ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Anestesia peridural em paciente portadora de esclerose lateral amiotrófica - relato de caso
Epidural anesthesia in patient with amyotrophic lateral sclerosis - case report
Marcela Lopes de Oliveira1; Rodrigo de Lima e Souza2; Maurício de Melo Garcia3; Tolomeu Artur Assunção Casali4; Gláucio Grégori Nunes Bomfá5
1. Médica. Residente em Anestesiologia. Centro de Ensino e Treinamento - CET do Hospital Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médico Anestesista. Mestre em Cirurgia. Hospital Madre Teresa, Hospital IPSEMG. Coordenador da Residência do CET do Hospital Madre Teresa e do Hospital Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Médico Anestesista. Hospital Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Médico Anestesista. Mestre em Fisiologia e Farmacologia. Belo Horizonte, MG - Brasil
5. Médico Anestesista. Hospital Belo Horizonte, Hospital Evangélico. Belo Horizonte, MG - Brasil
Marcela Lopes de Oliveira
E-mail: tchelaoliveira@hotmail.com
Instituição: CET do Hospital Belo Horizonte Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: a esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença degenerativa progressiva do neurônio motor, de causa desconhecida, com padrão genético frequente. Quando os músculos responsáveis pela ventilação são acometidos, o paciente evolui para o óbito em alguns anos em decorrência da insuficiência respiratória. O objetivo deste trabalho é relatar o caso de uma paciente com ELA que foi submetida à gastrostomia e colostomia no Hospital Belo Horizonte sob anestesia peridural contínua e sedação consciente.
CONCLUSÃO: as evidências têm demonstrado que a administração do bloqueio no neuroeixo associado à dexamedetomidina parece ser segura em pacientes com ELA, pois evita a manipulação das vias aéreas e as complicações respiratórias.
Palavras-chave: Esclerose Amiotrófica Lateral; Gastrostomia; Colostomia; Anestesia Epidural.
INTRODUÇÃO
A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença que se inicia entre a quinta e sexta décadas de vida e provoca a degeneração dos neurônios motores superiores - causando fraqueza muscular, espasticidade, hiporreflexia (córtex cerebral e troncoencefálico) - e inferiores, incluindo fraqueza, atrofias musculares, fasciculações e diminuição dos reflexos osteotendinosos (medula espinal).1
Os sinais precoces de acometimento bulbar incluem fasciculações da língua e disfagia (que predispõem à aspiração pulmonar). Frequentemente, o início da fraqueza é focal, tendendo a se generalizar simetricamente. A disfunção do sistema autônomo nesses doentes manifesta-se por hipotensão ortostática e taquicardia em repouso. Tem caráter progressivo, levando à morte em três a quatro anos após o início dos sintomas (dois a três anos após o diagnóstico definitivo), por comprometimento da musculatura respiratória.2
É considerada doença de incidência rara, um caso para 100.000 pessoas/ano, com prevalência de 2,5 a 8,5 por 100.000 habitantes, sendo mais comum em homens que mulheres (2:1) e os brancos são mais afetados que os negros, com idade média de início aos 57 anos, um pouco mais precoce nos homens. Cerca de 20% desses doentes têm mutação do gene da enzima superóxido dismutase I (SOD1).2
Não há terapia eficaz capaz de evitar essa evolução inexorável e, entre as inúmeras já testadas, a única que em estudos prospectivos controlados conseguiu retardar a progressão da doença, ainda assim em apenas poucos meses, foi o riluzol (Rilutek), um inibidor da via glutamatérgica no sistema nervoso central. Até o presente, esta é a única droga liberada pela Food and Drug Administration (FDA) para tratamento da ELA.2 Outros fármacos usados são os antiespásticos (como baclofeno), anti-histamínicos, antidepressivos e ansiolíticos. A fisioterapia e psicoterapia parecem exercer também importante papel no tratamento dessa doença.
Não existem testes laboratoriais específicos para ELA, sendo o diagnóstico essencialmente clínico. Os exames complementares como a eletromiografia, os testes de condução nervosa, a tomografia computadorizada e a ressonância nuclear magnética servem principalmente para excluir outros diagnósticos. A principal causa de morte é a insuficiência respiratória, ocorrendo geralmente de três a cinco anos após o diagnóstico.2 A causa de morte mais frequente em doentes com suporte ventilatório é a infecção pulmonar. O potencial comprometimento da função respiratória à resposta alterada aos relaxantes musculares e a predisposição à aspiração pulmonar são fatores importantes para ponderar o manuseio anestésico.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, 54 anos, portadora de ELA, hipertensão arterial, portadora de doença pulmonar obstrutiva crônica - DPOC (tabagista 76 anos/2 maços por dia), disfagia, com doença do refluxo esofágico (DRGE), bexiga neurogênica, semiobstrução intestinal crônica (colopatia funcional), insuficiência respiratória crônica em uso de O2 domiciliar e BIPAP noturno, candidata à gastrostomia e colostomia. Medicações em uso: losartan 25 mg MID, tegretol 200 mg BID, omeprazol 20 mg BID, domperidona 10 mg BID, gabapentina 300 mg MID. Alérgica a metoclopramida e midazolan. Exames pré-operatórios normais.
A preparação para a realização do ato anestésico-cirúrgico inclui:
reserva de vaga no CTI;
tipagem e reserva de sangue;
respeito às oito horas em jejum;
BIPAP em centro cirúrgico;
esclarecimento sob o risco anestésico à paciente e seus familiares e obtenção do consentimento informado.
Paciente primeiramente foi monitorizada com PNI, oximetria de pulso e ECG. Logo depois foi puncionada veia periférica com jelco calibroso (nº 18 em MSD), sendo sedada com dexmedetomidina (inicialmente bolus de 6 mcg/kg/h durante 10 minutos e mantido a 0,6 mcg/kg/h durante todo procedimento). Para a realização da punção peridural contínua foi feita assepsia de forma adequada e satisfatória com álcool 70%. Anestesia local com lidocaína 2%. Punção única com agulha 16G tipo Tuohy entre T11 e T12. Feita dose-teste com lidocaína 2% com vasoconstritor. Introduzido cateter transparente com três orifícios laterais, sendo fixado com esparadrapo. A medicação utilizada foram 20mL de ropivacaína 7,5%, 10 mL lidocaína 2% com vaso e 2 mg morfina.
Durante todo procedimento a paciente utilizou BIPAP. Medicações adicionais: dipirona 2 g, ondansetrona 4 mg, bextra 40 mg, efedrina 50 mg, cefazolina 2 g, 2.500 mL SF 0,9%. O procedimento transcorreu sem intercorrências, sendo encaminhada ao CTI. No 1º dia de pós-operatório, a paciente apresentou quadro de taquicardia supraventricular revertida com uma dose de adenosina. Permaneceu no CTI por três dias sem demais intercorrências.
DISCUSSÃO
A principal causa de óbito em pacientes portadores de ELA é a insuficiência respiratória, sendo recomendado não administrar anestesia geral com bloqueador neuromuscular, por causa da capacidade de agravar a fraqueza dos músculos respiratórios.3,4 A paralisia prolongada e o bloqueio neuromuscular residual podem complicar a extubação traqueal.5 Nesse aspecto, pode-se optar por intubação acordado e administrar baixas doses de bloqueador neuromuscular ou mesmo evitá-los.6
De fato, esses pacientes podem manifestar sensibilidade aumentada a esses fármacos e a monitorização da função neuromuscular é obrigatória. Em pacientes com acometimento bulbar, pode ocorrer, ainda, apneia prolongada após anestesia geral.7 A anestesia locorregional, nomeadamente o bloqueio peridural, tem sido realizada com sucesso, parecendo não ter implicações na própria doença, sendo mais segura pelo baixo risco de agravamento da disfunção respiratória e mais eficaz para o controle da dor pós-operatória.8
A preparação pré-operatória inclui:
reserva de CTI pela potencial insuficiência respiratória após procedimento anestésico;
reserva de sangue, por se tratar de situação potencialmente hemorrágica no pós-operatório;
jejum respeitado, porque a doente se apresentava hemodinamicamente estável e o procedimento cirúrgico não foi considerado emergencia.
Esclarecimento dos familiares do contexto anestésico-cirúrgico e das suas implicações. É obrigatório para a obtenção do "consentimento informado" e pode condicionar as atitudes médicas no recurso a medidas no suporte avançado de vida.
Nessa paciente, optou-se pela administração da anestesia peridural com 20 mL de ropivacaína 7,5%, 10 mL lidocaína 2% com adrenalina e 2 mg de morfina. A sedação foi feita com dexmedetomidina para evitar o risco de depressão respiratória.
A dexmedetomidina é um agonista alfa2-adrenérgico que apresenta relação de seletividade entre os receptores alfa2:alfa1 de 1600:1, com importante ação sedativa e analgésica, bom controle hemodinâmico frente ao estresse e que pode produzir, por si só, anestesia. Esse agente tem sido empregado para promover analgesia e sedação no período pós-operatório. O seu uso como medicação pré-anestésica, durante anestesia ou no período pós-operatório, promove boa estabilidade hemodinâmica. Há redução do consumo dos anestésicos durante a anestesia.9
Os pacientes sedados com a dexmedetomidina podem ser despertados, quando solicitados, e tornarem-se cooperativos. Mesmo doses elevadas do fármaco não provocam depressão respiratória. Bradicardia é um efeito adverso observado com frequência, problema amenizado pela administração lenta da droga.9 Assim, a dexmedetomidina torna-se importante recurso adicional para a prática clínica da anestesiologia, com possibilidade de uso em diversos tipos de pacientes e procedimentos cirúrgicos. Durante todo o procedimento a paciente utilizou BIPAP e não apresentou instabilidade hemodinâmica.
CONCLUSÃO
O presente caso sugere que a anestesia epidural pode ser administrada em paciente portador de esclerose múltipla sem a ocorrência obrigatória de exacerbações agudas dos sintomas no período pós-operatório.
REFERÊNCIAS
1. Ferguson TA, Elman LB. Clinical presentation and diagnosis of amyotrophic lateral sclerosis. NeuroRehabilitation. 2007;22:409-16.
2. Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica-ABRELA. ELA. [Citado em 2015 jun 10] Disponível em: http://www.abrela.org.br/default.php?p=texto.php&c=ela
3. Gregory SA. Evaluation and management of respiratory muscle dysfunction in ALS. NeuroRehabilitation. 2007;22:435-43.
4. Nicolas F, Sollet JP, Mathé JF. Aggravation par l'anesthésie d'une sclérose latérale amyotrophique méconnue. Anesth Analg (Paris). 1979;36:235-8.
5. Mashio H, Ito Y, Yanagita Y, Fujisawa E, Hada K, Goda Y, Kawahigashi H. Anesthetic management of a patient with amyotrophic lateral sclerosis. Masui. 2000 Feb;49:191-4.
6. Mishima Y, Katsuki S, Sawada M, Sato T, Hiraki T, Kano T. Anesthetic management of a patient with amyotrophic lateral sclerosis (ALS). Masui, 2002 July;51:762-4.
7. Sánchez Castilla M, Rodríguez Tato P, García Escobar M, Montes Nieza L. Anesthesia in two patients with motor neuron disease. Rev Esp Anestesiol Reanim. 1990 Sep-Oct;7(5):297-9.
8. Hara K, Sakura S, Saito Y, Maeda M, Kosaka Y. Epidural anesthesia and pulmonary function in a patient with amyotrophic lateral sclerosis. Anesth Analg. 1996 Oct;83(4):878-9.
9. Eilers H, Yost S. Anestésicos gerais. In: Katzung BG, Masters SB, Trevor AJ. Farmacologia básica e clínica, Lange. 12ª ed. Porto Alegre: McGraw Hill Education; 2014. p. 429-48.
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