J. Reference values for lung function: past, present and future. Eur Respir J. 2010;36(1):12-9.

11. Quanjer PH, Stanojevic S, Cole TJ, Baur X, Hall GL, Culver BH, et al. Multi-ethnic reference values for spirometry for the 3-95-yr age range: the global lung function 2012 equations. Eur Respir J. 2012;40(6):1324-43.

12. British Thoracic Society/Scottish Intercollegiate Guidelines Network (BTS/SIGN). British guideline on the management of asthma, A national clinical guideline; 2016 [Internet]. [acesso 2018 Jan 10]. Disponível em: https://www.brit-thoracic.org.uk/document-library/clinical-information/asthma/btssign-asthma-guideline-2016/

13. Murray C, Foden P, Lowe L, Durrington H, Custovic A, Simpson A. Diagnosis of asthma in symptomatic children based on measures of lung function: an analysis of data from a population-based birth cohort study. Lancet Child Adolesc Health. 2017;1(2):114-23.

14. Lougheed MD, Lemiere C, Ducharme FM, Licskai C, Dell SD, Rowe BH, et al.; Canadian Thoracic Society Asthma Clinical Assembly. Canadian Thoracic Society 2012 guideline update: diagnosis and management of asthma in preschoolers, children and adults. Can Respir J. 2012;19(2):127-64.

15. IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma. J Bras Pneumol. 2006;32(Suppl.7):S447-74.

16. Swanney MP, Ruppel G, Enright PL, Pedersen OF, Crapo RO, Miller MR, et al. Using the lower limit of normal for the FEV1/ FVC ratio reduces the misclassification of airway obstruction. Thorax. 2008;63(12):1046-51.

17. Miller MR, Quanjer PH, Swanney MP, Ruppel G, Enright PL. Interpreting lung function data using 80% predicted and fixed thresholds misclassifies more than 20% of patients. Chest. 2011;139(1):52-9.

18. Affes Z, Rekik S, Saad HB. Defining obstructive ventilatory defect in 2015. Libyan J Med. 2015;10(1):28946.

19. Lebecque P, Kiakulanda P, Coates AL. Spirometry in the asthmatic child: is FEF25-75 a more sensitive test than FEV1/ FVC? Pediatr Pulmonol. 1993;16(1):19-22.

20. Lutfi MF. Patterns of changes and diagnostic values of FEF50%, FEF25%-75% and FEF50%/FEF25%-75% ratio in patients with varying control of bronchial asthma. Int J Health Sci (Qassim). 2016;10(1):3-11.

21. Ratageri VH, Kabra SK, Lodha R, Dwivedi SN, Seth V. Lung function tests in asthma: which indices are better for assessment of severity? J Trop Pediatr. 2001;47(1):57-9.

22. de Lange EE, Altes TA, Patrie JT, Gaare JD, Knake JJ, Mugler JP 3rd, et al. Evaluation of asthma with hyperpolarized helium-3 MRI: correlation with clinical severity and spirometry. Chest. 2006;130(4):1055-62.

23. Burgel PR. The role of small airways in obstructive airway diseases. Eur Respir Rev. 2011;20(119):23-33.

24. Tosca MA, Silvestri M, Solari N, Rossi GA, Ciprandi G. Inflammation Markers and FEF25-75: A relevant link in children with asthma. Allergy Asthma Immunol Res. 2016;8(1):84-5.

25. Simon MR, Chinchilli VM, Phillips BR, Sorkness CA, Lemanske RF Jr, Szefler SJ, et al.; Childhood Asthma Research and Education Network of the National Heart, Lung, and Blood Institute. Forced expiratory flow between 25% and 75% of vital capacity and FEV1/forced vital capacity ratio in relation to clinical and physiological parameters in asthmatic children with normal FEV1 values. J Allergy Clin Immunol. 2010;126(3):527-34.e1-8.