RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 25. (Suppl.5) DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20150108

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Artigo Original

Papel do estresse oxidativo na fisiopatologia da esquizofrenia

Role of oxidative stress in the pathophysiology of schizophrenia

Mariana Gomes Cunha1; Pammela Jacomeli Lembi1; Luiza da Conceição Amorim Martins2; Rodrigo Nicolato3; Marco Aurélio Romano-Silva4

1. Acadêmica do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Biomédica. Doutora em Medicina Molecular. Professora Adjunta na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais-PUC-MG Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Médico Psiquiatra. Doutorado em Farmacologia Bioquímica e Molecular. Professor Adjunto II do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Médico Psiquiatra. Doutorado em Bioquímica. Professor Titular do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Mariana Gomes Cunha
E-mail: marianagcunha@hotmail.com

Instituição: Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil.

Resumo

INTRODUÇÃO: a fisiopatologia da esquizofrenia é ainda pouco esclarecida. Vários estudos descrevem o importante papel da inflamação e do estresse oxidativo nessa explicação. Esquizofrênicos parecem ter seus mecanismos de defesa alterados e resposta distinta dos controles ao estresse oxidativo, que é lesivo a várias estruturas celulares, entre elas a matriz extracelular (MEC). Uma MEC íntegra e estruturada é essencial para a boa condução sináptica.
OBJETIVO: avaliar a resposta de genes que codificam proteínas da MEC ao estresse oxidativo em esquizofrênicos crônicos e controles.
METODOLOGIA: foi feita cultura de fibroblastos a partir de biópsias de pele de esquizofrênicos e controles. Estas foram tratadas com TBHQ, um pró-oxidante, ou DMSO, o veículo, e então se quantificou a expressão dos genes MMP16, GALNT6, SULF1, ADAMTS1 e ACSL1 pelo método de PCR em tempo real e dos seus produtos por western blot.
RESULTADOS: existe resposta de ambos os grupos ao estresse oxidativo, no entanto, essa resposta é distinta entre pacientes e controles, com esquizofrênicos expressando menos o gene GALNT6 e sua proteína.
CONCLUSÃO: o gene GALNT6 codifica uma enzima responsável por glicosilar componentes da MEC. Pode-se hipotetizar que a resposta de esquizofrênicos ao estresse oxidativo torna essa MEC mais suscetível aos seus efeitos deletérios, colaborando com a fisiopatologia da doença.

Palavras-chave: Esquizofrenia; Saúde Mental; Estresse Oxidativo; Expressão Gênica.

 

INTRODUÇÃO

Esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico crônico e grave que afeta cerca de 1% da população mundial.1 É caracterizado, segundo o DSM V, por delírios, alucinações, fala desorganizada, comportamento totalmente desorganizado ou catatônico e sintomas negativos.2 A fisiopatologia dessa doença ainda não é totalmente esclarecida. Estudos revelam que a inflamação e o estresse oxidativo, resultado de desequilíbrio entre a produção de radicais livres - que podem danificar o DNA, membrana celular e matriz extracelular (MEC) -, e a capacidade dos sistemas antioxidantes de neutralizá-los exerce importante papel na fisiopatologia de vários transtornos mentais, entre eles a esquizofrenia.3 Esse desequilíbrio pode decorrer, por exemplo, da maior concentração de radicais livres nas células por variadas causas (ex.: inflamação), assim como da diminuição na síntese de antioxidantes como a glutationa (GSH). A GSH é o principal antioxidante endógeno do corpo e age tanto de forma direta, neutralizando espécies reativas de oxigênio e nitrogênio, quanto de forma indireta, por meio de uma reação catalisada pela glutationa peroxidase numa reação dependente de fosfato dinucleótido de nicotinamida e adenina (NADPH). Já existem na literatura estudos mostrando que alguns polimorfismos em genes que codificam enzimas envolvidas na síntese da GSH estão associados à sua reduzida produção e esses polimorfismos são mais frequentes em pacientes esquizofrênicos do que em controles.4

É sabido também que, para uma condução sináptica eficaz, é preciso não só que componentes pré e pós-sinápticos estejam operando de forma correta, como é necessário, de igual forma que a MEC perisináptica esteja íntegra e bem estruturada, servindo de apoio para outras moléculas e mantendo a conformação estrutural das sinapses.5,6 Neste trabalho foram analisados genes que codificam proteínas relacionadas à integridade e estabilização da matriz extracelular. São eles o MMP16, GALNT6, SULF1, ADAMTS1 e ACSL1. MMP16 é uma metaloproteinase responsável pela degradação de vários componentes na matriz extracelular, sendo importante para a sua plasticidade. GALNT6 é um gene codificador de uma enzima de transferência que catalisa a glicosilação de componentes da MEC, importante para a estabilidade desse compartimento celular. SULF1 codifica uma sulfatase que remove sulfato de moléculas na matriz e também está relacionada à integridade da MEC. ADAMTS1 codifica um tipo de metaloproteinase que degrada sulfato de condroitina, contribuindo para a degradação da MEC. E ACSL1 é uma enzima relacionada ao metabolismo e degradação de lipídios, sendo importante para a manutenção da integridade da membrana celular. Diante dos principais resultados obtidos na expressão gênica, resolveu-se avaliar se os níveis de proteínas codificadas pelos genes analisados estão também alterados.

Este estudo foi realizado em parceria com a Université de Lausanne (LAUSANNE, VAUD, SUÍÇA) sob a orientação de Margot Fournier e Kim Do.

 

OBJETIVO

O objetivo do trabalho foi investigar o impacto do estresse oxidativo na regulação de genes que codificam proteínas relacionadas à integridade e à estabilização da matriz extracelular, utilizando amostras de pacientes com esquizofrenia crônica e indivíduos saudáveis.

 

METODOLOGIA

recrutamento dos sujeitos: os indivíduos foram avaliados utilizando a Entrevista Diagnóstica para Estudos Genéticos (DIGS) e recrutados com o termo de consentimento livre e esclarecido de acordo com as diretrizes éticas da Universidade de Lausanne. Os sujeitos eram de origem caucasiana e foram combinados pacientes versus controles para idade e sexo. Foram excluídos do grupo-controle os indivíduos com transtorno de humor, psicose, distúrbio por uso de substâncias psicoativas ou com parente de primeira ordem com transtorno psicótico. Os pacientes preencheram os critérios para esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais quarta edição (DSM-IV).

probes e anticorpos: os primers utilizados foram MMP16, GALNT6, SULF1, ADAMTS1, ACSL1 e 18S FAM. Os anticorpos primários utilizados foram antiMMP16, antiGALTN6, antiADAMTS1, anti-SULF1 e anti-α-tubulina.

cultura de fibroblastos: culturas de fibroblastos foram estabelecidas a partir de biópsias de pele de pacientes esquizofrênicos e indivíduos do grupo-controle. Foram cultivadas até cinco passagens próximo da confluência de 100% e, na quinta passagem, concentrações iguais de 6x105 fibroblastos foram distribuídas em várias placas e estas tratadas durante 18 horas com 50 µM TBHQ 0,05% (agente pró-oxidante) em dimetilsulfóxido (DMSO) ou 0,05% de DMSO (veículo).

 


Figura 1 - Cultura de fibroblastos vistos à microscopia óptica, mostrando confluência de 100%.

 

extração de RNA: O mRNA foi extraído a partir de fibroblastos de esquizofrênicos crônicos e controles com um kit (Perfect pure RNA extraction from 5PRIME) e convertido em cDNA pelo método de PCR em tempo real com sonda TaqMan®.

análise proteica: as proteínas foram extraídas com tampão de lise (100 mM Tris-HCl pH 6,8; NaCl 150 mM; SDS a 2%; 1 mM EDTA; PMSF 1 mM; DTT 1 mM; 30 mM NaF e inibidores da protease). As amostras foram sonicadas e centrifugadas a 13,000 g por 10min à temperatura ambiente. Os sobrenadantes resultantes foram recolhidos. A concentração de proteínas foi determinada utilizando o ensaio bicullinic acid (BCA) protein assay (Pierce). Em seguida, as amostras foram colocadas para correr em gel de poliacrilamida pela técnica de western blot. A detecção foi feita utilizando reagente de quimioluminescência (ECL-plus, GE Healthcare) e a quantificação foi realizada empregando-se o Image J Software.

análise estatística: os dados foram analisados pelo software estatístico R Versão 2.15.2 (www.r-project.org). Os dados de RT-PCR foram analisados por modelo de efeito linear misto (LME) com bootstrapping. Os dados da quantificação de western blot foram analisados por LME. Para todos os testes estatísticos, considerou-se significativo valor de p inferior a 0,05.

 

RESULTADOS

As amostras foram divididas em duas condições: estresse oxidativo e condição basal (Tabela 1). Para isso, os fibroblastos foram submetidos a tratamento com terc-butylhidroquinone (TBHQ), um composto conhecido pela produção de espécies reativas de oxigênio e, consequentemente, por aumentar a expressão de genes antioxidantes. No estado basal, as células foram tratadas com dimetilsulfóxido (DMSO), o veículo.

 

 

Não houve diferença significativa nos níveis de mRNA de SULF1, ADAMTS1 e ACSL1 entre pacientes e controles em amostras de fibroblastos sob DMSO ou tratamento TBHQ.

Em resposta ao tratamento com o pró-oxidante, houve aumento da expressão gênica de GALNT6 em ambos os grupos (controles e pacientes), indicando que o estresse oxidativo induz uma resposta das células. No entanto, os pacientes mostraram menor expressão desse gene tanto na presença do veículo quanto do pró-oxidante, dando margem para hipotetizar uma resposta deficiente ou ineficaz desses pacientes frente ao estresse. Quando quantificado o produto desse gene, observou-se apenas tendência (provavelmente devido ao tamanho amostral reduzido) à diminuição na quantidade de proteína após o tratamento. A diferença entre controles e pacientes manteve-se em ambos os casos (veículo e tratamento). Aqui se pode supor que o estresse oxidativo interfere na quantidade dessa proteína, diminuindo-a, fazendo com que as células respondam aumentando a expressão do seu gene. Considerando que essa é uma proteína responsável pela glicosilação da MEC, isso seria uma resposta plausível das células na tentativa de tornar a MEC mais resistente aos efeitos deletérios do estresse oxidativo. E os pacientes não seriam capazes de responder de maneira eficaz.

 


Figura 2 - Níveis de mRNA de SULF1, ADAMTS1 e ACSL1 entre pacientes e controles em amostras de fibroblastos sob DMSO ou tratamento TBHQ.

 

DISCUSSÃO

Estudos evidenciam o papel fundamental de processos inflamatórios e estresse oxidativo na fisiopatologia de doenças psiquiátricas como a esquizofrenia.3 Outras pesquisas mostram polimorfismos nos genes relacionados à síntese da GSH4 resultando em produção menor ou alterada de suas proteínas em esquizofrênicos. Diante disso, a síntese da GSH e a resposta ao estresse oxidativo seriam diferentes comparada aos controles. Observou-se que pacientes esquizofrênicos respondem de maneira diferente ao estresse oxidativo no nível da estruturação da MEC pela expressão deficiente do gene GALNT6, que codifica uma proteína que tornaria a MEC mais resistente aos efeitos do estresse oxidativo. Relacionando todos esses achados, têm-se evidências de que pacientes esquizofrênicos possuem resposta deficiente ou alterada ao estresse oxidativo, e este traria consequências deletérias à MEC. Esses trabalhos podem servir de base para novas abordagens terapêuticas da esquizofrenia. Estudos clínicos têm mostrado resultados promissores com o uso da N-acetilcisteína (NAC)2 - precursor da GSH que alcança boa biodisponibilidade no sangue e é capaz de atravessar a barreira hematoencefálica - como adjuvante no tratamento de distúrbios psiquiátricos. Em pacientes esquizofrênicos, a adição de NAC melhorou os sintomas negativos, o insight, a interação social, a motivação, a volição e a estabilização psicomotora e do humor se comparados ao grupo-controle.

 

CONCLUSÃO

O indício de que pacientes esquizofrênicos têm a expressão gênica dessa enzima afetada pelo estresse oxidativo revela a grande instabilidade da MEC, o que poderia contribuir para a disfunção da atividade neuronal e para a explicação fisiopatológica da doença, contribuindo com evidências para novas abordagens terapêuticas.

 

REFERÊNCIAS

1. Tamminga CA, Holcomb HH. Phenotype of schizophrenia: a review and formulation. Mol Psychiatry. 2005; 10:27-39.

2. Dean O, Giorlando F, Berk M. N-acetylcysteine in psychiatry: current therapeutic evidence and potential mechanisms of action. JPN. 2011; 36(2):78-86.

3. Mahadik SP, Mukherjee S. Free radical pathology and antioxidant defense in schizophrenia: a review. Schizophrenia Res. 1996; 19:1-17.

4. Gysin R, Kraftsik R, Sandell J, Bovet P, Chappuis C, Conus P, et al. Impaired glutathione synthesis in schizophrenia: Convergent genetic and functional evidence. Proc Natl Acad Sci USA. 2007 Oct 16; 104(42):16621-6.

5. Thalhammer A, Cingolani LA. Cell adhesion and homeostatic synaptic plasticity. Neuropharmacology. 2014 Mar; 78:23-30.

6. Cabungcal JH, Steullet P, Morishita H, Kraftsik R, Cuenod M. Perineuronal nets protect fast-spiking interneurons against oxidative stress. Proc Natl Acad Sci USA. 2013; 110(22):9130-5.