RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 20. (2 Suppl.2)

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Relato de Caso

Dermatite de contato alérgica à resina de Pinus oocarpa em trabalhadora rural: relato de caso

Allergic Contact Dermatitis caused by Pinus oocarpa resin in a female rural worker: case report

Marcela Sousa Nascimento1; Luciana Ribeiro de Morais1; André Francisco Silva Carvalho1; Tarcísio Márcio Magalhães Pinheiro2; Andréa Maria Silveira3

1. Médico residente em Medicina do Trabalho do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
2. Médico do Trabalho, professor associado do Departamento de Medicina Preventiva e Social (Área Saúde do Trabalhador) da Faculdade de Medicina da UFMG, Sub-Coordenador do CEREST/MG, preceptor da Residência em Medicina do Trabalho do HC/UFMG e membro do Grupo de Estudos de Saúde e Trabalho Rural (GESTRU/UFMG)
3. Médica do Trabalho, professora adjunta do Departamento de Medicina Preventiva e Social (Área Saúde do Trabalhador) da Faculdade de Medicina da UFMG, Coordenadora do CEREST/MG, e preceptora da Residência em Medicina do Trabalho do HC/UFMG

Endereço para correspondência

Alameda Álvaro Celso, 175 - 7º andar Santa Efigênia
CEP 30150-260 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
E-mail: crestmg@hc.ufmg.br

Instituição: Centro de Referência estadual em Saúde do Trabalhador de Minas Gerais (CEREST-MG)

Resumo

Relata-se, neste artigo, um caso de Dermatite de Contato Alérgica (DCA) Ocupacional à resina de Pinus oocarpa em uma trabalhadora rural atendida no Centro de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador de Minas Gerais (CEREST/MG). Trata-se de patologia comum e com repercussões financeiras importantes. O objetivo do trabalho é relatar, discutir e chamar a atenção da classe médica em geral para a causa ocupacional da DCA, que pode causar um impacto significativo na qualidade de vida dos trabalhadores.

Palavras-chave: Dermatite Alérgica de Contato, Pinus; Doenças Profissionais.

 

INTRODUÇÃO

As doenças de pele causadas pela exposição a agentes presentes nos ambientes de trabalho são extremamente prevalentes.1 Dados da Austrália revelam que a incidência de dermatoses ocupacionais naquele país gira em torno de 50-190 casos por ano por 100.000 trabalhadores.2 Estudo semelhante realizado no Reino Unido mostrou incidência anual de 13 por 100.000 trabalhadores, com uma prevalência de 15 casos por 100.000.1 No Brasil, de janeiro de 2007 a junho de 2008, foram registrados pela Previdência Social por meio do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, 7572 casos de dermatoses que exigiram afastamento do trabalho em gozo de auxílio-doença. Desses casos, 807 (10,6%) foram considerados relacionados ao trabalho.3,4 Levando-se em consideração que essas estatísticas referem-se apenas a trabalhadores empregados com carteira assinada e cobertos pelo Seguro de Acidente de Trabalho - SAT (excluem empregadas domésticas, autônomos, servidores públicos e trabalhadores informais) e aos casos que exigiram mais de 15 dias de afastamento do trabalho, arriscamo-nos a dizer que a ocorrência real de dermatoses ocupacionais é bem maior que o registrado.

Entre as diversas dermatoses relacionadas ao trabalho, destacam-se, pela frequência, a dermatite de contato irritativa (DCI) com 70-80% dos casos, a dermatite de contato alérgica (DCA) com 20-25% e a urticária de contato (UC) com <5%.2 Esses quadros clínicos acometem principalmente homens na quarta década de vida e localizam-se mais comumente nas mãos.2

A DCA é provocada por produtos capazes de causar sensibilização cutânea, levando a uma reação tardia de hipersensibilidade mediada por células T. A identificação da substância responsável pela dermatose pode ser feita pelo patch test que diagnostica a sensibilização cutânea a determinada substância.5

Quase todos os tipos de madeira têm potencial para serem irritantes e/ou sensibilizantes quando em contato com a pele6-8, podendo causar uma série de manifestações como foliculite, urticária de contato, eritema multiforme, dermatite de contato alérgica e irritativa, fotossensibilização e hipercromia. Produtos finais do beneficiamento da madeira, como instrumentos musicais e joias, também podem causar DCA não ocupacional.9 Além da pele, a poeira da madeira pode afetar mucosas, causando conjuntivite, rinite, asma, câncer do septo nasal e pulmonar e disfonia.9,7 Entre as madeiras mais reconhecidamente alergênicas, estão as várias espécies do gênero Pinus6, como P. caribaea, P. oocarpa, P. tecunumanii, P. maximinoi, P. patula.

Em meados da década de 1970, com a utilização cada vez maior da resina extraída do Pinus na fabricação de produtos diversos, como papel, borrachas sintéticas, tintas, cola para adesivos, gomas de mascar e sabão, houve um aumento significativo em sua exploração comercial no Brasil.10 A madeira do Pinus é macia, leve e extensivamente usada pelas indústrias madeireiras, devido a seu baixo custo e sua facilidade de combinação.6

A dermatite provocada pelo Pinus pode decorrer do contato com sua poeira ou com sua resina. A extração da resina de Pinus é realizada manualmente, com o trabalhador recolhendo a substância (seiva) que escorre pelo tronco da árvore. A resina é formada essencialmente pelo colofônio (breu) e pela terebentina, substâncias implicadas no desenvolvimento de sensibilização cutânea.10

 

DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 29 anos, sem história prévia de atopia, iniciou acompanhamento no Centro de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador de Minas Gerais (CEREST/MG) em 9 de outubro de 2007, encaminhada por um Centro de Saúde de sua cidade para esclarecimento diagnóstico. Há 10 meses trabalhava como auxiliar de exploração de resina em uma plantação de Pinus oocarpa (pinho) na região da Serra do Cabral, em Augusto de Lima, Minas Gerais. Suas tarefas consistiam em realizar estrias em árvores (cortes no tronco para facilitar o escoamento da resina), amarrar pequenos sacos plásticos nas árvores e recolhê-los alguns meses depois, quando cheios dessa resina. Havia contato direto da resina com a pele da paciente, especialmente nas mãos, já que ela não usava nenhum tipo de equipamento de proteção individual (luvas) no manuseio.

Em setembro de 2007, houve aparecimento de pápulas eritematosas pruriginosas, inicialmente em mãos, punhos e braços, que se espalharam para o abdome e membros inferiores. Segundo a paciente, algumas colegas de trabalho apresentaram quadro semelhante. Fez uso de fenoxifenadina oral e permaneceu afastada do trabalho por 15 dias, com regressão total das lesões.

A paciente retornou a suas atividades em 24 de outubro de 2007, apesar de feito o diagnóstico clínico e solicitada a mudança de função. Como houve recidiva das lesões, um dia após retornar ao trabalho, foi novamente afastada pelo INSS em novembro de 2007 e passou a receber auxílio-doença previdenciário, apesar da emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), o que caracteriza a doença como sendo de caráter ocupacional. Mesmo afastada do trabalho, a paciente continuou apresentando recidivas ocasionais das lesões.

Em maio de 2008, a Perícia Médica do INSS solicitou à paciente que realizasse o teste cutâneo para fins de comprovação e estabelecimento de nexo causal. Foi realizado patch test em junho de 2008 que mostrou reação fortemente positiva (++) para terebentina, colofônio e para a amostra da resina de Pinus não diluída; e para nenhum dos outros agentes testados. As características das lesões dermatológicas, a história ocupacional, a melhora dos sintomas após cessação da exposição à resina de Pinus e o resultado do exame complementar realizado foram suficientes para firmar o diagnóstico de dermatite de contato alérgica em decorrência de exposição ocupacional à resina do Pinus oocarpa.

 

DISCUSSÃO

As dermatoses ocupacionais compõem um grupo de doenças que respondem por elevada parcela de absenteísmo em vários setores da economia e de sofrimento para os trabalhadores acometidos. Estimase que, entre 1996 e 1999, a dermatite de contato foi a segunda doença que mais afastou trabalhadores de suas atividades no Reino Unido; e as doenças de pele foram o terceiro grupo mais prevalente de patologias, ficando atrás das doenças mentais e osteomusculares.6 A prevalência estimada de doenças da pele relacionadas ao trabalho na Grã-Bretanha, no ano de 1995, foi de 66.000 casos que causaram a perda de 700.000 dias de trabalho.11 Nos Estados Unidos, 25% dos trabalhadores com dermatoses ocupacionais faltam uma média de 11 dias de trabalho por ano.1

Os principais produtos extraídos da resina de Pinus são o colofônio e a terebentina, responsáveis pela absoluta maioria das dermatoses ocupacionais relacionadas ao contato com Pinus.10,12 O colofônio, substância que representa 70% da composição da resina, é um resíduo sólido natural que permanece após a destilação da terebentina da resina,11 sendo formado por mais de 100 compostos químicos diferentes.5 Essas substâncias também podem ser encontradas em produtos de uso cotidiano, como esmalte de unhas, batons, ceras usadas na depilação, vernizes, tintas de impressão, cordas de instrumentos musicais, adesivos e colas, sabonetes e produtos de limpeza, fraldas, produtos odontológicos, papel fotográfico e papéis reciclados.5,13

A DCI, como o próprio nome indica, ocorre em decorrência de irritação da pele, normalmente causada por ácidos ou bases fortes, contudo sem ocorrer sensibilização. Além disso, pode ser aguda ou crônica e tende a se manifestar na região das mãos. A DCI causa dano à pele e facilita o desenvolvimento de sensibilização, por isso frequentemente precede a DCA. Já a UC ocorre por um mecanismo de hipersensibilidade imediata tipo I e acomete principalmente pacientes com histórico de atopia. Episódios repetidos de UC podem levar a um quadro de DCA.2

A dermatite de contato alérgica, caso relatado neste artigo, decorre de uma reação de hipersensibilidade tardia do tipo IV, mediada por linfócitos T.1,2 Essa reação é influenciada pela concentração da substância, pela duração da exposição e pela susceptibilidade individual; podendo aparecer, tanto após anos de contato com a substância quanto após apenas alguns episódios de exposição.2

Deve ser suspeitada sempre que um trabalhador apresentar-se com rash pruriginoso que, apesar de instituído tratamento medicamentoso, continua a se espalhar. Outros indicadores de origem ocupacional para a doença são: contato no trabalho com substância sabidamente alergênica, ocorrência de casos semelhantes em colegas de trabalho, relação temporal entre exposição e subsequente aparecimento do quadro, lesões principalmente em áreas expostas, e melhora do quadro após afastamento da exposição ao agente causal ou do trabalho.6

No caso apresentado, a trabalhadora exposta à resina de Pinus oocarpa desenvolveu um quadro de dermatite em mãos, punhos e braços, que se disseminou posteriormente para abdome e membros inferiores. Também procuraram o CEREST/MG duas colegas de trabalho da paciente, com sintomas e história ocupacional semelhantes, para investigação do nexo. Tanto a DCI quanto a DCA tendem a predominar nas mãos e são clinicamente semelhantes ao exame dermatológico.

No caso das dermatites por sensibilização, o teste para definição do agente causador é o patch test,2,5 cuja leitura deve ser feita após 48 e 72 horas da aplicação. Considera-se que o paciente foi sensibilizado quando há aparecimento de uma área localizada de eczema na região da pele onde foi aplicada a substância suspeita. 1 O teste pode ser classificado como negativo (-), duvidoso (+?), positivo fraco (+), positivo forte (++) e positivo muito forte (+++), de acordo com a intensidade da reação inflamatória cutânea.14 Se o agente suspeito de ser o causador da dermatose não fizer parte da série- padrão de substâncias utilizadas, pode ser acrescentado ao exame, desde que seja adequadamente preparado,1 como foi feito no caso relatado. O patch test não é usado para fins diagnósticos mas corrobora os achados do exame clínico e da anamnese ocupacional.

A DCA tem um pior prognóstico do que a DCI.1 Em todos os casos de dermatoses ocupacionais, quanto mais cedo for instituído o tratamento, maiores são as chances de cura.6 Ainda assim, 10 a 15% das pessoas com dermatite de contato ocupacional continuam com os sintomas da doença mesmo depois de afastadas dos agentes desencadeantes,2 o que dificulta a aceitação do nexo causal pelas perícias médicas de entidades seguradores como o INSS. O caso relatado exemplifica essa situação, uma vez que a paciente continuou tendo recidivas ocasionais mesmo após o afastamento da exposição ocupacional a resina de Pinus, motivo pelo qual o INSS não reconheceu o nexo da doença com o trabalho antes de comprovação laboratorial.

No que diz respeito ao tratamento, alguns cuidados devem ser tomados para minimizar os danos à pele, como o uso de cremes hidratantes à base de óleo e corticóides tópicos nos casos agudos. Além desses cuidados, o afastamento do agente causador é a principal forma de tratamento. Assim, ao se identificar o fator que tenha causado sensibilização ao trabalhador, esse deve ser eliminado do processo de trabalho. Caso isso não seja possível, devem ser tomadas providências que diminuam a exposição ao mesmo, como mudanças no processo de produção (automatização), instalações para banho e lavagem das mãos, uso de máscaras, roupas protetoras e luvas. Entretanto, alguns casos têm etiologia multifatorial. Nessas situações, a retirada de um alérgeno pode não cursar com melhora do quadro clínico.

A alta prevalência de dermatoses e eczemas na população geral e a possibilidade de que a dermatite alérgica seja provocada ou agravada por exposições ocupacionais constituem alertas aos médicos em geral quanto à necessidade de realização da anamnese ocupacional. A anamnese bem feita, incluindo detalhes sobre o ambiente de trabalho e processo de produção, aliada ao exame clínico do paciente, na maioria das vezes, é suficiente para o diagnóstico da lesão e da relação do quadro clínico com o trabalho.

 

REFERÊNCIAS

1. Gawdrodger DJ. Patch testing in occupational dermatology. Occup Environ Med. 2001;58(12):823-8.

2. Nixon R, Frowen K, Noyle M. Occupational dermatoses. Austr Family Phys. 2005;34(5):327-333.

3. Brasil. Ministério da Previdência Social. Acompanhamento Mensal dos Benefícios Auxílios-Doença Concedidos, Previdenciários e Acidentários, segundo os códigos da CID-10 - Janeiro a Junho de 2008. Brasília: MPS; 2008. 23

4. Brasil. Ministério da Previdência Social, Acompanhamento Mensal dos Benefícios Auxílios-Doença Concedidos segundo Códigos da Classificação Internacional de Doenças - 10ª Revisão. (CID-10). Brasília: Ministério da Previdência Social; 2007. 205p

5. Scheman A, Jacob S, Zirwas M, Warshaw E, Nedorost S, Katta R, Cook J, Castanedo-Tardan MP. Contact Allergy: Alternatives for the 2007 North American Contact Dermatitis Group (NACDG) Standard Screening Tray. Dis Mon. 2008 Jan-Feb; 54(1-2):7-156.

6. English JSC. Occupational dermatoses: overview. Occup Med. 2004;54(7):439-40.

7. Ali AS. Dermatoses ocupacionais por madeira In: Ali AS. Dermatoses ocupacionais. São Paulo: Fundacentro; 1994. p. 157-9.

8. Ali AS. Dermatoses relacionadas com o trabalho In: Mendes R, organizador. Patologia do trabalho. 2ª ed. São Paulo: Atheneu; 2003. p. 1443-500.

9. Correale CE, Marks Jr JG. Contact dermatitis in a woodworker. Am J Contact Dermat. 2002;13(1):42-4.

10. Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais. Seminário: Resina de Pinus implatados no Brasil. Piracicaba: IPEF; 1978.Circular técnica nº 41. [Citado em 2010 fev. 25]. Disponível em: http://www.ipef.br/publicacoes/ctecnica/nr041.pdf

11. Letters to the editor. Occup Med. 1999;49(8)568-72.

12. Cook DK, Freeman S. Allergic contact dermatitis to multiple sawdust allergens. Austr J Dermatol. 1997;38(2):77-9.

13. Lieberman HD, Fogelman JP, Ramsay DL, Cohen DE. Allergic contact dermatitis to propolis in a violin maker. J Am Acad Dermatol. 2002;46(2):S30-31.

14. Grupo Brasileiro de Estudo em Dermatite de Contato (GBEDC) do Departamento Especializado de Alergia em Dermatologia da Sociedade Brasileira de Dermatologia. An Bras Dermatol. 2000;75(2):147-56.