RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 25. (Suppl.5) DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20150105

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Artigo Original

Detecção precoce e resolução de deficiência visual em escolares da cidade de Patos de Minas

Early detection and resolution of visual impairment in students from the city of Patos de Minas

Sarah de Oliveira Figueiredo1; Iara Luana Figueiredo Roque1; Iris Isabela da Silva Medeiros Guimarães1; Lorena Marques de Piau Vieira1; Naiara da Silva Amaral1; Rosilene Maria Campos Gonzaga2

1. Acadêmicas do Curso de Medicina do Centro Universitário de Patos de Minas- UNIPAM. Patos de Minas, MG - Brasil
2. Médica. Especialista em Anatomia Patológica e Saúde Baseada em Evidências. Professora do Curso de Medicina do UNIPAM. Patos de Minas, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Sarah de Oliveira Figueiredo
E-mail: sarahofig_96@hotmail.com

Instituição: Centro Universitário de Patos de Minas Patos de Minas, MG - Brasil

Resumo

INTRODUÇÃO: a integridade da visão é indispensável para o desempenho escolar. Cerca de 7,5 milhões de crianças são portadoras de alguma deficiência visual e apenas 25% delas apresentam sintomas. Diante disso, ações de promoção de saúde assumem importância decisiva, o que justifica a realização deste projeto.
METODOLOGIA: o projeto realizou a triagem oftalmológica de 182 crianças, por meio do teste de Snellen, na Escola Estadual Ilídio Caixeta, em Patos de Minas, de acordo com os padrões exigidos pela OMS. Foram encaminhados para o serviço de Oftalmologia aqueles que possuíam acuidade visual < 0,7. Diante da ausência de oftalmologistas na rede pública em Patos de Minas, três aceitaram participar voluntariamente, atendendo em seus consultórios sem cobrar honorários. Quando houve necessidade de aquisição de óculos, estes foram oferecidos por meio da parceria com a entidade Rotary Guaratinga.
RESULTADOS E DISCUSSÃO: das 182 crianças avaliadas 20,87% tinham baixa acuidade visual. Percebeu-se também que 78,94% das crianças nunca realizaram consultas oftalmológicas anteriores, comprovando de fato o acesso restrito a poucos. Posteriormente às consultas, os resultados mostraram que 60% necessitaram de óculos.
CONCLUSÃO: o reconhecimento do projeto fora tão marcante que a análise da acuidade visual de escolares de Patos de Minas foi inserida na grade curricular do 2º período do curso de Medicina do UNIPAM. Portanto, a prevenção e a detecção precoce de deficiências visuais são os melhores recursos para combate à visão subnormal e devem ser feitas, preferencialmente, na infância, podendo ser corrigidas com terapêutica adequada.

Palavras-chave: Transtornos da Visão/diagnóstico; Visão Ocular; Acuidade Visual; Criança, Saúde Escolar; Técnicas de Diagnóstico Oftalmológico; Oftalmologia.

 

INTRODUÇÃO

A visão, essencial para o aprendizado, é responsável pela maior parte da informação sensorial que se recebe do meio externo. A integridade desse meio de percepção é indispensável para o ensino da criança. Com o ingresso na escola, passa-se a desenvolver mais intensamente as atividades intelectuais e sociais diretamente associadas às capacidades psicomotoras e visuais.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 7,5 milhões de crianças em idade escolar sejam portadoras de algum tipo de deficiência visual e apenas 25% delas apresentem sintomas; os outros três quartos necessitariam de teste específico para identificar o problema.

Números publicados pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) revelam que no Brasil aproximadamente 20% dos escolares apresentam alguma alteração oftalmológica. Segundo o CBO, 10% dos alunos primários necessitam de correção por serem portadores de erros de refração: hipermetropia, miopia e astigmatismo; destes, aproximadamente 5% têm redução grave da acuidade visual.

 

OBJETIVO

O projeto visou a realizar a triagem oftalmológica em 280 alunos em idade escolar, da Escola Estadual Ilídio Caixeta, com o intuito de diagnosticar e tratar aqueles com distúrbios visuais.

 

METODOLOGIA

O universo de pesquisa foi composto de 280 escolares devidamente matriculados na Escola Estadual Ilídio Caixeta, com idade entre seis e 22 anos. A amostragem foi estabelecida a partir da devolução do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado.

Dos 280 alunos abordados, 182 devolveram o documento assinado pelos responsáveis e participaram da pesquisa.

O teste de triagem da acuidade visual foi precedido pela aplicação do questionário e, em seguida, cada escolar recebeu orientações sobre o teste ao qual seria submetido, que foi realizado em ambiente cedido pela escola, devidamente iluminado e com poucos interferentes ambientais, tendo sido aplicado pelos próprios autores.

A Tabela de Optotipos de Snellen foi posicionada a 5 metros de distância do aluno e fixada a 1 metro do chão. A avaliação foi realizada pela oclusão não compressiva de um olho de cada vez e os valores de acuidade visual foram anotados em escala logarítmica no questionário individual. Os escolares que faziam uso de correção óptica realizaram o teste com óculos. Por definição, a baixa acuidade visual corresponde a valores < 0,7 na tabela de Snellen e, conforme os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS), a acuidade visual superior a 0,7 é considerada normal.

Os critérios para encaminhamento ao oftalmologista adotados na pesquisa foram: valores de acuidade visual < 0,7 na escala de Snellen em um ou ambos os olhos. Antes de encaminhamento para diagnóstico oftalmológico e para confirmar os resultados de baixa acuidade visual e excluir interferentes, todos os testes com acuidade visual < 0,7 foram repetidos.

Três oftalmologistas (apesar de realizarem seus atendimentos somente na rede privada de saúde) aceitaram participar voluntariamente da pesquisa, atendendo em seus próprios consultórios sem cobrar honorários, cada qual avaliando entre cinco e 16 crianças. Quando houve necessidade de óculos (após as indicações médicas), estes foram adquiridos por meio de parceria dos autores da pesquisa com entidade beneficente de promoção humana Rotary Guaratinga, que também se colocou à disposição para encaminhar para tratamento alunos com problemas visuais que necessitassem de acompanhamento ou tratamento de longo prazo.

O reconhecimento do projeto fora tão marcante que, após sua realização, a análise da acuidade visual de escolares de Patos de Minas foi inserida na grade curricular do 2º período do curso de Medicina do UNIPAM, para continuidade do trabalho.

Terminada a coleta de dados, utilizou-se o programa Microsoft Excel 2010 para processamento e análise dos dados obtidos na escola participante da pesquisa.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Das 182 crianças avaliadas neste estudo, 20,87% (n=38) apresentavam baixa acuidade visual, quando avaliadas pelo teste de Snellen, conforme Figura 1.

 


Figura 1 - Percentual de escolares com acuidade visual < 0,7.

 

A frequência de baixa acuidade visual encontrada nos escolares avaliados no estudo pelo teste Snellen (20,87%) está em concordância com a literatura, que registra variações de 6 a 20,9%. Essas variações são justificadas pelo tipo de teste aplicado, idade e mesmo pelos critérios de exclusão, visto que muitos estudos excluem crianças que já fazem tratamento oftalmológico, diferentemente desta pesquisa. Dados nacionais do Conselho Brasileiro de Oftalmologia1 informam que 20% dos escolares exibem também algum déficit visual, sendo que 8 a 10% necessitam do uso de correção óptica.

De acordo com dados da Cartilha do Censo de 20102, a prevalência geral de deficiências visuais na população é de 18,60%, sendo essa prevalência de 5,30% na faixa etária de 0-14 anos. Observa-se discrepância entre os dados do censo e os obtidos no presente estudo. Possivelmente, a causa desta é devida à falta de profissional especializado na rede pública do município.

Entre as crianças com baixa acuidade visual (< 0,7), 89,48% (n=34) referiram não fazer uso de lentes corretivas, enquanto que apenas 10,52% (n=4) relataram uso de lentes corretivas previamente à triagem (Figura 2).

 


Figura 2 - Percentual de escolares que faziam uso de lente corretiva.

 

Desses alunos, 20 foram encaminhados aos oftalmologistas (projeto ainda em andamento) até a presente data. Obteve-se reduzido número de ausência de resultados pelos oftalmologistas, justificados pela falta de um escolar e pela inabilidade de outra criança em realizar os testes.

Posteriormente às consultas, os resultados obtidos confirmaram a efetividade do teste de Snellen, que conseguiu rastrear com sucesso os escolares com distúrbios visuais. Prova disso é a representação feita pelo gráfico da Figura 3, que mostra que 60% (n=12) necessitaram de óculos e somente 30% (n=6) não necessitaram.3-8

 


Figura 3 - Necessidade de óculos pelas crianças avaliadas pelos oftalmologistas.

 

Ao indagar sobre a frequência com que são avaliados por oftalmologistas, 78,94% (n=30) afirmaram que nunca realizaram consultas oftalmológicas anteriores, 10,52% (n=4) foram examinados há menos de um ano e 10,52% (n=4) há mais de um ano, assim como demonstrado no gráfico da Figura 4. Tal fato sinaliza para uma realidade preocupante: as crianças não estão sendo adequadamente investigadas no que se refere à acuidade visual em nosso município.9-15

 


Figura 4 - Frequência às consultas oftalmológicas dos escolares com acuidade visual < 0,7.

 

Em estudo realizado por Toledo et al.3 aproximadamente dois terços da amostra estudada nunca realizaram consulta com oftalmologista ou triagem de acuidade visual, seja na escola ou com o pediatra, o que também foi observado no estudo realizado por Soldera16, que avaliou escolares do Rio Grande do Sul entre 4 e 15 anos com o uso da tabela de Snellen.

A avaliação oftalmológica na infância e a atenção aos problemas oculares devem começar cedo. De acordo com Kassir4, quanto maior o atraso na determinação das deficiências da visão, menores as chances de recuperação e correção do problema.

De acordo a Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediatra,5 o primeiro exame oftalmológico (conhecido como teste do olhinho) deve ser realizado ainda no berçário pelo pediatra. Após, indica-se um exame a cada seis meses nos primeiros dois anos de vida e, em seguida, em casos de normalidade, um exame anual até os 8-9 anos de idade.

Nota-se que a implementação dos programas de detecção de baixa acuidade visual e de prevenção de problemas oftalmológicos em países desenvolvidos tem demonstrado que os custos dessas ações são incomparavelmente mais baixos do que aqueles representados pelo atendimento a portadores de distúrbios oculares.

Entretanto, fatores socioeconômicos e culturais de países em desenvolvimento impedem ou dificultam o acesso da criança ao exame oftalmológico antes de seu ingresso na escola. O sistema de saúde pública nesses países, infelizmente, não proporciona o fácil acesso das crianças a esse exame. Sendo assim, a realização de programas de triagem da acuidade visual em escolares é uma ótima oportunidade para a avaliação da saúde ocular dos mesmos, quando não representa, para a grande maioria dos alunos, a primeira e rara oportunidade de avaliar a visão.

 

CONCLUSÃO

A redução da capacidade visual implica a diminuição da qualidade de vida decorrente de restrições ocupacionais, econômicas, sociais e psicológicas. A implementação dos programas de detecção de baixa acuidade visual e de prevenção de problemas oftalmológicos em países desenvolvidos demonstra que os custos dessas ações são incomparavelmente mais baixos do que aqueles representados pelo atendimento a portadores de distúrbios oculares.

Dessa forma, a capacidade visual desenvolvida nos primeiros anos de vida pode apresentar alterações reversíveis geralmente durante os primeiros anos escolares. O reconhecimento da baixa visão na infância é de grande importância, pois na maioria das vezes ela pode ser corrigida com terapêutica adequada.

 

REFERÊNCIAS

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