RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 24. 1 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20140020

Voltar ao Sumário

Artigos de Revisão

Paracoccidioidomicose (doença de Lutz-SPLENDORE-almeida): tratamento, duração do tratamento, recidiva, reação paradoxal, prognóstico, profilaxia

Paracoccidioidomycosis (Lutz-Splendore-Almeida disease): treatment, duration of treatment, recurrence, paradoxical reaction, prognosis, prophylaxis

Alexandre Vasconcellos Alvim Ambrósio1; Camila Cristiane Silva Camelo1; Carolina Venâncio Barbosa1; Flávia Augusto de Souza Brazoes1; Lucas Fonseca Rodrigues1; Raíza Almeida Aguiar1; Valdirene Silva Siqueira1; Victor Bastos Jardim1; Ana Cláudia Lyon de Moura2; Lílian da Silva Santos2; Samuel Gonçalves da Cruz2; Weverton César Siqueira2; Fabiana Rocha-Silva3; Rachel Basques Caligiorne3; Alfredo Miranda Góes4; Enio Roberto Pietra Pedroso5

1. Acadêmico do Curso de Medicina. Bolsista de Iniciaçao Científica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Pós-graduando do Curso de Pós-Graduaçao em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina Tropical, Departamento de Clínica Médica, da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Laboratório de Micologia da Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Biólogo. Professor Associado IV. Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
5. Médico. Doutor em Medicina Tropical. Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Enio Roberto Pietra Pedroso
E-mail: enio@medicina.ufmg.br

Recebido em: 16/01/2014
Aprovado em: 10/02/2014

Instituiçao: Curso de Pós-Graduaçao em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina Tropical, Departamento de Clínica Médica, da Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

A paracoccidioidomicose, apesar de ser a micose profunda mais importante da América Latina, ainda possui muitas lacunas quanto à sua abordagem, especialmente em relação à duração de seu tratamento, controle de cura e profilaxia. Na dependência da sua gravidade podem ser usadas em seu tratamento: sulfas, azólicos (itraconazol e o cetoconazol) e anfotericina. O prognóstico depende da sua gravidade, do tempo para estabelecer o diagnóstico e da terapêutica instituída. Nas formas leves é bom; e nas formas moderadas e graves, em que há risco do desenvolvimento de sequelas e de morte, é reservado.

Palavras-chave: Paracoccidioidomicose; Micose; Paracoccidioides.

 

INTRODUÇÃO

A paracoccidioidomicose (PCM) é a mais importante micose profunda existente na América Latina.1-3 Pode acometer pessoas de todas as faixas etárias e evoluir de forma aguda-subaguda ou crônica, principalmente em crianças-adolescentes e adultos após os 30 anos de idade, respectivamente.1-8

Sua importância relaciona-se aos custos sociais e econômicos derivados não apenas da doença em atividade, por ocorrer em indivíduos na fase mais produtiva da vida, mas também pela determinação de sequelas, que representam motivo de incapacitação para o trabalho.1-3

O conhecimento sobre a PCM ainda requer desvendar aspectos relevantes da sua terapêutica e profilaxia.1-10

 

TRATAMENTO

As medidas gerais, não farmacológicas, são muito importantes e caracterizadas pela dieta adequada, para promover a recuperação da desnutrição, caso presente; e a interrupção do tabagismo e alcoolismo, se existentes. O uso de alimentação enteral ou parenteral pode ser necessária em algumas situações de acometimento grave e sem perspectiva de uso da via oral por menos de sete dias de início da terapia específica.1-7

A proteção ambiental em relação aos riscos de manipulação da terra com equipamentos de proteção individual de contaminação aérea ainda constitui medida de indicação limitada devido, especialmente, ao desconhecimento do real habitat do fungo.1-4

As medidas farmacológicas consistem em antifúngicos com efeito sobre o P. brasiliensis. A escolha da droga a ser administrada depende de várias circunstâncias, como: gravidade clínica, história prévia de resistência terapêutica, capacidade de absorção gastrintestinal do fármaco, associação com comorbidades e adesão ao tratamento. O P. brasiliensis é sensível à maioria dos antifúngicos, incluindo sulfonamidas, azóis (cetoconazol, fluconazol, itraconazol, posaconazol, voriconazol), anfotericina B e terbinafina.1,2,9,10

Podem ser usados nas formas localizadas leve ou moderada o sulfametoxazol-trimetoprim (SMX-TMP) ou itraconazol,5-7,9,10 sendo a anfotericina B (ou formulação lipídica) reservada para as formas disseminadas e graves, como no sistema nervoso central (SNC).2,9,10 Outra opção para uso na doença grave, apesar da sua pouca experiência, é o voriconazol intravenoso (IV). O fluconazol e a terbinafina, apesar de ativas contra o P. brasiliensis, possuem experiência clínica limitada para que sejam usados rotineiramente.

Estao disponíveis para uso os seguintes medicamentos:

sulfas: a sulfadiazina é efetiva, entretanto, sua posologia via oral (VO) de 6/6 horas torna a adesão difícil, especialmente por requerer meses a anos de administração continuada (Tabela 1).

 

 

A associação SMX-TMP pode ser administrada VO ou IV. A administração VO deve ser feita sob a forma de comprimido, na dose de 400-80 ou 800-160 mg; ou solução líquida, 200-40 ou 400-80 mg em cada 5 mL. As crianças que não conseguem ingerir comprimidos ou cápsulas podem se beneficiar da solução oral (xarope) ou de sonda nasogástrica ou nasoentérica de SMX-TMP (10 mg/kg por dia, com base no componente TMP dividido de 12/12 horas). A via IV deve ser feita na dose de 400-80 mg em cada 5 mL por ampola, para diluir uma a duas ou três ampolas, em 125 a 250 ou 500 mL de NaCl 0,9% ou SGI, respectivamente, sob infusão em 30 a 60 minutos. Em paciente sob restrição hídrica, os 5 mL da ampola podem ser diluídos em 75 mL de NaCl 0,9% ou SGI, na dose de 800/160 mg, de 12/12 horas. A duração do tratamento é, em geral, de dois a três anos. A eficácia terapêutica situa-se em torno de 95%. A SMT-TMP pode ser usada, excepcionalmente, em formas graves, na dose de 8 a 10 mg/kg/dia do componente TMP dividida em três doses diárias. A infusão IV deve ser transformada em VO com a melhora clínica do paciente. A SMX-TMP é bem tolerada, com reações adversas ocorrendo em torno de 8% dos casos, que se eleva para 25 a 50% em portadores de síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS). Seus efeitos adversos mais comuns envolvem a pele (prurido, erupção, necrólise epidérmica tóxica) e os aparelhos digestivo (náuseas, vômitos, aumento das transaminases) e hematopoiético (trombocitopenia). Não deve ser usada no último mês de gravidez nem durante a amamentação, pelo risco de promover kernicterus.

A opção pela SMX-TMP como droga de escolha se faz pela sua disponibilidade no Sistema de Saúde Público, baixo custo, boa tolerabilidade, menos necessidade de controle laboratorial em relação aos seus efeitos adversos e a possibilidade de administração, para crianças e idosos, da preparação sob a forma de xarope de boa tolerabilidade ou pela via IV diante da indisponibilidade da via oral.9-11

azólicos: podem ser usados itraconazol, cetoconazol ou voriconazol.

O itraconazol constitui-se, assim como a associação SMX-TMP, na terapêutica de escolha na PCM sem acometimento sistêmico grave. Pode ser administrado VO ou IV. A dose VO deve ser de 200 mg/dia, por seis a 18 meses. As crianças que não conseguem deglutir comprimidos ou cápsulas podem se beneficiar da solução oral de itraconazol (5 mg/kg de 24/24 horas). Não deve ser usado durante a gravidez nem nas meningites (possui baixos níveis liquóricos). Sua absorção é mais intensa em jejum, entretanto, a formulação em cápsula é mais bem absorvida quando ingerida com alimento. Sua absorção pela VO é comprometida pelo uso simultâneo de bloqueadores H2, omeprazol e de antiácidos. Possui ampla distribuição nos tecidos humanos. Sua concentração no SNC é duas a 10 vezes maior do que a do plasma. Atinge o leito ungueal dos pés duas semanas após ter sido administrado e perdura por 12 meses. É eliminado pela bile, urina e leite. Seus efeitos adversos principais são: náuseas, vômitos, hipertrigliceridemia, hipopotassemia, aumento das transaminases e da pressão arterial sistêmica, erupções, prurido, cefaleia, zumbidos, edema nos pés e raramente insuficiência cardíaca. A suspensão de sua administração pode ser necessária em 4% dos pacientes. Está contraindicado na gravidez, exceto na infecção sem alternativa terapêutica, e em uso simultâneo com astemizol, cisaprida e terfenadina. Potencializa a ação de benzodiazepínicos, fenitoína, indinavir, rifabutina, rifampicina, warfarin. Sua eficácia terapêutica situa-se em 95%.9,10,12-18

O cetoconazol é apresentado sob a forma de comprimidos de 200 mg e de creme ou shampoo a 2%. Pode ser usado nas infecções sistêmicas extrameningeanas em pacientes imunossupressos, na dose de 400 mg/dia, por seis a 18 meses ou mais; e para prevenir a recaída, na dose de 600 a 800 mg/dia ou mais por tempo longo ou indeterminado, em pacientes sem resposta ao esquema proposto. É rapidamente absorvido pela VO, com seus níveis séricos atingindo o máximo em duas horas e sendo mantidos adequados por mais de 11 horas. Seu metabolismo é hepático e seus metabólitos inativos são excretados, principalmente, pela bile. Sua absorção está diminuída se usado com antiácido, bloqueadores H2, omeprazol e na gastrite, acloridria pós-cirurgia gástrica, anemia perniciosa e AIDSA. É encontrado no suor e em pequena concentração na saliva, urina e SNC. Possui grande afinidade pela ceratina ungueal. Apresenta resistência cruzada com outros azólicos. Seus efeitos adversos ocorrem em 20 e 30% dos pacientes que recebem 400 e 800 mg/dia, respectivamente, caracterizados por: anorexia, diminuição da libido, erupção cutânea, transaminases pouco elevadas, ginecomastia, hepatite, impotência sexual, náuseas e vômitos. É rapidamente depurado se usado com rifampicina, fenitoína e isoniazida. É contraindicada sua associação com terfenadina, astemizol ou cisaprida. É bem tolerado com alimentos ou em doses fracionadas. Não deve ser usado na lactação. Provoca efeito teratogênico quando usado em ratos. O uso prolongado requer a monitorização da função hepática, especialmente em idosos.9,10,12-18

O voriconazol tem excelente atividade in vitro contra P. brasiliensis, entretanto, seu uso na PCM humana possui poucos dados. Pode ser administrado na dose de 400 mg, de 12/12 horas, no primeiro dia de tratamento, e a seguir 200 mg, de 12/12 horas. A duração média de tratamento deve ser de seis meses. Sua eficácia terapêutica situa-se em torno de 90%. A toxicidade do voriconazol decorre de hepatotoxicidade, erupção cutânea devido à fotossensibilidade e distúrbios visuais transitórios. Pode ser usado, excepcionalmente, nas formas graves da PCM, em doses similares às empregadas para outras infecções invasivas.15-23

anfotericina: possui várias apresentações farmacológicas e uso apenas pela via IV. A anfotericina B (anfotericina B deoxicolato) é apresentada em frasco com 50 mg para uso IV após diluição em SGI, em infusão lenta, durante três a cinco horas ou mais, em concentrações de no máximo 10 mg/mL.

Deve ser administrada na dose de 0,5 a 1 mg/kg por dia, diluída em 50 a 250 mL de SGI, e infundida em quatro a seis ou mais horas, com a primeira dose sob monitorização de dados vitais de 30/30 minutos para surpreender alguma reação anafilática. Não deve ser administrado mais de 1,5 mg/kg/dia. Baixas doses de anfotericina B promovem perda de cátions e de pequenas moléculas pela célula fúngica (ação fungistática). As doses mais altas e acumuladas provocam perda de constituintes celulares, alterações metabólicas e morte celular (ação fungicida). Possui ainda potente ação imunoestimuladora humoral e celular, o que potencializa a produção de anticorpos e aumenta as reações de hipersensibilidade tardia. Sua ação nefrotóxica pode ser agravada pelo uso simultâneo de aminoglicosídeos, ciclosporina e de antiblásticos. Os corticoides ou digitálicos agravam a depleção de potássio provocada pela anfotericina. Observa-se antagonismo, in vitro, entre anfotericina B e os imidazólicos.19-22

As formulações lipídicas (preparados lipossomal, de dispersão coloidal e complexo lipídico) possuem mecanismo de ação igual ao da anfotericina B convencional, com nefrotoxicidade reduzida, entretanto, seu custo é elevado. Não devem ser usadas como drogas de primeira escolha no tratamento de infecções fúngicas. Todas as preparações são igualmente eficazes. As formulações disponíveis, são: complexo lipídico de anfotericina B (ABLC, Abelcef); anfotericina B dispersão coloidal (Amphotec); e anfotericina B lipossomal (AmBisome), a serem administradas, respectivamente: 5 mg/kg/dia, em infusão de 2,5 mg/kg/hora; 3 a 4 mg/kg/dia, em infusão de 2 mg/kg/hora; e 3 a 5 mg/kg/dia, em infusão em 2 horas. São indicadas diante de: intolerância à anfotericina B convencional; insuficiência renal progressiva; e quando há contraindicação ao uso de azólicos, como terapia alternativa.19-22

A anfotericina possui baixa concentração no liquor; humor aquoso; e líquidos pleural, pericárdico, peritoneal e sinovial. Sua concentração biliar pode ser elevada. A concentração fetal é metade da plasmática materna. Seu armazenamento em tecidos humanos é duradouro (fígado, baço, rins), sendo detectada no plasma e na urina, ao final do tratamento, por até quatro e oito semanas, respectivamente. A principal excreção é renal e proporcionalmente inversa à depuração da creatinina. A formulação lipídica pode ser administrada em doses mais altas, com menos toxicidade renal e reações à infusão, sem ser retida nas insuficiências hepática e renal.

Não é observada resistência à anfotericina B. Provoca anorexia, artralgia, calafrios, cefaleia, cólicas, dispepsia, emagrecimento, epigastralgia, anemia, febre, flebite, hipotensão, náuseas, taquipneia, vômitos, parada cardíaca e morte (se injeção IV rápida). Seu uso prolongado pode promover arritmias, miocardite, toxicidade renal e hipopotassemia. A disfunção renal que desencadeia é reversível nas duas semanas iniciais de tratamento, ao cessar ou diminuir a sua infusão. A insuficiência renal irreversível pode ocorrer com dose total além de 7 g. Deve ser corrigida a depleção de sódio e potássio. A formulação lipídica reduz a toxicidade renal e atenua as reações à infusão.9,10,19-21

A reação infusional pode ser evitada ou tratada com a administração de: a) NaCl 0,9%, 500 mL, antes e após a infusão da dose de anfotericina B (desde que não haja contraindicações); b) paracetamol, 750 mg, VO, 30 minutos antes; c) meperidina, 25 a 50 mg, ou hidrocortisona 500 mg ou prometazina 30 minutos antes; d) heparina, 500 U, IV, 30 minutos antes. As reações diminuem com a infusão em veia central, lenta, em dias alternados. A descontinuação é desnecessária, a menos que haja reação grave. A hemodiálise não afeta seus níveis circulantes. Não associa a efeitos colaterais em gestante além dos já descritos. Pode se concentrar nos tecidos fetais. Sua administração deve ser acompanhada por monitorização de creatininemia, uremia, potassemia, magnesemia, hemograma, transaminases oxalacética e pirúvica séricas, além de eletrocardiograma uma a duas vezes por semana.9,10

A mudança da via IV para a VO, sonda nasogástrica ou nasoentérica das drogas deve ser feita assim que haja significativa melhora clínica do paciente definida pela normalização da pressão arterial sistêmica, redução da ascite, melhora da função respiratória e estado nutricional, o que se observa após 20 a 40 dias de seu início. Essa transição requer cuidado diante de lesão abdominal extensa, porque a absorção entérica pode ser prejudicada devido ao edema da parede intestinal, à lesão de linfáticos abdominais e à fibrose. Nestes casos, as cápsulas de itraconazol devem ser evitadas devido à sua absorção oral errática.19-21

Tratamento na coinfecção PCM e vírus da imunodeficiência humana/AIDS

A PCM é considerada infecção oportunística em pacientes com AIDS em regioes endêmicas, sendo incluída como a toxoplasmose e a pneumocistose, entre as doenças que devem ser prevenidas com a administração profilática de SMX-TMP.22

Tratamento da PCM no câncer

Existem alguns relatos de maior frequência de neoplasias em regioes endêmicas para a PCM.23,24 A imunossupressão associada à neoplasia e a neutropenia induzida pela própria neoplasia ou terapêutica antiblástica podem ser significativamente importantes para o estabelecimento da PCM. O reconhecimento precoce da PCM pode proporcionar melhor oportunidade de que o tratamento tenha mais sucesso em depurar o P. brasiliensis.25

Tratamento da PCM no SNC

A primeira opção para o tratamento da neuroparacoccidioidomicose é a associação SMZ-TMP, apresentando também o fluconazol e o voriconazol boa penetração na barreira hematoencefálica. O itraconazol, apesar de baixa penetração hematoencefálica, apresenta alguns bons resultados na PCM cerebral.26 A anfotericina pode também ser usada com bons resultados. Pode ocorrer ainda no acometimento do SNC o aumento da pressão intracraniana, sendo necessários procedimentos de drenagem, seja para o exterior ou para o peritônio (derivação ventriculoexterna ou ventriculoperitoneal).

 

DURAÇÃO DO TRATAMENTO

Os principais desafios terapêuticos da PCM são sua longa duração e a alta frequência de recaídas e sequelas; e comorbidades como doenças endêmicas coetâneas como tuberculose, helmintíases intestinais; e tabagismo. A duração do tratamento depende do grau de imunossupressão e da desnutrição, da virulência e inóculo do P. brasiliensis e do antifúngico usado.1,2,21-33 Pode-se dizer mais em cura clínica ou cura aparente do que apenas cura.

A duração do tratamento deve ser mantida até a obtenção dos critérios de cura que envolvem parâmetros: a) clínicos: regressão dos sinais e sintomas, cicatrização de lesões e involução de linfonodopatias; b) radiológicos: estabilização das imagens radiológicas; c) imunológico: negativação dos títulos de imunodifusão dupla em gel de ágar ou pelos antígenos de membrana e extracelulares (MEXO) e recombinante Pb27 usados na técnica de ELISA.31,32 A boa resposta ao tratamento antifúngico associa-se, em geral, à redução no título de anticorpos séricos ou à estabilização do título em valores até 1:2 observada em três amostras de soro com intervalo entre elas de dois meses. Sequelas, entretanto, podem dificultar a interpretação dos dados clínicos e radiológicos. Nos pacientes em que a reação pela imunodifusão dupla em gel de ágar não era positiva antes de se iniciar o tratamento, deve ser usada a normalização da hemossedimentação para o término do tratamento. A hemossedimentação normaliza-se, em geral, entre quatro e 11 meses antes de se negativar a reação de imunodifusão dupla em gel de ágar. O exame sorológico deve ser realizado antes do início do tratamento e de seis em seis meses até a sua conclusão e não constitui critério isolado de término da terapêutica. A sorologia também deve ser solicitada diante de suspeita de recorrência da PCM.

O uso dos azólicos deve ser acompanhado de avaliação dos testes de função hepática devido ao risco de hepatotoxicidade. Em pacientes com comprometimento pulmonar, a telerradiografia de tórax deve ser realizada no momento do diagnóstico e durante as avaliações de acompanhamento terapêutico. A tomografia de tórax deve ser feita diante da simultaneidade de alterações pulmonares devidas à tuberculose ou à doença pulmonar obstrutiva crônica e para avaliação de sequelas pulmonares; a de abdome quando as queixas abdominais são predominantes; e do crânio diante de envolvimento do SNC.27-30

Apesar dessas considerações, a duração do tratamento com azóis é variável entre seis e 12 meses, enquanto com SMT-TMP de pelo menos dois a três anos. Na PCM grave, no acometimento do SNC e em imunossuprimidos (infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, transplantados), pode ser necessário curso terapêutico de mais de dois anos, mesmo quando é usado o itraconazol.

 

RECIDIVA

A recidiva ocorre em pacientes com forma aguda ou subaguda. É observada na forma crônica quando o tratamento é interrompido antes de sua duração recomendada. É observada em menos de 5%, até 25% e de 20 a 30% dos pacientes com PCM crônica que foram tratados adequadamente com itraconazol, SMT-TMP e anfotericina B sem terapia a seguir com medicamentos orais, respectivamente.

Os pacientes com imunossupressão possuem risco especial de recidiva, sendo de 19%, seis vezes maior do que naqueles sem imunossupressão.32,33

 

REAÇÃO PARADOXAL

Pode ocorrer o desenvolvimento de PCM aguda em pacientes imunocompetentes com febre, emagrecimento e drenagem dos gânglios linfáticos persistentes, apesar de longos períodos de tratamento; e melhora com uso de glicocorticoides sistêmicos. Constitui-se em reação paradoxal e deve ser considerada no diagnóstico diferencial da forma aguda ou em pacientes que permanecem sintomáticos apesar do tratamento adequado. São comparadas à síndrome inflamatória da reconstituição imune observada na AIDS.27,32

 

PROGNOSTICO

A intensidade do acometimento pela PCM e o tempo para estabelecer seu diagnóstico e a terapêutica específica são determinantes de seu prognóstico. As formas leves possuem bom prognóstico, enquanto é reservado nas formas moderadas e graves, em que há risco do desenvolvimento de sequelas, especialmente: fibrose e enfisema pulmonares, insuficiência suprarrenal, lesões neurológicas, fibroses cutâneas e mucosas, que podem provocar deformidades físicas e estigmatizantes, como na leishmaniose e hanseníase. A mortalidade em crianças pode atingir 10% dos casos; sendo menor nos adultos, entretanto, as formas crônicas apresentam mais morbidade devido à sequelas, especialmente, pulmonares.

 

PROFILAXIA

As principais medidas de prevenção da PCM decorrem do risco de inoculação do P. brasiliensis por intermédio do uso de folhas de vegetais para a realização de limpeza anal; e pela manipulação do fungo, em laboratórios de pesquisa, e de sua penetração inadvertida pela pele e mucosas.

As medidas de proteção diante dessa inoculação em laboratório consistem em: lavar a área exposta com água e sabao, realizar a pesquisa de anticorpos séricos antiP. brasiliensis e administrar itraconazol 200 mg/dia até que não sejam observadas lesões no local do provável inóculo e adenopatia regional ou viragem sorológica pela reação de imunodifusão dupla em gel de ágar. A vigilância clínica e sorológica deve permanecer por mais dois meses. A vigilância clínica torna-se desnecessária diante de ausência de manifestações clínicas e da manutenção de sorologia negativa. O surgimento de lesões paracoccidióidicas ou de viragem sorológica pela reação de imunodifusão dupla em gel de ágar indica o tratamento antifúngico como o usual.

 

REFERENCIAS

1. Mendes RP. Paracoccidioidomicose. In: Rocha MOC, Pedroso ERP. Fundamentos em Infectologia. Rio de Janeiro: Rubio; 2009. p. 945-94.

2. Bummer E, Castaneda E, Restrepo A. Paracoccidioidomycosis: anupdate. Clin Microbiol Rev. 1993;6(1):89.

3. Coutinho ZF, Silva D, Lazéra M, Petri V, Oliveira RM, Sabroza PC, et al. Paracoccidioidomycosis mortality in Brasil (1980-1995). Cad Saúde Pública. 2002;18(5):1441-54.

4. Lacaz CS. Paracoccidioidomicose. In: Lacaz CS, Porto E, Martins JEC. Micologia Médica. 8. ed., São Paulo: Sarvier; 1991, p. 248-97.

5. Nogueira MGS, Andrade GMQ, Tonelli E. Aspectos laboratoriais evolutivos de crianças em tratamento da paracoccidioidomicose. Rev Soc Bras Med Trop. 2006;39:478-83.

6. Restrepo A, Tobon AM, Agudelo CA. Paracoccidioidomycosis. In: Hospenthal DR, Rinaldi MG. (editors). Diagnosis and treatment of human mycoses. Totowa, NJ: Humana Press; 2008. p. 331.

7. Ferreira MS. Contribuição para o estudo clínico-laboratorial e terapêutico da formação juvenil da paracoccidioidomicose. Rev Pat Trop. 1993;22(2):267-406.

8. Gontijo CCV, Prado RS, Neiva CLS, Freitas RM, Prado FLS, Pereira ARA, et al. A paracocciodioidomicose em pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da UFMG (HC-UFMG). Rev Med Minas Gerais. 2002;13(4):231-3.

9. Biscotto CR, Pedroso ERP. Antifúngicos. In: Pedroso ERP, Rocha MOC. Antibioticoterapia. Clín Med. 2001;1(4):933-46.

10. Menezes VM, Soares BG, Fontes CJ. Drugs for treatingparacoccidioidomycosis. Cochrane Database Syst Rev. 2006;1:CD004967.

11. Barraviera B, Mendes RP, Machado JM, Pereira PCM, Souza MJ, Meira DA. Evaluation of treatment of paracoccidioidomycosis with cotrimazine (combination of sulfadiazine and trimetoprim). Preliminary report. Rev Inst Med Trop S Paulo. 1989;31(1):53.

12. Hahn RC, Fontes CJ, Batista RD, Hamdan JS. In vitro comparison of activities of terbinafine and itraconazole against Paracoccidioidis brasiliensis. J Clin Microbiol. 2002;40:2828.

13. Naranjo MS, Trujillo M, Munera MI, Restrepo P, Gomez I, Restrepo A. Treatment of paracoccidioidomycosis with itraconazole. J Med Vet Mycol. 1990;28(1):67.

14. Queiroz-Telles, F, Colombo, AL, Nucci, M. Comparative efficacy of cotrimoxazole and itraconazole in the treatment of paracoccidioidomycosis. Program and Abstracts of the 38th Interscience Conference on Antimicrobial Agents and Chemotherapy (San Diego). Washington, DC: American Society for Microbiology; 1998.

15. Queiroz-Telles F, Goldani LZ, Schlamm HT, Goodrich JM, Espinel-Ingroff A, Shikanai-Yasuda MA. An open-label comparative pilot study of oral voriconazole and itraconazole for long-term treatment of paracoccidioidomycosis. Clin Infect Dis. 2007;45:1462-9.

16. Shikanai-Yasuda MA, Benard G, Higaki Y, Del Negro GM, Hoo S, Vaccari EH, et al. Randomized trial withitraconazole, ketoconazole and sulfadiazine in paracoccidioidomycosis. Med Mycol. 2002;40(4):411-7.

17. Tobón AM, Agudelo CA, Osorio ML, Alvarez DL, Arango M, Cano LE, Restrepo A. Residual pulmonaryabnormalities in adult patients with chronic paracoccidioidomycosis: prolonged follow-up after itraconazole therapy. Clin Infect Dis. 2003;37(7):898-904.

18. Martinez R, Malta MH, Verceze AV, Arantes MR. Comparative efficacy of fluconazole and amphotericin B in the parenteral treatment of experimental paracoccidioidomycosis in the rat. Mycopathol. 1999;146:131.

19. Campos EP, Sartori JC, Hetch ML, Franco MF. Clinical and serologic features of 47 patients with paracoccidioidomycosis treated by amphotericin B. Rev Inst Med Trop S Paulo. 1984;26(1):212-5.

20. Dietze R, Fowler VG Jr, Steiner TS, Pecanha PM, Corey GR. Failure of amphotericin B colloidal dispersion in the treatment of paracoccidioidomycosis. Am J Trop Med Hyg. 1999;60(5):837-9.

21. Dillon NL, Sampaio SA, Habermann MC, Marques SA, Lastória JC, Stolf HO, et al. Delayed results of treatment of paracoccidioidomycosis with amphotericin B plus sulfamides versus amphotericin B alone. Rev Inst Med Trop S Paulo. 1986;28(4):263.

22. Silva-Vergara ML, Rocha IH, Vasconcelos RR, Maltos AL, Freitas FN, Teixeira LAS, et al. Central bervous system paracoccidioidomycosis in an AIDS patient: case repot. Mycopathol. 2014;177(1-2):137-41.

23. Leao RC, Mendes E. Paracoccidioidomycosis, neoplasia and associated infections. Allergol Immunopathol. 1980;8(3):185-8.

24. Rodrigues GS, Severo CB, Oliveira FM, Moreira JS, Prolla JC, Severo LC. Association between paracoccidioidomycosis and cancer. J Bras Pneumol. 2010;36(3):356-62.

25. Pato AM, Giusiano G, Mangiaterrra M. Association of paracoccidioidomycosis with different pulmonary pathologies in a hospital in Corrientes Province. Rev Argent Microbiol. 2007;39(3):161-5.

26. Fiol FS, Oliveira SJ, Barberato-Filho S, Junqueira FM, Rocha MC, Toledo MI. Paracoccidioidomycosis: evaluation of treatment and patient profile. Braz J Infect Dis. 2013;17(6):720-1.

27. Gryschek RC, Pereira RM, Kono A, Patzina RA, Tresoldi AT, Shikanai-Yasuda MA, et al. Paradoxical reaction to treatment in 2 patients with severe acute paracoccidioidomycosis: a previously unreported complication and its management with corticosteroids. Clin Infect Dis. 2010;50(10):e56-8.

28. McGinnis MR, Pasarell L, Sutton DA, Fothergill AW, Cooper CR, Rinaldi MG. In vitro evaluation of voriconazole against some clinically important fungi. Antimicrob Agents Chemother 1997;41(8):1832-4.

29. Morejón KM, Machado AA, Martinez R. Paracoccidioidomycosis in patients infected with and not infected with human immunodeficiency virus: a case-control study. Am J Trop Med Hyg. 2009;80:359-62.

30. Travassos LR, Taborda CP, Colombo AL. Treatment options for paracoccidioidomycosis and new strategies investigated. Expert Rev Anti Infect Ther. 2008;6:251-3.

31. Lyon AC, Teixeira MM, Araújo SA, Pereira MC, Pedroso ER, Teixeira AL. Serum levels of sTNF-R1, sTNF-R2 and CXCL9 correlate with disease activity in adult type paracoccidioidomycosis. Acta Trop. 2009;109(3):213-8.

32. Silva LS. Estudo clínico e laboratorial de controle de cura de pacientes submetidos a tratamento para paracoccidioidomicose atendidos no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. [Dissertação]. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina Tropical. Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2012.127 p.

33. Araújo SA, Prado LG, Veloso JM, Pedroso ERP. Case of recurrent Paracoccidioidomycosis: 25 years after initial treatment. Braz J Infect Dis. 2009;13(5):394-6.