ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Aprendizagem baseada em problemas: uma nova referência para a construção do currículo médico
Problems-based learning: a new reference for constructing the medical curriculum
Antonio Carlos de Castro Toledo Júnior1; Cássio da Cunha Ibiapina2; Simone Cláudia Facuri Lopes3; Ana Cristina Persichini Rodrigues4; Sílvia Mamede Studart Soares5
1. Mestre em Epidemilogia. Professor da Faculdade de Medicina - Unifenas, Belo Horizonte, MG e Pós-graduando em Medicina Tropical e Infectologia, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG
2. Doutor em Pediatria. Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
3. Mestre em Pediatria. Professora da Faculdade de Medicina - Unifenas, Belo Horizonte, MG
4. Doutora em Bioquímica e Imunologia. Professora da Faculdade de Medicina - Unifenas, Belo Horizonte, MG
5. Doutora em Educação Médica. Professora da Faculty of Social Sciences, Erasmus University, Rotterdam
Prof. Antonio Carlos de Castro Toledo Júnior
Rua Líbano, 66
Belo Horizonte - MG CEP 31710-030
e-mail: toledoac@task.com.br
Resumo
A necessidade de reforma da educação médica foi apontada, pela primeira vez, por Flexner (1910), nos Estados Unidos, e por Osler (1913), no Reino Unido. A implantação da aprendizagem baseada em problemas (PBL) a partir da Universidade de McMaster, em 1969, foi uma das principais inovações da educação médica nos últimos 30 anos. O objetivo deste trabalho é rever a dinâmica de funcionamento do PBL e avaliar os principais resultados observados com a implantação desta estratégia educacional em cursos médicos. O PBL foi desenvolvido a partir do melhor conhecimento do modo de aprendizado do adulto e da compreensão do funcionamento da memória humana e tem quatro propósitos básicos: a) a motivação para o aprendizado; b) o desenvolvimento do raciocínio clínico; c) a estruturação do conhecimento em contexto clínico; e d) o desenvolvimento de habilidades de auto-aprendizado. Os grupos tutoriais, formados por sete a 10 alunos, são a estratégia central do PBL. Neles são analisados problemas estruturados a partir do currículo, que visam a permitir a discussão contextualizada dos tópicos, favorecendo a recuperação do conhecimento prévio e a aquisição de novos conhecimentos. Além disso, os grupos tutoriais favorecem o desenvolvimento de outras habilidades, como comunicação, trabalho em equipe, solução de problemas e desenvolvimento de postura crítica. A comparação entre o método de ensino tradicional e o PBL apresenta dificuldades metodológicas. Existem poucos estudos randomizados que comparam os dois métodos simultaneamente. A maioria dos trabalhos faz comparações históricas entre turmas da mesma instituição nas provas de qualificação dos Estados Unidos (NBME ou USMLE) e Canadá (MCC). Pode-se concluir que o PBL é um método adequado às necessidades atuais do ensino médico.
Palavras-chave: Aprendizagem Baseada em Problemas; Educação Médica; Revisão [Tipo de Publicação].
INTRODUÇÃO
A educação médica foi objeto de discussão ao longo de todo o século XX, mas poucas mudanças ocorreram. Nos últimos 30 anos, com a implantação da aprendizagem baseada em problemas (PBL-problem based-learning) a partir da Universidade de McMaster, em 1969, tem-se observado maiores mudanças na educação médica, principalmente na América do Norte, Austrália e Holanda.1
O PBL foi desenvolvido a partir do melhor conhecimento do modo de aprendizado do adulto e da compreensão do funcionamento da memória humana.1 Ele baseia-se na mudança do processo de aprendizado, com o aluno passando a desempenhar papel ativo e preponderante em sua educação. O aluno deixa de ser um elemento passivo, exposto à informação por meio de aulas e passa a buscar o conhecimento para resolução de problemas.2,3 O PBL propõe-se a favorecer a aquisição e estruturação adequada do conhecimento em um contexto clínico, facilitando sua ativação e utilização posterior. Adicionalmente, o PBL tende a promover a motivação para o aprendizado e o desenvolvimento de habilidades para a autoaprendizagem.4
Estudos iniciais que compararam o desempenho de alunos do currículo tradicional e do currículo PBL em testes de conhecimento demonstraram desempenho inferior dos alunos oriundos do currículo PBL nas áreas básicas e melhor desempenho nas áreas e habilidades clínicas. Estudos mais recentes não demonstraram diferenças significativas entre os dois métodos.2,5,6 A utilização do PBL como método pedagógico principal não é consensual e desperta posições radicais, contra e a favor.7 Apesar disso, a sua adoção aumenta rapidamente em vários países, como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Holanda e Austrália. No Brasil, várias Faculdades de Medicina têm optado pela utilização do PBL em seus currículos, de forma integral ou parcial, principalmente nos últimos cinco anos.
O objetivo deste trabalho é rever a dinâmica de funcionamento do PBL e avaliar os principais resultados observados com a implantação desta estratégia educacional no curso médico.
METODOLOGIA
Realizou-se revisão bibliográfica nas bases de dados Index Medicus (Medline) e da Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) utilizando-se as seguintes palavras-chave: PBL, problem based-learning e medical education. Os artigos identificados foram selecionados baseados nos parâmetros pré-definidos: apresentação de bases teóricas do PBL, aplicabilidade prática, apresentação de resultados da implantação do PBL, comparação entre currículos convencionais e baseados no PBL, boa qualidade metodológica e a validade das suas conclusões.8,9
RESULTADOS
Foram selecionados 21 artigos de um total de 160, identificados nas pesquisas de base de dados. Os artigos selecionados foram sintetizados nos seguintes tópicos: necessidade de reforma curricular, fundamentos cognitivos do PBL, dinâmica e bases teóricas do grupo tutorial e avaliação da implantação do PBL.
Novas necessidades do currículo médico
A necessidade de reforma da educação médica, com a adaptação dos currículos à realidade do país e de seu sistema de saúde, foi abordada, pela primeira vez, há quase um século por Flexner (1910), nos Estados Unidos, e por Osler (1913), no Reino Unido.1 A necessidade de deslocar o ensino dos hospitais universitários para níveis primários de atenção; o grande aumento do volume de conhecimento médico (Figura 1), que tornou virtualmente impossível ensinar todo este conteúdo durante o curso; e o aumento da complexidade tecnológica na prática clínica tornaram necessária a construção de currículo mínimo central, orientado pela realidade do país, associado à formação de profissional mais adequado a esta realidade, motivado e capacitado para a busca por novas informações que não se limitassem ao conhecimento adquirido durante o curso médico.1,10
O movimento de reforma do currículo médico evoluiu a partir das propostas do início do século passado, procurando sanar deficiências, como a falta de visão humanística, a baixa capacidade de comunicação e a baixa capacidade de trabalho em equipe dos médicos formados nos currículos tradicionais.11 Os avanços das investigações no campo da Psicologia cognitiva indicaram a necessidade de adoção de novas abordagens e métodos educacionais fundamentados em um processo de construção de conhecimentos no qual o estudante teria papel ativo. A proposta e adoção de currículos baseados no PBL é, em parte, resultante do reconhecimento da relevância dessas mudanças,10 da necessidade de formar profissionais voltados para a comunidade, preocupados com a melhor comunicação com os pacientes e com problemas humanísticos e éticos.11
Fundamentos cognitivos do PBL
A melhor compreensão dos fatores que influenciam o armazenamento e a recuperação de informações pela mente humana foi um grande passo para o desenvolvimento de metodologias de ensino mais adequadas ao aprendizado de adultos. Henk Schmidt cita seis fundamentos básicos para o aprendizado:12
a disponibilidade de conhecimentos prévios, que é o principal determinante da natureza e da qualidade de novas informações que um indivíduo pode processar;
a ativação dos conhecimentos prévios a partir de "pistas" dadas pelo contexto em que as novas informações estão sendo estudadas, que é essencial para possibilitar que elas sejam compreendidas e relembradas;
a elaboração das novas informações, que favorece o seu armazenamento na memória e sua recuperação posterior;
a motivação para a aprendizagem, que leva a maior tempo de estudo e, conseqüentemente, a melhores resultados;
a maneira pela qual o conhecimento está estruturado na memória, que determina o quanto ele é acessível para utilização;
a "dependência do contexto", que gera a possibilidade de ativar o conhecimento existente na memória de longo prazo em contextos futuros semelhantes.
O PBL nasceu da melhor compreensão do processo de aprendizado do adulto. Seus princípios básicos não são novos, tendo muitos deles sido trabalhados na década de 50.2
O ensino contextualizado, ou seja, o ensino em uma situação próxima daquela na qual o conhecimento será utilizado, aumenta a compreensão, a retenção e o aprendizado em adultos. Outros fatores importantes no aprendizado são: o aprendizado cumulativo, o aprendizado baseado nas dúvidas/questões dos próprios alunos, a integração de diferentes áreas do conhecimento e aplicação do conhecimento adquirido em situações reais.1
O PBL inclui a estruturação do conhecimento dentro de um contexto específico, permite ao aluno defrontar-se com problemas concretos, o que poderia potencializar o desenvolvimento do raciocínio clínico, favorece o desenvolvimento da habilidade de estudo autodirigido e o aumento da motivação para o estudo.13
O método PBL valoriza, além do conteúdo a ser aprendido, a forma como ocorre o aprendizado, reforçando o papel ativo do aluno neste processo, permitindo que ele aprenda como aprender.
Bases teóricas e dinâmica do grupo tutorial
No PBL, a estratégia educacional central do currículo é a discussão de situações-problema ou casos clínicos em pequenos grupos, chamados de grupos tutoriais. Esses grupos de aprendizagem, além de facilitar o processo de aquisição de conhecimentos, contribuem de maneira significativa para o desenvolvimento de outros atributos na formação do aluno, entre eles: habilidades de comunicação, trabalho em equipe, solução de problemas, respeito aos colegas e desenvolvimento de postura crítica. O desenvolvimento dessas habilidades e domínio de conhecimento de situações práticas traria ao futuro médico mais capacidade de lidar com os problemas da vida profissional.14,15
Os grupos são formados por oito a 10 alunos e um tutor, geralmente um professor. Antes do início da reunião, é escolhido entre os alunos um coordenador, para dirigir a sessão, e um relator, para registrar as discussões do grupo. A função do tutor é facilitar o funcionamento do grupo (ajudando o coordenador, se necessário) e garantir que o grupo atinja os objetivos de aprendizado de acordo com o que foi definido no currículo. Pode ser necessário que o tutor tenha papel mais ativo, certificando-se de que o grupo faça a análise adequada do problema. As intervenções do tutor devem limitar-se ao mínimo necessário, para evitar-se que ele assuma o papel do coordenador ou dite a direção da resolução do problema, o que pode ser desestimulante e prejudicial para as próximas sessões.
O Quadro 1 descreve o papel de cada um dos membros do grupo tutorial.14,15
Os grupos tutoriais têm sistemática própria, bastante estruturada, por meio da qual os alunos realizam um processo de análise e resolução de problemas. Para cada problema, são realizadas duas sessões, em dias diferentes. A primeira sessão, na qual se discute o caso, é chamada de sessão de análise e a segunda é a sessão de resolução. O modo de condução das sessões pode variar de instituição para instituição. Neste artigo, será descrito o método dos Sete Passos, adotado pela Universidade de Maastricht, Holanda (Quadro 2). Os passos de 1 a 5 são realizados na sessão de análise. Entre as duas sessões, o aluno deve realizar pesquisa em diferentes fontes de informações sobre os objetivos de aprendizagem propostos. Essa etapa de estudo individual e autodirigido constitui o passo 6. O passo 7 é a sessão de resolução, na qual os alunos voltam a se reunir em grupo e revisam a resolução do problema (passo 4) à luz dos novos conhecimentos. O passo 7 permite corrigir e completar a resolução do problema, sistematizando os novos conhecimentos adquiridos.14,15
Os Sete Passos do grupo tutorial estão relacionados com os fundamentos do aprendizado, discutidos anteriormente. O Quadro 3 apresenta essas relações de forma mais didática. Na prática, é difícil correlacionar cada princípio de aprendizado a um único passo. A aquisição de conhecimentos dentro de um contexto, por exemplo, decorre da própria utilização de problemas similares àqueles da prática profissional e está, assim, presente em todo o ciclo do PBL. Aspectos relacionados ao contexto do problema e/ou à dinâmica do grupo podem incrementar ou limitar a aplicação de determinado princípio nos diversos passos do ciclo. De modo geral, os passos três, quatro e cinco estão relacionados à estruturação do conhecimento em torno do problema e os passos seis e sete com a elaboração e aquisição de novos conhecimentos.
A elaboração do problema é crucial para o bom aproveitamento do grupo tutorial. Os problemas são construídos pelos docentes a partir de objetivos de aprendizagem definidos no currículo do curso e devem ser adequados ao estádio do curso e ao nível de compreensão dos alunos. Devem representar situações que estimulem a curiosidade ou que tenham relevância na prática futura. Os problemas devem integrar a área básica e a clínica e induzir a consulta a fontes bibliográficas de áreas diferentes (p.ex. clínica médica e patologia). Eles devem permitir discussão mais ampla dentro dos objetivos propostos, de modo a estimular os alunos. No seu final deve haver instrução para orientar a direção da discussão. Ele pode ser baseado em casos clínicos, dados experimentais, artigos de jornais ou científicos, fotos ou mesmo filmes ou vídeo clips. O Quadro 4 apresenta um problema utilizado no Bloco de Introdução ao Curso de Medicina Humana da UNIFENAS-Belo Horizonte, Minas Gerais. Os alunos, durante a análise deste caso, são estimulados a discutir e aprender o conceito de homeostase e a lógica da regulação dos sistemas orgânicos. Após a discussão, eles devem aprender e reconhecer a existência dos mecanismos básicos para manutenção da homeostase no organismo humano, em especial aqueles relacionados à circulação, respiração e regulação da temperatura (objetivos de aprendizado).
Avaliação da implantação do PBL
Os resultados do currículo baseado no PBL têm sido avaliados a partir de comparação entre o desempenho dos alunos desse método de ensino com os alunos do ensino tradicional. A metodologia utilizada inclui, na maioria dos estudos, a utilização dos testes adotados em alguns países para obtenção do registro de médico. Nos Estados Unidos, o National Board of Medical Examiners (NBME) foi utilizado até 1995, sendo substituído, a partir de 1996, pelo United States Medical Licesing Examination (USMLE). Neste novo teste, as questões dão mais ênfase à avaliação da aplicação do conhecimento, ao invés da avaliação do conhecimento factual. O teste é aplicado em três fases distintas, a exemplo do que acontecia com o NBME. A primeira etapa é realizada no segundo ano do curso e avalia a aplicação dos conhecimentos de ciências básicas na prática clínica. A segunda etapa, realizada no quarto ano, avalia a aplicação do conhecimento médico e das habilidades clínicas. A terceira etapa é realizada durante a residência médica e avalia a capacidade para a prática médica. No Canadá, o exame de qualificação é denominado Medical Council of Canada Qualifying Examination (MCC) e é realizado em duas etapas; a primeira, após o final do curso médico, e a segunda durante a residência médica. A primeira etapa é constituída por questões de múltipla escolha e abertas, que devem ser resolvidas com respostas curtas para a solução de problemas e demonstração de raciocínio clínico. A segunda etapa avalia o desempenho clínico em um encontro com o paciente, abrangendo quatro aspectos: coleta de dados, solução de problemas, habilidade de comunicação e pontuação total.
Em 1993, foram publicadas duas importantes revisões acerca desses estudos comparativos, por Albanese et al.16 e Vermon et al.17.O estudo de Albanese et al.16 relata uma metanálise de artigos publicados entre 1972 e 1992. Apesar das dificuldades metodológicas na comparação das diferentes pesquisas, os autores detectaram algumas diferenças relevantes entre os cursos de ensino PBL e os cursos de ensino tradicional. Os alunos do PBL mostraram pior desempenho nas avaliações de área básica e melhor desempenho nos exames clínicos. Observou-se, também, diferença na forma de estudo. Nos cursos PBL, verificou-se maior utilização dos recursos da biblioteca pelos estudantes. Esses alunos mostraram tendência a fazer análise prévia daquilo que é necessário estudar para determinada tarefa e, durante o processo de estudo, buscaram mais a compreensão do tema do que a informação direta. O índice de satisfação dos estudantes com o curso foi mais alto em relação aos cursos PBL. Os autores mostram, ao final da revisão, a necessidade de se aprofundar nas pesquisas sobre a constituição dos alicerces cognitivos dos estudantes de Medicina e sobre o desenvolvimento do raciocínio clínico.16 Vermon et al.17 investigaram oito Universidades e observaram que os estudantes do currículo tradicional apresentavam média ponderada 0,18 mais alta nas ciências básicas no NBME I e média ponderada 0,26 mais baixa no NBME III (predominantemente clínico) quando comparados com estudantes do PBL.17
Na Universidade do Novo México, em 1993, Mennin et al. encontraram resultados semelhantes no que concerne ao desempenho cognitivo demonstrado nas avaliações. Os alunos do currículo tradicional estavam mais bem preparados para o NBME I e os estudantes do PBL para o NBME III. Não houve diferença de desempenho dos alunos de ambos os currículos no NBME II.18
A pesquisa realizada por Shin et al., também em 1993, comparou médicos graduados há alguns anos, sendo 48 formados em McMaster (PBL) e 48 formados em Toronto (ensino tradicional). Os egressos de McMaster apresentaram pontuação mais elevada em teste sobre conhecimentos de hipertensão arterial.19
Thomas realizou uma revisão, em 1997, para investigar a evidência quantitativa da capacidade do PBL em atingir seus quatro objetivos essenciais: a motivação para o aprendizado, o desenvolvimento do raciocínio clínico, a estruturação do conhecimento em contexto clínico e o desenvolvimento de habilidades de auto-aprendizado. Existe consenso, entre estudantes e professores, que correlaciona o PBL com incremento da motivação ao aprendizado, mas não existem evidências diretas que mostrem como um aspecto específico dos problemas estimula o aprendizado aplicável no cuidado com o paciente. O autor não encontrou estudos suficientemente esclarecedores acerca do desenvolvimento do raciocínio clínico. Os achados relativos aos conhecimentos clínicos dos estudantes eram provenientes das análises dos resultados das avaliações para obtenção de registro médico (NBME, MCC), com resultados semelhantes aos descritos anteriormente. Em relação ao efeito do PBL na habilidade de auto-aprendizado, vários estudos mostraram maior variedade e melhor qualidade das fontes de estudo utilizadas pelos alunos das faculdades com cursos PBL.20
Kaufman21, em 1999, comparou o desempenho dos alunos de um currículo PBL e tradicional do curso médico da Universidade de Dalhousie, Canadá, em três situações: a) no final do segundo ano do curso pré-clínico, avaliando o conhecimento na área de ciências básicas; b) no final da graduação na parte I do Medical Council of Canada Qualifying Examination (MCC); e c) durante a residência médica, 17 meses após a graduação, na segunda parte do MCC. A população avaliada era constituída por 81 estudantes da classe tradicional de 1995, 84 estudantes da classe PBL de 1996 e 78 estudantes da classe PBL de 1997. No teste de conhecimento aplicado após a parte básica do curso, a primeira turma do currículo PBL (1996) apresentou desempenho significativamente pior que a turma do currículo tradicional. O desempenho dos alunos da segunda turma de PBL (1997), por sua vez, foi equivalente ao dos alunos do currículo tradicional. No MCC, aplicado no final da parte clínica do curso médico, as três turmas mostraram resultados equivalentes. Observou-se melhor desempenho na área de Psiquiatria nas duas turmas de PBL e na de Medicina preventiva e social na segunda turma de PBL. A comparação durante o programa de residência mostrou equivalência entre as três turmas quanto à capacidade de coleta de dados do paciente e de solução de problemas. Um resultado inesperado foi a melhor qualidade na habilidade de comunicação apresentada pelos alunos do currículo tradicional.21
Estudo realizado por Antepohl e Herzig6 comparou, de forma randomizada, a utilização do PBL e do currículo tradicional na administração do curso de Farmacologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Colônia, Alemanha. Foram alocados 123 alunos por meio de um processo randomizado, para dois grupos. No primeiro grupo (n=63) utilizou-se o PBL como estratégia educacional e, no segundo grupo (n=60), empregou-se o ensino tradicional baseado em aulas expositivas. O desempenho dos alunos foi avaliado por meio de prova com questões de múltipla escolha e questões abertas curtas. Paralelamente, analisou-se a preferência do aluno por um dos métodos pedagógicos, antes e após o curso, por intermédio de questionário específico. Os alunos do grupo PBL preencheram um segundo questionário, destinado a avaliar o nível de satisfação deles com o método. As notas finais do curso não mostraram diferenças entre os dois grupos. Os alunos do grupo PBL apresentaram notas mais altas nas questões abertas (11,2 pontos contra 9,8 pontos), mas essa diferença não foi estatisticamente significativa (p=0,07). É interessante notar que, apesar de não haverem diferenças significativas, os alunos do grupo PBL relataram o uso de maior número de fontes alternativas de informação, avaliaram o grupo tutorial como um ambiente agradável e recomendariam o PBL para outros colegas. Esses alunos relataram mais integração com outras disciplinas além da farmacologia durante o estudo.6
Blake et al.5 compararam o desempenho dos alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de Missouri - Columbia (UMC), Estados Unidos, no USMLE antes e após a implantação do currículo PBL. O instrumento de comparação adotado foi a nota obtida pelos alunos no USMLE 1 (área básica) e USMLE 2 (área clínica). Foram avaliadas duas turmas do currículo tradicional (1995 e 1996) e quatro turmas do novo currículo - PBL (1997 a 2000). Historicamente, os alunos da UMC apresentavam notas um pouco abaixo da média americana no exame de admissão em escolas médicas (Medical College Admission Test). Os resultados demonstraram melhor desempenho das turmas do PBL no USMLE 1 e 2, quando comparadas com as turmas tradicionais. Houve aumento estatisticamente significativo da nota média em comparação com a média nacional. As turmas de currículo tradicional apresentaram nota média abaixo da média nacional e as turmas do PBL apresentaram notas médias superiores à média nacional. Essas diferenças foram estatisticamente significativas para as turmas de 1997 a 2000. Em relação ao percentual de alunos com nota nos percentis 99, 95 e 90, houve aumento significativo dessas proporções nas turmas mais novas, quando comparadas com as turmas de currículo tradicional.5
DISCUSSÃO
A discussão sobre ensino médico é assunto de extrema importância e, nos últimos anos, vem ganhando mais espaço no Brasil, com a adoção de estratégias inovadoras, como o PBL, em vários cursos de Medicina. A adaptação dos currículos à realidade do país e de seu sistema de saúde e a implantação de estratégias inovadoras de ensino vêm ao encontro da necessidade de construção de currículo mínimo central e da formação de profissional conhecedor da realidade do país, motivado e apto para a busca de novas informações e que não se limite à aquisição passiva de conhecimentos durante o curso médico.
O conhecimento dos fatores que influenciam a memória humana e a recuperação das informações armazenadas levou ao desenvolvimento de metodologias de ensino mais adequadas ao aprendizado de adultos, como o PBL. A partir do ensino contextualizado, o PBL aumenta a compreensão, a retenção dos conhecimentos e o aprendizado, o que deve fomentar a formação de profissional capaz de estruturar melhor os conhecimentos em um contexto específico e com capacidade e motivação para o estudo. Além disso, o PBL permite o desenvolvimento de habilidades de comunicação, da capacidade de trabalho em equipe, do respeito aos colegas e de postura crítica.
Existe grande dificuldade metodológica na comparação entre o método tradicional e o PBL. A maioria dos estudos utiliza dados históricos para comparação, como as notas obtidas por diferentes turmas da mesma instituição no NBME, USMLE ou MCC. Além das diferenças não controláveis entre os alunos dessas diferentes turmas, a mudança do NBME para o USMLE provocou mudança do tipo de avaliação, que se tornou menos factual, o que, teoricamente, favorece o currículo PBL. O processo de seleção de alunos nas Universidades americanas também pode influenciar a comparação, uma vez que as instituições mais famosas, como Harvard, por exemplo, escolhem os melhores alunos, que, segundo alguns autores, terão melhor desempenho independentemente do método pedagógico do curso. Existem poucos estudos randomizados que compararam concomitantemente os dois métodos. Apesar dessas limitações, parece ser possível concluir que a maioria dos estudos recentes não aponta diferenças no desempenho dos alunos egressos de currículos PBL quando comparados a currículos tradicionais. Eles mostram, no entanto, mais satisfação dos estudantes e motivação para o estudo, estilo de aprendizagem mais voltado para a compreensão dos processos e mais utilização de fontes bibliográficas nos currículos PBL, além de pequenas vantagens em habilidades como comunicação e trabalho em equipe.
Pode-se concluir, baseado nos resultados apresentados, que o PBL é uma abordagem educacional que parece trazer respostas a algumas necessidades atuais, consideradas centrais no processo de reforma do ensino médico no Brasil.
REFERÊNCIAS
1. Engel CE. Problem-based learning. Br J Hosp Med. 1992;48:325-9.
2. Donner RS, Bickley H. Problem-based learning: an assessment of its feasibility and cost. Hum Pathol. 1990;21:881-5.
3. Barrows HS. Problem-based, self-directed learning. JAMA. 1983;250:3077-80.
4. Schmidt HG. Problem-based learning: rationale and description. Med Educ. 1983;17:11-6.
5. Blake RL, Hosokawa MC, Riley SL. Student performances on Step 1 and Step 2 of the United States Medical Licensing Examination following implementation of a problem-based learning curriculum. Acad Med. 2000;75:66-70.
6. Antepohl W, Herzig S. Problem-based learning versus lecture-based learning in a course of basic pharmacology: a controlled, randomized study. Med Educ. 1999;33:106-13.
7. Eshach H, Bitterman H. From case-based reasoning to problem-based learning. Acad Med. 2003;78:491-6.
8. How to read clinical journals: I. why to read them and how to start reading them critically. Can Med Assoc J. 1981;124:555-8.
9. Friedland DSM, Subak L, Bent S, Mendelsen T. Evaluating integrative literature. In: Friedland D GA, Davoren J, Editors. Evidence-Based Medicine. A framework for clinical practice. Stanford: Appleton & Lange; 1998. p.221-46.
10. Carlile S, Barnet S, Sefton A, Uther J. Medical problem based learning supported by intranet technology: a natural student centred approach. Int J Med Inf. 1998;50:225-33.
11. Des Marchais JE, Bureau MA, Dumais B, Pigeon G. From traditional to problem-based learning: a case report of complete curriculum reform. Med Educ. 1992;26:190-9.
12. Schmidt HG. Foundations of problem-based learning: some explanatory notes. Med Educ. 1993;27:422-32.
13. Guerrero AP. Mechanistic case diagramming: a tool for problem-based learning. Acad Med. 2001;76:385-9.
14. Bligh J. Problem-based learning in medicine: an introduction. Postgrad Med J. 1995;71:323-6.
15. Wood DF. Problem based learning. BMJ. 2003;326:328-30.
16. Albanese MA, Mitchell S. Problem-based learning: a review of literature on its outcomes and implementation issues. Acad Med. 1993;68:52-81.
17. Vernon DT, Blake RL. Does problem-based learning work? A meta-analysis of evaluative research. Acad Med. 1993;68:550-63.
18. Mennin S, Gordan P, Majoor G, Osman HA. Position paper on problem-based learning. Educ Health. (Abingdon) 2003;16:98-113.
19. Shin JH, Haynes RB, Johnston ME. Effect of problembased, self-directed undergraduate education on lifelong learning. Can Med Assoc J. 1993;148:969-76.
20. Thomas RE. Problem-based learning: measurable outcomes. Med Educ. 1997;31:320-9.
21. Kaufman DM, Mann KV. Achievement of Students in a Conventional and Problem-Based Learning (PBL) Curriculum. Adv Health Sci Educ Theory Pract. 1999;4:245-60.
Copyright 2024 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License