ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Sexo anal receptivo desprotegido entre homens que fazem sexo com homens, Belo Horizonte, MG
Unprotected receptive anal sex among men who have sex with men, Belo Horizonte, MG
Gustavo Machado Rocha1; Raquel Regina de Freitas Magalhaes Gomes2; Lidyane do Valle Camelo3; Maria das Graças Braga Ceccato4; Mark Drew Crosland Guimaraes5
1. Médico Infectologista. Mestre em Saúde Pública. Professor Assistente da Universidade Federal de Sao Joao Del-Rei, Divinópolis, MG. Doutorando em Saúde Pública no Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Cirurgia-dentista. Epidemiologista. Mestre em Saúde Pública. Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Doutoranda em Saúde Pública no Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Enfermeira. Mestre em Saúde Pública. Doutoranda do Programa de Pós-Graduaçao em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG, membro do Grupo de Pesquisas em Epidemiologia e Avaliaçao em Saúde (GPEAS). Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Farmacêutica bioquímica. Doutora em Saúde Pública. Professora Adjunta do Departamento de Farmácia Social da Faculdade de Farmácia da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
5. Médico. Doutor em Epidemiologia. Professor Associado do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Mark Drew Crosland Guimaraes
E-mail: mark.guimaraes@gmail.com
Recebido em: 10/12/2013
Aprovado em: 19/12/2013
Instituiçao: Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: a epidemia do HIV no Brasil é considerada concentrada em populações vulneráveis, principalmente em homens que fazem sexo com outros homens (HSH).
OBJETIVO: este trabalho objetiva descrever as características do comportamento sexual de risco e analisar as características associadas ao uso inconsistente de preservativos nas relações sexuais anais receptivas entre homens que fazem sexo com homens (HSH) em Belo Horizonte, MG.
MÉTODOS: estudo de corte transversal, conduzido em 2008-2009, com 274 HSH recrutados pela técnica amostral do Respondent Driven Sampling (RDS). Odds Ratios foram estimadas por regressão logística.
RESULTADOS: entre 274 indivíduos, 35,7% informaram uso inconsistente de preservativo nas relações anais receptivas nos seis meses anteriores à entrevista, com elevada proporção de parcerias sexuais múltiplas (média de 4,3 parceiros). Ser casado ou estar em uniao estável, identidade sexual autorreferida como gay, sentir-se tenso ou preocupado algumas ou muitas vezes nos últimos 12 meses, história de relação sexual sob efeito de álcool nos últimos seis meses, baixo conhecimento sobre transmissão do HIV e história de testagem prévia para sífilis foram fatores independentemente associados ao uso inconsistente de preservativos nas relações anais receptivas na amostra analisada.
CONCLUSÕES: foi alta a proporção de uso inconsistente de preservativos nessa população de HSH. Estratégias de intervenções específicas devem ser desenvolvidas, com atenção especial para o uso de álcool e drogas, combate ao estigma e preconceito, além de ampliação à testagem e assistência integral à saúde. O indicador de uso inconsistente de preservativos nas relações anais receptivas deve ser incorporado no monitoramento e avaliação da epidemia de Aids no município.
Palavras-chave: HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Comportamento Sexual; Vulnerabilidade em Saúde; Brasil.
INTRODUÇÃO
Segundo relatório do programa das Nações Unidas para o HIV/Aids (UNAIDS) de 2013,1 estima-se a prevalência da infecção pelo HIV no Brasil entre 0,4 e 0,5% na população adulta geral. No entanto, a epidemia no país é considerada concentrada em determinados grupos mais vulneráveis (com estimativa de prevalência superior a 5%), incluindo usuários de drogas injetáveis, profissionais do sexo e principalmente homens que fazem sexo com homens (HSH).2 A principal forma de transmissão do HIV no Brasil é a via sexual, sendo a prática sexual anal receptiva desprotegida a situação de mais riscos para a aquisição do vírus.3 Dessa forma, a população de HSH apresenta elevado risco de exposição ao HIV, influenciado pelas características das práticas sexuais e do comportamento sexual.
Existe evidência atual de que o uso de preservativo por HSH está diminuindo tanto em países ricos quanto em desenvolvimento3, sugerindo que as estratégias de prevenção não estao funcionando de forma satisfatória. Alguns motivos para isso são o otimismo em relação ao tratamento antirretroviral, surgimento da internet como ambiente de risco e deficiências estruturais em disponibilizar serviços específicos para HSH.4 Diversos estudos revelam preocupantes taxas de uso irregular de preservativo nessa população, principalmente entre os jovens. No Brasil, em estudo que comparou os resultados de quatro pesquisas (com metodologias e em períodos distintos) envolvendo HSH na cidade de Fortaleza, Ceará, a proporção de comportamento sexual de risco variou de 31,4 a 54,6%.5 Análise do comportamento sexual numa amostra de 3.449 HSH em 10 municípios brasileiros informou que 36,5% dos indivíduos reportaram intercurso sexual anal receptivo desprotegido nos últimos seis meses.6 Em pesquisa nacional sobre comportamento sexual da população geral no ano de 20087, 7,6% dos entrevistados relataram relação sexual com pessoa do mesmo sexo em toda a vida e apenas 20,6% declararam uso consistente de preservativo em todas as relações sexuais nos 12 meses anteriores à entrevista.
Sexo anal desprotegido é uma prática de alto risco para transmissão do HIV. Em decorrência da fragilidade do epitélio da mucosa anorretal, existe aumentado risco de ruptura da barreira epitelial durante o ato sexual.8 Esse fato, associado à ausência de uma barreira de anticorpos protetores na mucosa retal, facilita a entrada do vírus no hospedeiro.8 Em metanálise de estudos que avaliaram o risco de transmissão em casais sorodiscordantes9, a maioria deles com amostra de casais de HSH, a probabilidade de transmissão por meio de relação anal receptiva desprotegida encontrada foi de 1,4% (IC 95% 0,2-2,5) e de 40,4% (IC95% 6,0-74,9) por ato e por parceria sexual, respectivamente. Esse fato sugere que seriam necessários poucos contatos sexuais para ocorrer a transmissão do HIV, muito embora possam existir diferenças de transmissibilidade de acordo com determinadas características das práticas sexuais (tempo de parceria, número de parceiros e frequência de relações sexuais) e do parceiro positivo, como, por exemplo a carga viral plasmática e a existência de lesões genitais.8, 9
Em relação aos determinantes do comportamento sexual, Fisher e Fisher10 propuseram um modelo teórico abrangente, teorizando que a redução do risco para o HIV é uma função da informação dos indivíduos acerca de formas de transmissão e prevenção do HIV, da motivação dos mesmos para reduzir esses riscos e de suas habilidades comportamentais para tomada de decisões específicas relacionadas à redução do risco. Esse modelo mostrou-se aplicável à população de homens que fazem sexo com homens. Complementarmente, outras características de contexto sociocultural parecem estar associadas ao comportamento sexual de risco nessa população. Homens que fazem sexo com outros homens têm mais riscos de sofrer discriminação e violência em decorrência de sua orientação sexual, o que, por sua vez, aumenta o risco de transtornos psiquiátricos, uso abusivo de álcool e drogas e envolvimento em práticas sexuais de risco.11
O objetivo deste trabalho é descrever as características do comportamento sexual de risco numa amostra de HSH no município de Belo Horizonte, Minas Gerais, e analisar as características associadas ao uso inconsistente de preservativos nas relações sexuais anais receptivas, principalmente aquelas relacionadas ao contexto sociocultural e comportamental, como uso de álcool e drogas, visibilidade sexual, discriminação e violência homofóbica.
MÉTODOS
O presente trabalho está inserido no estudo multicêntrico desenvolvido em HSH de 10 cidades bra-sileiras.12 O estudo nacional envolveu a participação de 3.859 indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos e residentes nas seguintes cidades: Manaus, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Santos, Curitiba, Itajaí, Brasília e Campo Grande. Para esta análise, foram selecionados somente os indivíduos participantes do município de Belo Horizonte, MG. (N=274). A técnica amostral Respondent Driven Sampling (RDS) foi utilizada para recrutar os participantes.13 A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas face a face, com aplicação de questionário estruturado previamente padronizado. Detalhes metodológicos do estudo estao disponíveis em Kerr et al.12 e Guimaraes et al.14.
Para esta análise, o evento foi definido como o uso inconsistente de preservativo, i.e., deixar de usar preservativos alguma vez nas relações sexuais anais receptivas nos seis meses anteriores à entrevista. As variáveis explanatórias foram avaliadas em quatro principais grupos:
sociodemográficas (idade, cor da pele, escolaridade, renda, estado conjugal);
comportamentais (idade do início da atividade sexual, uso atual de álcool e uso de drogas nos últimos seis meses, uso abusivo de álcool, história de relação sexual sob efeito de álcool e/ou drogas);
relacionadas ao contexto social (identidade sexual autorreferida);
relacionadas aos serviços de saúde (autopercepção da chance de se infectar pelo HIV, conhecimento sobre transmissão do HIV, testagem anti-HIV prévia, ter recebido preservativos gratuitos).
O uso abusivo de álcool foi definido como o consumo de cinco ou mais doses de álcool num único dia, pelo menos uma vez por semana. A identidade sexual foi informada pelo paciente, sendo classificada em gay, homossexual e outros. A autopercepção da chance de se infectar pelo HIV foi mensurada com base em uma pergunta direta, com quatro opções de resposta, sendo posteriormente classificada em duas categorias (nenhuma ou pouca chance e moderada ou grande chance). O conhecimento sobre transmissão do HIV foi mensurado por meio de 10 perguntas sobre transmissão e prevenção do HIV, sendo posteriormente calculado um escore por meio da Teoria de Resposta ao Item.15,16
Foi realizada análise descritiva das variáveis categóricas e medidas de tendência central das variáveis contínuas, com posterior categorização. As diferenças de proporção foram avaliadas por meio do qui-quadrado de Pearson, com nível de significância de 0,05. A estimativa da magnitude da associação foi feita por meio da odds ratio (OR) com intervalo de 95% de confiança. Regressão logística binomial foi utilizada para avaliar o efeito independente das potenciais variáveis explanatórias. Para a composição do modelo, foram selecionadas variáveis com valor de p inferior a 0,20 na análise univariada, permanecendo no modelo final apenas aquelas significativamente (p<0,05) associadas ao evento. As estimativas foram ponderadas pelo inverso da média harmônica do tamanho da rede social informada pelo entrevistado.13 O software SAS® (SAS Inst., Cary, USA) foi utilizado para as análises.
RESULTADOS
A amostra de HSH residentes em Belo Horizonte (n=274) foi composta de indivíduos com idade média de 29,8 anos, com predomínio de HSH, de cor não branca (56,3%), com 12 ou mais anos de escolaridade (65,4%), pertencentes às classes sociais A ou B (61,7%), solteiro (86,5%) e com identidade autorreferida como gay (30,5%) ou homossexual (54,3%).
O uso inconsistente de preservativos nas relações anais receptivas foi relatado por 35,7% dos entrevistados, sendo mais frequente nas relações com parceiros fixos. Quase dois terços dos entrevistados (66,4%) informaram relação sexual com mais de um parceiro sexual nos últimos seis meses (média de 4,3 parceiros), sendo que a grande maioria (92,3%) teve relação sexual somente com parceiros do sexo masculino. A maioria informou ter pelo menos um parceiro sexual fixo (60,9%); 49,2% tiveram dois ou mais parceiros casuais e 9,2% com pelo menos um parceiro comercial nos últimos seis meses.
A análise univariada indicou que os fatores associados ao uso inconsistente de preservativos nas relações anais receptivas foram (Tabela 1): ser casado ou estar em uniao estável (OR = 3,23; IC 95% = 1,55-6,71), identidade sexual autorreferida como gay (OR = 2,50; IC 95% = 0,98-6,36), informar à mae sobre atração sexual por homens (OR = 1,75; IC 95% = 1,04-2,94), sentir algum tipo de discriminação nos últimos 12 meses (OR = 1,74; IC 95% = 1,04-2,90), sentir-se tenso ou preocupado algumas ou muitas vezes nos últimos 12 meses (OR = 3,51; IC 95% = 1,62-7,59), sentir-se triste ou deprimido algumas ou muitas vezes nos últimos 12 meses (OR = 2,53; IC 9%% = 1,49-4,28); história de relação sexual contra a própria vontade (OR = 2,24; IC 95% = 1,08-4,64), uso abusivo de álcool (OR = 2,61; IC 95% = 1,35-5,07), história de relação sexual sob efeito de álcool nos últimos seis meses (OR = 2,76; IC 95% = 1,58-4,79), história de testagem prévia para sífilis (OR = 2,26; IC 95% = 1,34-3,81), história de infecção sexualmente transmissível nos últimos 12 meses (OR = 3,06; IC 95% = 1,71-5,48).
Por outro lado, o modelo final de regressão logística (Tabela 2) mostrou que ser casado ou estar em uniao estável (OR = 3,23; IC 95% = 1,55-6,71), identidade sexual autorreferida como gay (OR = 4,15; IC 95% = 1,59-10,8), sentir-se tenso ou preocupado algumas ou muitas vezes nos últimos 12 meses (OR = 3,40; IC 95% = 1,45-7,94), história de relação sexual sob efeito de álcool nos últimos seis meses (OR = 3,21; IC 95% = 1,72-6,00), baixo conhecimento sobre transmissão do HIV (OR = 2,34; IC 95% = 1,19-4,63) e história de testagem prévia para sífilis (OR = 2,82; IC 95% = 1,54-5,17) foram fatores independentemente associados ao uso inconsistente de preservativos nas relações anais receptivas na amostra analisada de HSH do município de Belo Horizonte.
DISCUSSÃO
Os resultados mostraram alta proporção de comportamento sexual de risco na amostra de HSH estudada, sendo que 35,7% dos participantes relataram uso inconsistente de preservativos nas relações sexuais anais receptivas nos seis meses anteriores à entrevista, resultado muito semelhante ao encontrado quando foi avaliada a amostra global do estudo envolvendo as 10 cidades brasileiras.6 Este resultado é consonante com outros estudos desenvolvidos no país17, apesar da variabilidade de acordo com a definição de comportamento de risco, tipo de prática sexual analisada e tipo de parceria sexual envolvida. A semelhança de outros trabalhos envolvendo a população de HSH, o uso de preservativos nesta amostra foi significativamente menor nas relações com parceiros fixos e em unioes conjugais estáveis. Outra pesquisa desenvolvida no Brasil18 demonstrou maior proporção de uso inconsistente de preservativo com parceiros fixos (33,9% em relações receptivas e 36,0% em relações insertivas), comparado com parceiros casuais (13,7 e 15,3% em relações receptivas e insertivas, respectivamente). Na presente pesquisa, o uso inconsistente de preservativos foi relatado por 50,8% dos participantes que tinham somente parceiro fixo, 45,4% daqueles com parceiro fixo mais casual ou comercial e 27,3% daqueles que não tinham parceria fixa.
O uso inconsistente de preservativo foi mais acentuado entre aqueles que autorreferiram como gays, quando comparados com aqueles que autorreferiram como bissexuais. Existe a possibilidade de que homens com relações bissexuais tenham práticas sexuais de risco com menos frequência para manter ocultas suas relações homossexuais.19 Além disso, existe a possibilidade de ter ocorrido viés de informação, na medida em que pessoas que fazem sexo com homens, mas com identidade autorreferida como heterossexual, podem reportar uso de preservativo com mais freqüência, considerando que isso seja mais aceitável socialmente.20
Indivíduos que declararam uso inconsistente de preservativos nas relações sexuais anais receptivas tiveram mais chances de ter sofrido discriminação e sintomas de ansiedade e depressão. A população de HSH, em decorrência de fatores socioculturais, estigma, discriminação e violência homofóbica, está sob elevado risco de desenvolver transtornos mentais11, o que, por sua vez, pode aumentar o risco de infecção pelo HIV. Alvy et al. 21, avaliando amostra de 1.540 HSH americanos, encontraram associação positiva entre o grau de depressão e sexo anal desprotegido, relação esta mediada por autoeficácia para sexo seguro e escape cognitivo, o que captura especificamente, nesse contexto, o uso de sexo e substâncias para fins de fuga. Reisner et al.22, analisando amostra de 189 HSH, enfatizaram associação significativa entre sexo anal desprotegido e estresse pós-traumático, que estava associado a sintomas de depressão e ansiedade social.
O uso abusivo de álcool e o consumo de bebidas alcoólicas antes das relações sexuais foram duas características associadas ao uso inconsistente de preservativos nessa amostra, fato também encontrado em outros estudos.23 Adicionalmente, Deiss et al.24, avaliando amostra de 718 HSH no Peru, registraram que consumidores problemáticos de álcool tinham mais chance de praticar sexo desprotegido, reportar história de coerção sexual e sexo transacional.
Apesar da maioria dessa amostra de HSH (77,9%) ter demonstrado conhecimento elevado sobre transmissão e prevenção do HIV/Aids, o baixo conhecimento foi ainda um fator independentemente associado ao uso inconsistente de preservativos. Tal fato reforça a necessidade de manutenção e ampliação de intervenções educacionais com mensagens diretas focadas para esse grupo e também para outras populações vulneráveis.
Além da alta proporção do uso inconsistente de preservativos, outros fatores também ajudam a explicar as altas taxas de infecções sexualmente transmissíveis (IST) entre homens que fazem sexo com homens em países com epidemia concentrada, incluindo elevado número de parcerias sexuais, concorrência (simultaneidade de parcerias sexuais) e iniciação sexual precoce. Li et al.25, avaliando a incidência do HIV entre HSH por meio de metanálise de 12 estudos na China, demonstraram que a infecção por sífilis (risco relativo [RR]=3,33), múltiplas parcerias sexuais (RR=2,81) e sexo anal receptivo desprotegido nos últimos seis meses (RR=3,88) foram fatores que representaram significativo risco de soroconversão para o HIV entre HSH. Em outro estudo26, compararam-se características do comportamento sexual entre HSH e homens heterossexuais. Os autores relataram que os HSH iniciavam a atividade sexual mais precocemente (15,4 vs 17,4 anos), informavam expressivo número de parcerias sexuais (15 vs 4 parceiros), além de mais chance de ter parceiros sexuais pelo menos cinco anos mais velhos (52,0% vs 7,9%) e parcerias concorrentes recentes (31,3% vs 9,7%).
Os resultados devem ser analisados com cautela. Trata-se de um estudo de corte transversal, com limitações em estabelecer relação temporal entre as variáveis estudadas. Além disso, a técnica da amostragem utilizada - RDS - é passível de viés, sendo que indivíduos com determinadas características podem tender a convidar pares com características semelhantes (situação denominada homofilia). Assim, esta amostra pode não representar de fato a população de HSH no município de Belo Horizonte-MG. No entanto, teoricamente, as estimativas obtidas por meio do RDS são robustas e tendem a se aproximar daquelas obtidas por métodos probabilísticos quando a amostra atinge um ponto de equilíbrio após sucessivas ondas de recrutamento.13
CONCLUSÕES
Conforme demonstrado neste estudo, apesar do amplo acesso à informação sobre preservativos de forma gratuita, a proporção de HSH envolvidos em práticas sexuais desprotegidas é muito elevada na cidade de Belo Horizonte. Chama a atenção também que essa alta proporção se dá em um cenário de bom conhecimento, elevada escolaridade, bom nível socioeconômico e com predominância de jovens de 18 a 25 anos de idade. Assim, ao contrário da hipótese de relativa estabilidade da epidemia do HIV, existe grande potencial de disseminação do vírus e de outras infecções sexualmente transmissíveis no Brasil, principalmente entre jovens HSH. Essa situação é incompatível com os avanços no diagnóstico e tratamento da infecção pelo HIV, a disponibilização universal da terapia antirretroviral27 e a ampla rede de testagem para o HIV, além do alto investimento público em campanhas que podem não estar atingindo as populações-chave. A população de HSH possui mais prevalência de HIV do que a população geral, associado a outras características comportamentais de risco, incluindo elevado consumo de álcool e drogas. Nesse sentido, estratégias de intervenção específicas devem ser desenvolvidas voltadas para esse grupo, focando a importância do sexo anal na transmissão do HIV. Além disso, é fundamental o combate ao uso de drogas, estigma, preconceito e violência homofóbica vivenciados pela população de HSH, com ampliação do acesso à testagem anti-HIV e à assistência integral à saúde dessa população. Indicadores de monitoramento e avaliação da epidemia de Aids em nível do município devem incluir as práticas sexuais desprotegidas, e as políticas públicas devem focar as populações-chave, com alta prioridade para os HSH.
AGRADECIMENTOS
Este estudo foi financiado pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, Ministério da Saúde, a partir de uma colaboração entre o governo brasileiro e o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC) (Projeto AD/BRA/03/H34), e foi conduzido pelo Grupo de Pesquisas em Epidemiologia e Avaliação em Saúde, Departamento de Medicina Preventiva e Social (GPEAS/UFMG), com a colaboração da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte e do Centro de Testagem e Aconselhamento (SMS-PBH). Agradecemos o apoio das ONGs Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual (CELLOS) e LIBERTOS Comunicação e também à coordenação geral do projeto, Ligia Regina Franco Sansigolo Kerr e Rosa Salani Mota, pela contribuição na análise estatística.
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