RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. (2 Suppl.3)

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Artigos de Revisão

Ventilação mecânica protetora no paciente com doença pulmonar obstrutiva

Protective mechanical ventilation in obstructive pulmonary disease patients

Renata de Andrade Chaves1; Emerson Seiberlich2; Jonas Alves de Santana3; Marden Fernando Miranda Ramos4; Alexandre de Castro Morais4

1. Anestesiologista do Hospital Municipal Odilon Behrens e do Hospital Risoleta Tolentino Neves. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Instrutor do CET/SBA do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), Anestesiologista do Hospital SOCOR, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Hospital Vera Cruz. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Anestesiologista do Hospital Nossa Senhora das Graças e Hospital UNIMED-Sete Lagoas. Sete Lagoas, MG - Brasil
4. Anestesiologista do Hospital SOCOR, e do Hospital das Clínicas da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Renata de Andrade Chaves
Rua Almandina, nº 15, apto 802 Bairro: Floresta
Belo Horizonte, MG - Brasil Cep: 31010-080

Instituiçao: Hospital Governador Israel Pinheiro Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

JUSTIFICATIVAS E OBJETIVOS: várias doenças cursam com diminuição do calibre das vias aéreas, sejam elas superiores ou inferiores. Entre elas encontram-se a asma, a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), a fibrose cística, a bronquiectasia e a bronquiolite, sendo seus maiores expoentes a asma e a DPOC.1 O objetivo desta revisão é buscar evidências científicas que norteiem a ventilação mecânica protetora para os pacientes com doença pulmonar obstrutiva e sugerir estratégias para se ventilá-los adequadamente.
MÉTODO: foi realizada revisão da literatura com base em artigos que englobam o uso de estratégias de ventilação mecânica em pacientes com doença pulmonar obstrutiva, com enfoque em asmáticos e portadores de DPOC.
CONCLUSÕES: diferentes modalidades ventilatórias não se mostraram superiores, sendo necessária sempre a monitorização dos padrões de pressão e volumes impressos ao paciente - pressão de platô, a ser mantida abaixo de 30-35 cm de água; pressão de pico, que não deve ultrapassar 50 cm de água; e o volume pulmonar ao final da inspiração, que deve ser inferior a 1,4L. A aplicação de PEEP extrínseca não representa benefícios clínicos em pacientes sedados, não hipoxêmicos e bem adaptados à ventilação mecânica, mesmo na presença de autoPEEP.

Palavras-chave: Asma; Estado Asmático; Respiração Artificial; Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica.

 

INTRODUÇÃO

Várias doenças cursam com diminuição do calibre das vias aéreas, sejam elas superiores ou inferiores. Entre elas encontram-se a asma, a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), a fibrose cística, a bronquiectasia e a bronquiolite, sendo seus maiores expoentes a asma e a DPOC.1

 

DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRONICA

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) denomina um grupo de entidades nosológicas respiratórias que acarretam obstrução crônica ao fluxo aéreo de caráter fixo ou parcialmente reversível, tendo como alterações fisiopatológicas de base, graus variáveis de bronquite crônica e enfisema pulmonar.2 É principalmente associada ao tabaco, apesar de somente um em cada quatro fumantes desenvolver a doença.2,3 Estima-se que 5,5 milhões de pessoas sejam acometidas por DPOC no Brasil, 10,1 milhões nos Estados Unidos e 52 milhões em todo o mundo, tendo sido essa doença responsável por 2,74 milhões de óbitos em 2000, representando gastos elevados para os sistemas de saúde.2,4

Fisiopatologia da DPOC

A limitação ao fluxo expiratório é a principal característica fisiopatológica da DPOC. Ao contrário do que ocorre com o paciente sadio, cuja mecânica respiratória trabalha na parte favorável da curva de complacência pulmonar, o paciente portador de DPOC respira com volumes próximos da capacidade pulmonar total, principalmente por causa da hiperinsuflação dinâmica. Apesar de otimizar o fluxo expiratório num primeiro momento, essa hiperinsuflação tem efeito deletério, visto que força o sistema respiratório a operar na parte plana da curva de complacência, em que pressões progressivamente mais fortes geram aumentos de volume cada vez mais reduzidos. Cria-se assim um mecanismo "restritivo", no qual o aumento do volume respiratório é limitado pelo aumento do esforço.1,5

Em pacientes com DPOC, os testes de função pulmonar são usados para estabelecer o diagnóstico, quantificar a gravidade da doença, estimar prognóstico, monitorizar a função pulmonar e a resposta ao tratamento, inclusive nas exacerbações.3,5 A espirometria é essencial para estabelecer o diagnóstico e a gravidade da DPOC, sendo indicada para todos os fumantes acima de 40 anos, quer apresentem sintomas ou não. A limitação de fluxo é definida com relação FEV1/CV pós-prova broncodilatadora abaixo de 0,7 e deve ser sempre correlacionada aos dados clínicos do paciente.3

 

ASMA

A asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas, da qual diferentes células e elementos celulares participam. A inflamação crônica é associada à hiperresponsividade das vias aéreas, levando a episódios recorrentes de chieira, dispneia, rigidez torácica e tosse, especialmente à noite ou no início do dia. Os episódios são associados à obstrução das vias aéreas, com reversão espontânea ou após tratamento.6

A asma representa um problema mundial, com cerca de 300 milhões de pessoas afetadas. Sua prevalência ainda é subestimada, principalmente devido ao fato de não haver precisa definição da doença em âmbito global, estando em torno de 1-18% da população em diferentes países.6 A mortalidade por asma nos Estados Unidos é de cerca de 4.000 mortes por ano (15 por 1.000.000) e os gastos com o controle da doença são muito elevados.6,7

O diagnóstico de asma é clínico, não havendo testes sanguíneos, radiográficos ou histopatológicos que o confirmem. Em alguns casos, alterações nas provas de função pulmonar podem corroborar o diagnóstico. Os sintomas costumam ser variáveis, intermitentes, piores à noite e induzidos por fatores desencadeantes. Durante uma crise, o paciente comumente irá apresentar chieira e redução da função pulmonar, seja diminuição do peak flow, seja um padrão obstrutivo na espirometria.8

Fisiopatologia da asma

O principal achado fisiológico da asma são episódios de obstrução das vias aéreas, caracterizados por obstrução ao fluxo expiratório. O principal achado patogênico é a inflamação das vias aéreas, associada algumas vezes a alterações estruturais.

A redução nas vias aéreas é a via final comum, levando aos sintomas e alterações fisiológicas da asma. Entre os fatores que contribuem para essa redução, estão: a contração da musculatura lisa das vias aéreas, principalmente mediada por neurotransmissores e mediadores broncoconstritores; edema das vias aéreas, causado por derrame microvascular; espessamento das vias aéreas, devido ao remodelamento; e hipersecreção brônquica.6

 

VENTILAÇÃO MECANICA NO PACIENTE COM DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA

Pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva (DPO) representam desafios complexos no que concerne à ventilação mecânica. Entre as peculiaridades da sua ventilação, estão o aumento na resistência das vias aéreas, a hiperinsuflação dinâmica, a assincronia paciente-ventilador, o aumento da secreção e da demanda ventilatória, as alterações nas trocas gasosas e a disfunção cardiovascular por ela causada.1 A combinação desses fatores acarreta o risco de desenvolvimento de autoPEEP ou PEEP intrínseca (PEEPi), definida como pressão alveolar positiva ao final da expiração. A PEEPi normalmente não é detectada, porque não é registrada no manômetro do ventilador, em equilíbrio com a atmosfera. Exame físico, incluindo palpação e ausculta do tórax para detecção de expiração persistente após início da próxima respiração, pode confirmar a existência da PEEPi, mas sua ausência não a exclui.9 O reconhecimento da PEEPi é de vital importância para o manejo da população com doença pulmonar obstrutiva porque pode causar alterações tanto no sistema respiratório quanto no circulatório.10 A autoPEEP pode ser classificada em autoPEEP estática e autoPEEP dinâmica. A autoPEEP estática pode ser medida por meio da manobra de oclusão da válvula de exalação ao final da expiração, retardando-se o início do próximo ciclo respiratório. Essa medida requer que o paciente não execute esforço respiratório e expressa a média das pressões alveolares ao final da expiração de diferentes unidades em contato com as vias aéreas proximais, sendo calculada pela diferença entre a PEEP total e a PEEP extrínseca.11,12 (Figura 1)

 


Figura 1 - Manobra de oclusão do ramo expiratório para estimar a autoPEEP. As válvulas são ocluídas no final da expiração. Quando o fluxo chegar a zero, a pressão representará a PEEP total. Subtaindo-se a PEEP externa, se aplicada, da PEEP total, obtém-se a auto PEEP (Adaptado do International Journal of COPD 2007;2(4):447.12)

 

Já a autoPEEP dinâmica pode ser medida a partir da deflexão da pressão esofagiana no ponto de fluxo zero, sendo sempre menor que a autoPEEP estática, visto que a autoPEEP dinâmica reflete os alvéolos com reduzida constante de tempo de esvaziamento e expiração rápida, e não a totalidade dos alvéolos (Figura 2).12

 


Figura 2 - AutoPEEP dinânica e estática. Na autoPEEP dinâmica, o fluxo inspiratório começa assim que a pressão nas aéreas é maior que a pressão na regiao pulmonar com menor autoPEEP, isto é, com a menor constante de tempo (no exemplo, a autoPEEP dinâmica é 5). Na autoPEEP estática, a oclusão ao final da expiração permite o equilíbrio entre asdiferentes regioes pulmonares e a autoPEEP medida entre todas as regioes (no exemplo, a autoPEEP é 10) (Adaptado do International Journal of COPD 2007;2(4):448.)

 

As estratégias ventilatórias consistem em corrigir as anormalidades nas trocas gasosas e identificar e prevenir a hiperinsuflação dinâmica.12 Os principais parâmetros a serem avaliados na mecânica pulmonar são a pressão de platô (Pplatô), a pressão de pico (Ppico) e o volume pulmonar ao final da inspiração.11

A redução do volume minuto (VE) representa a estratégia ventilatória mais eficiente no controle da hiperinsuflação dinâmica. Pode-se reduzi-lo diminuindo a frequência respiratória (f) ou o volume corrente (VC), associado à máxima redução possível da relação tempo inspiratório/tempo expiratório, recomendando-se que seja inferior a 1:3. Os ajustes do volume minuto devem ter por meta o ajuste do pH arterial entre 7,20 e 7,40, e não da PaCO2, pois dessa maneira evitam-se a hiperventilação e possível desequilíbrio ácido-básico.2,10-12 Pratica-se, nesses casos, hipercapnia permissiva.13

A pressão de platô, se comparada à pressão de pico inspiratório, apresenta melhor correlação com a pressão alveolar verdadeira e, consequentemente, com a hiperinsuflação pulmonar e o barotrauma. Deve-se mantê-la abaixo de 30-35 cm de água tanto na asma quanto na DPOC. A pressão de pico inspiratório, apesar da interpretação limitada, não deve ultrapassar 50 cm de água.11,12

A PEEP extrínseca não apresenta benefícios clínicos em pacientes sedados, não hipoxêmicos, em ventilação mecânica e bem adaptados, mesmo na presença de autoPEEP.2,12 Deve ser utilizada em casos selecionados e somente se proporcionar desinsuflação pulmonar. Se optado pelo seu uso, deve ser mantida entre 75 e 85% da PEEPi estática, para assim evitar piora da hiperinsuflação dinâmica.11,12

A medida do volume pulmonar ao final da inspiração (VIF) consiste na medida da quantidade de ar exalada durante prolongado período em apneia, até que nenhum fluxo expiratório seja detectado11. O VIF compreende o volume corrente ofertado no ciclo anterior mais o volume adicional resultante da hiperinsuflação, conforme demonstrado na Figura 3.

 


Figura 3 - O volume expirado durante uma apneia prolongada pode ser utilizado para determinar o volume de ar aprisionado nos pacientes com doença pulmonar obstrutiva. A diferença entre o volume ao final da inspiração e o volume corrente representa o volume de ar aprisionado. CRF= capacidade residual funcional, VC= volume corrente, V apris= volme aprisionado, VIF= volume ao final da inspiração (Adaptado de Respiratory Care 2005;50(2):252.1)

 

Nas situações em que o VIF é inferior a 1,4L, não foram observadas complicações decorrentes de hiperinsuflação. É a técnica mais fidedigna para avaliar a hiperinsuflação pulmonar, porém sua relevância é contestada, devido à dificuldade de execução.11

Tanto o modo volume-controlado quanto o modo pressão-controlada podem ser utilizados na ventilação do paciente com DPO. Na ventilação modo pressão-controlada, é importante monitorizar o volume minuto e o volume corrente, visto que alterações na impedância do sistema respiratório podem ocasionar grandes alterações desses volumes e, consequentemente, da PaCO2 e do pH arterial. Já no modo volume-controlado existe o risco de liberação de altas pressões inspiratórias quando ocorrer alteração importante da impedância, tornando a monitorização dessas pressões imprescindível.2

Na Tabela 1 segue uma orientação sobre a ventilação mecânica no paciente com doença pulmonar obstrutiva.

 

 

CONCLUSÃO

A maioria dos estudos realizados em pacientes com doença pulmonar obstrutiva, seja DPOC ou asma, é realizada em pacientes com falência respiratória. As recomendações dos especialistas e as atuais evidências para ventilação protetora no paciente com DPO são, portanto, retiradas desses estudos e aplicadas à prática clínica.

Assim, com base na literatura, é possível concluir que, em paciente com doença pulmonar obstrutiva, é essencial realizar ventilação mecânica protetora, visando corrigir anormalidades gasosas e identificar e prevenir a hiperinsuflação dinâmica. Diferentes modalidades ventilatórias não se mostraram superiores, sendo necessária sempre a monitorização dos padrões de pressão e volumes impressos ao paciente: pressão de platô, a ser mantida abaixo de 30-35 cm de água; pressão de pico, que não deve ultrapassar 50 cm de água; e o volume pulmonar ao final da inspiração, que deve ser inferior a 1,4L. A aplicação de PEEP extrínseca não representa benefícios clínicos em pacientes sedados, não hipoxêmicos e bem adaptados à ventilação mecânica, mesmo em caso de autoPEEP. Somente deve ser utilizada em casos selecionados e exclusivamente se representar diminuição da hiperinsuflação pulmonar, devendo ser mantida entre 75 e 85% do valor medido da PEEPi.

 

REFERENCIAS

1. Dhand R. Ventilator graphics and respiratory mechanics in patients with obstructive lung disease. Respir Care. 2005 Feb;50(2):246-61.

2. Jezler S, Holanda MA, José A, Franca S. III Consenso Brasileiro de Ventilação mecânica: Ventilação mecânica na Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) descompensada. J Bras Pneumol. 2007;33(Supl 2):S111-8.

3. Peces-Barba G, Barberà JA, Agustí A, et al. Joint Guidelines of the Spanish Society of Pulmonology and Thoracic Surgery (SEPAR) and the Latin American Thoracic Society (ALAT) on the Diagnosis and Management of Chronic Obstructive Pulmonary Disease. Arch Bronconeumol. 2008;44(5):271-81.

4. Gold PM. The 2007 GOLD guidelines: a comprehensive care framework. Respir Care. 2009 Aug;54(8):1040-9.

5. O'Donnell DE, Parker CM. COPD exacerbations: 3 - pathophysiology. Thorax. 2006;61:354-61.

6. Global Iniciative for Asthma. GINA report, Global Strategy for Asthma Management and Prevention. [ Cited 2011 Apr. 10]. Disponível em: www.ginasthma.org.

7. Lugogo NL, MacIntyre NR. Life-Threatening asthma: pathophysiology and management. Respir Care. 2008 Jun;53(6):726-39.

8. Britsh Thoracic Society. British guideline on the management of Asthma. Thorax. 2008;63(Suppl.. 4):iv1-121.

9. Kress JP, O'Connor MF, Schmidt GA. Clinical examination reliably detects intrinsic positive end-expiratory pressure in critically ill, mechanically ventilated patients. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159:290-4.

10. Donahoe M. Basic ventilator management: lung protective strategies. Surg Clin N Am. 2006;86:1389-408.

11. Barbas CSV, Pinheiro BV, Vianna A, et al. III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica:Ventilação mecânica na crise de asma aguda. J Bras Pneumol. 2007;33(Supl. 2):S106-10

12. Reddy RM, Guntupalli KK. Review of ventilator techniques to optimize mechanical ventilation in acute exacerbation of chronic obstructive pulmonary disease. Int J COPD. 2007;2(4):441-52.