RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 28. (Suppl.4) DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20180020

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Artigo Original

Avaliação do autoconhecimento sobre comorbidades em pacientes tratados ambulatoriamente

Evaluation of self-knowledge of comorbidities in patients treated in an ambulatory

Ana Emilia Almeida Chaves; Gustavo Alves Morais; Kassandra de Oliveira Barbosa Gurgel; Merícia Costa Reis; Paula Farias Teixeira Geraldo; Tânia Maria Gonçalves Quintao

Faculdade de Medicina de Barbacena

Endereço para correspondência

Tânia Maria Gonçalves Quintao
Praça Pres. Antônio Carlos, 8 - Sao Sebastiao
Barbacena - MG, 36202-336
Cel: (32) 99972-6790
Email: tmquintao@yahoo.com.br

Resumo

OBJETIVO: Comparar o autoconhecimento do paciente sobre suas comorbidades com as alterações laboratoriais e clínicas existentes.
MÉTODOS: Estudo descritivo realizado no serviço de cardiologia do Centro Ambulatorial de Barbacena. Foram aplicados 221 formulários, no período de abril a junho de 2017, que avaliaram informações dos pacientes sobre suas comorbidades, sendo posteriormente comparadas aos resultados laboratoriais e prontuário.
RESULTADOS: Devido a limitações no estudo, apenas 101 pacientes foram incluídos. No geral, 64,4% não sabiam sobre as alterações encontradas e 70,3% tratavam, porém sem resultado satisfatório. Sobre HAS, 83,1% eram portadores e houve alterações pressóricas em 64,4%. Sobre DM, 76,2% afirmaram não ser portadores, mas alterações glicêmicas foram encontradas em 63,4%. Sobre dislipidemia 51,5% afirmaram ser portadores e encontraram-se 40,6% com alterações lipídicas. Sobre DRC encontrou-se 8,9% de portadores, no entanto foi constatado alteração da função renal em 13,9% da amostra. Por fim, 18,8% dos entrevistados alegaram ser portadores de doenças tireoidianas sendo que a amostra apresentou 10,9% com alterações laboratoriais.
CONCLUSÃO: É necessário reforçar a implementação de estratégias de educação no início do tratamento e considerar a comunicação entre profissional de saúde e paciente decisiva no conhecimento. É de grande importância a atuação de equipes multiprofissionais no cuidado ao doente crônico.

Palavras-chave: Cardiologia; Saúde Pública; Doenças cardiovasculares; Doença Crônica.

 

INTRODUÇÃO

As doenças cardiovasculares (DCV) - como a hipertensão arterial sistêmica (HAS), doença cerebrovascular, insuficiência cardíaca (IC) e doença arterial coronariana (DAC) impulsionam e estimulam a realização de estudos devido a sua importância e prevalência na população. Atualmente, com o desenvolvimento do país, tem-se observado uma transição epidemiológica em que se identifica a sobreposição de doenças infecciosas por doenças crônicas, destacando-se as do sistema cardiovascular.1 Esse fenômeno gera o deslocamento da carga de morbimortalidade dos grupos mais jovens aos mais idosos. Visto isso, é possível identificar a relevância das DCV na saúde pública atual, sendo essas a principal causa de morbimortalidade no Brasil, o que leva a altos custos em assistência médica.2,3

Diversas comorbidades influenciam no prognóstico de pacientes portadores de DCV, sendo algumas responsáveis também pelo desencadeamento dessas doenças. Dentre estas comorbidades, destacam-se hipertensão arterial sistêmica (HAS)4, diabetes mellitus (DM)5, dislipidemia6, doença renal crônica (DRC)7, hipotireoidismo8 e hipertireoidismo9, pela elevada prevalência e/ou implicações sobre o paciente. As principais complicações decorrentes delas incluem doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca, doença vascular periférica, acidente vascular cerebral e nefropatia, o que agrava o quadro prévio.4,5,6,7,8,9

Nesse contexto, o subdiagnóstico dessas comorbidades, assim como a falta de conhecimento do paciente sobre sua condição de saúde podem agravar o prognóstico, uma vez que esse não realizará o acompanhamento médico necessário e o tratamento adequado. Tal fato compromete significativamente a evolução dos pacientes tendo em vista, também, que as comorbidades são patologias inter-relacionadas: constituem fatores de risco entre si e, dessa forma, a descompensação de qualquer uma influencia diretamente o prognóstico das demais.7

Portanto, considerando o perfil socioeconômico de maior prevalência na sociedade brasileira, os pacientes ainda tendem a possuir um autoconhecimento relativamente baixo sobre suas comorbidades, e sobre as implicações e consequências de não se tratar uma doença que, a princípio, tende a ser assintomática.10,11 Tudo isso interfere na adesão e consequente progressão do quadro, tornando-se de fundamental importância uma efetiva relação médico-paciente, em que esse profissional possui a função de atuar como propagador do conhecimento, melhorando o prognostico e a qualidade de vida destes doentes.12

Assim, o presente estudo, objetiva comparar a informação que o paciente tem sobre suas comorbidades com as alterações laboratoriais e/ou clínicas já existentes.

 

MÉTODOS

Estudo descritivo realizado no serviço de cardiologia do Centro Ambulatorial de Barbacena - Ambulatório Escola Dr. Agostinho Paolucci, localizado em Barbacena-MG, para comparar as informações que os pacientes têm sobre suas doenças com as alterações clínicas e/ou laboratoriais já existentes.

Foram aplicados 221 (duzentos e vinte um) formulários, no período de abril a junho de 2017, sendo incluídos na pesquisa pacientes de primeira consulta ou em acompanhamento no ambulatório de cardiologia; adultos com idade acima de 18 anos; e excluídos os pacientes encaminhados para a realização de risco cirúrgico; indivíduos com idade inferior a 18 anos ou que se recusaram a participar da pesquisa.

Os pacientes do ambulatório, durante sua espera para a consulta, foram convidados a participarem da pesquisa, realizada através da aplicação de um formulário que avalia o autoconhecimento do mesmo sobre suas comorbidades. Os dispostos a participar preencheram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

O formulário foi lido e explicado para cada paciente e, em seguida, devidamente preenchido pelos pesquisadores de acordo com as respostas objetivas fornecidas. Esse contém perguntas sobre idade; estado civil; religiao; tipo de consulta (primeira consulta ou acompanhamento); renda familiar; escolaridade; e comorbidades selecionadas pelo estudo, sendo elas: HAS, DM, dislipidemias, doenças renais e da tireoide.

Após a aplicação do formulário, o paciente foi liberado para a consulta, onde foram solicitados exames laboratoriais para a investigação das doenças citadas acima, sendo eles: ureia; creatinina; taxa de filtração glomerular; colesterol total e frações; triglicérides; glicemia de jejum; hemoglobina glicada; TSH; e T4 livre. Os pacientes que portavam tais resultados recentes, obtidos em 2017, não necessitaram realizar novos exames. Os resultados laboratoriais foram fornecidos pelo laboratório do Centro Ambulatorial de Barbacena - Ambulatório Escola Dr. Agostinho Paolucci aos pesquisadores para análise. Os valores de referência para determinação de alteração glicêmica foram considerados de acordo com as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2015-20165, alterações lipídicas de acordo com a V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose6; alterações da função renal de acordo com o preconizado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia7,13 e alterações da função tireoidiana de acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.8,9,14

Para a determinação das alterações pressóricas, foi realizada uma busca no prontuário do paciente, após a consulta, acerca do valor aferido da pressão arterial (PA) no exame físico. A classificação da PA considerada no estudo é definida pela 7a diretriz de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia.4

Os dados colhidos pelo formulário foram estratificados e comparados aos dados obtidos através da consulta clínica e exames laboratoriais. Primeiramente, esses dados foram transcritos para planilha eletrônica e, em seguida, foram processados em software estatístico STATA v. 9.2. Foram produzidas, a partir das variáveis de estudo, tabelas do tipo linhas por colunas com frequências absolutas e relativas. Além disso, foram calculadas medidas de tendência central, posição e dispersão das variáveis quantitativas. A identificação de relação entre variáveis estudadas se deu por Testes de Qui-quadrado e Exato de Fischer, conforme indicação para as variáveis qualitativas.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FHEMIG pelo parecer n° 2.004.477.

 

RESULTADOS

Dos 221 pacientes selecionados para o estudo, 120 não atenderam aos critérios necessários para a devida avaliação.

Dos 101 pacientes classificados, 34 (33,7%) eram homens e 67 (66,3%) eram mulheres, sendo que 92 (91,1%) já estavam em acompanhamento médico. A idade média foi 63 anos, compreendidas entre 33 e 89 anos, com o desvio padrao de 10,9.

Destes pacientes, 52 (51,5%) eram casados; 86 (85,1%) eram católicos; 61 (60,4%) possuíam Ensino Fundamental Incompleto; e 58 (57,4%) recebiam um salário mínimo ou menos. As características sociodemográficas dos pacientes avaliados no estudo encontram-se apresentadas na Tabela 1.

 

 

No geral, 64,4% não tinha conhecimento sobre as alterações encontradas e 70,3% encontravam-se descompensados, apesar do tratamento.

Sobre a HAS, 84 (83,2%) pacientes responderam que eram portadores, sendo que, desses, 06 (7,1%) responderam que não realizavam tratamento. Na avaliação dos prontuários, 36 (35,6%) pacientes não apresentavam alterações pressóricas, sendo que, desses, 26 (72,2%) disseram que tratavam e eram portadores, e 10 (27,8%) disseram que não tratavam, porém 01 (10,0%) respondeu ser portador. Dos 65 (64,4%) que apresentavam alterações pressóricas, 52 (80,0%) disseram que tratavam e eram portadores, e 13 (20,0%) disseram que não tratavam, sendo que 05 (38,5%) responderam ser portadores.

Sobre a DM, 24 (23,8%) pacientes responderam que eram portadores e realizavam tratamento; e 77 (76,2%) responderam que não eram portadores, no entanto, desses, 03 (3,9%) disseram que realizavam tratamento. Dos 37 (36,6%) pacientes sem alterações glicêmicas, 04 (10,8%) disseram que tratavam, sendo que 01 (25%) respondeu não ser portador; e 33 (89,2%) disseram que não tratavam e não eram portadores. Dos 64 (63,4%) com alterações glicêmicas, 23 (35,9%) disseram que tratavam, sendo que 02 (8,7%) responderam não ser portadores; e 41 (64,1%) disseram que não tratavam, porém todos responderam não serem portadores.

Sobre a dislipidemia, 52 (51,5%) pacientes responderam que eram portadores, desses, 04 (7,7%) responderam que não realizavam tratamento. Dos 60 (59,4%) pacientes sem alterações lipídicas, 29 (48,3%) disseram que tratavam e eram portadores; e 31 (51,7%) disseram que não tratavam, porém 02 (6,5%) responderam serem portadores. Dos 41 (40,6%) com alterações lipídicas, 19 (46,3%) disseram que tratavam e eram portadores; e 22 (53,7%) disseram que não tratavam, no entanto 02 (9,1%) responderam serem portadores.

Sobre doenças renais, 09 (8,9%) pacientes responderam que eram portadores, desses, 04 (44,4%) responderam que não realizavam tratamento; e 92 (91,1%) responderam que não eram portadores, no entanto, desses, 01 (1,1%) disse que realizava tratamento. Dos 87 (86,1%) pacientes sem alterações da função renal, 04 (4,6%) disseram que tratavam, porém, desses, 01 (25%) respondeu não ser portador; e 83 (95,4%) disseram que não tratavam, no entanto, desses, 03 (3,6%) responderam que eram portadores. Dos 14 (13,9%) com alterações laboratoriais, 02 (14,3%) disseram que tratavam e eram portadores; e 12 (85,7%) disseram que não tratavam, sendo que 01 (8,3%) respondeu ser portador.

Sobre doenças da tireoide, 19 pacientes (18,8%) responderam que eram portadores, sendo que, desses, 03 (15,8%) responderam que não realizam tratamento. Dos 90 (89,1%) pacientes sem alterações laboratoriais, 14 (15,6%) disseram que tratavam e eram portadores; e 76 (84,4%) disseram que não tratavam, porém, desses, 01 (1,3%) respondeu ser portador. Dos 11 (10,9%) com alterações laboratoriais, 02 (18,2%) disseram que tratavam e eram portadores; e 09 (81,8%) disseram que não tratavam, no entanto, desses, 02 (22,2%) responderam ser portadores.

A Tabela 2 apresenta a relação entre todas as respostas fornecidas pelos pacientes e suas condições clínico-laboratoriais.

 

 

DISCUSSÃO

Em relação ao sexo, o número de mulheres mostrou-se superior ao de homens, com uma porcentagem de 66,3% e 33,7%, respectivamente. Esse dado pode ser explicado pela pouca procura por serviços de saúde por parte dos homens, que diante do medo da descoberta de uma doença grave, considera o não saber um fator protetor.15 Concomitantemente, observou-se predomínio de população idosa, com média de 63 anos. A prevalência de idosos se deve ao aumento da expectativa de vida da população brasileira e pelo maior uso dos serviços de saúde, reflexo do aumento da prevalência de doenças e incapacidades físicas nessa população.16

A grande maioria dos pacientes estava em acompanhamento, representando 91,1%, devido ao fato do hospital em questao ser referência regional no tratamento da HAS, que é uma doença crônica e necessita de acompanhamento constante.4

Em relação à escolaridade, tem-se um predomínio de indivíduos com ensino fundamental incompleto, 60,4%. Concomitantemente, tem-se hegemonia de renda abaixo de um salário mínimo, sendo 57,4% da amostra estudada. Observa-se que há uma desigualdade social em saúde, o que favorece os grupos econômicos privilegiados, o perfil de atendimento do SUS cobre 88% dos atendimentos realizados pelo decil mais pobre da população10, e dados da Pesquisa Nacional de Saúde em 2013 indicam que o serviço tem chegado principalmente às pessoas de menor escolaridade.17

Em relação aos pacientes sabidamente portadores e que não realizavam tratamento as seguintes porcentagens foram encontradas: 15,7% nas disfunções tireoidianas, 7,1% na HAS, 4% na dislipidemia e 3% na DRC. Apesar de não serem porcentagens tao altas indicam uma parcela da amostra que merece atenção.

Os motivos para esses pacientes não fazerem o uso da medicação podem ser dos mais variados. Primeiro vale salientar que as doenças crônicas no geral têm um início assintomático. Uma das grandes dificuldades dos portadores em aderir ao tratamento é entender por que devem utilizar diariamente diversos comprimidos e sofrer com efeitos colaterais para controlar um problema que não apresentou sintomas.11 Muitas vezes o paciente tem dificuldade de entender as consequências disso em um longo prazo.

A comorbidade com mais pessoas sem tratamento foram as disfunções tireoidianas, no hipertireoidismo, por exemplo, podemos ter o desenvolvimento de complicações graves como insuficiência cardíaca congestiva e arritmias. Fator de abandono da medicação importante são os efeitos colaterais.18 A levotiroxina, medicação muito usava para tratar o hipotireoidismo, tem um índice terapêutico estreito, quer dizer que a diferença entre a concentração tóxica e a concentração terapêutica é pequena. Há diversos efeitos colaterais, que vao aparecer principalmente nos idosos, maioria da amostra, como arritmias, isquemia miocárdica e fraturas osteoporóticas.11 No tratamento do hipertireoidismo há as drogas antitireoidianas, que também tem alto índice de efeitos colaterais, alguns potencialmente fatais, como a hepatite tóxica. A aderência dos pacientes ao uso das drogas antitireoidianas é baixa e a taxa de abandono é de até 70%.18

Outro fator aqui fica a cargo da complexidade do esquema terapêutico. A posologia dos medicamentos geralmente é difícil, podendo ser vários medicamentos, mais de uma vez por dia. E isso tem um custo alto. O gasto médio com medicamentos pela população idosa fica em torno de 23% do valor do salário mínimo16, por isso é importante implementar políticas para melhorar o acesso dessa população aos medicamentos. A adesão medicamentosa pode ser classificada como intencional ou não intencional, sendo a segunda relacionada a fatores cognitivos ou financeiros.19 Tudo isso vai interferir no tratamento e no prognóstico desses pacientes.

Quanto aos pacientes em tratamento e com alteração clínico-laboratoriais o estudo apresentou as seguintes porcentagens: 85,1% na DM, 66,6% na HAS, 40% na DRC, 39,5% na dislipidemia e 12,5% nas disfunções tireoidianas. São números altos e alarmantes, demonstram a grande parcela da população que não consegue atingir suas metas terapêuticas.

A porcentagem achada na HAS condiz com estudos brasileiros que indicam que apenas 30% dos hipertensos em tratamento atingem níveis normotensos.20 Mas por que isso acontece? Um ponto que vai entrar em discussão aqui é que a mesma medicação e a mesma dosagem têm interações diferentes em cada paciente, as variações interindividuais, além de drogas como antiácidos e sertralina, assim como café interferirem na absorção21, e as variações intraindividuais.

Os maiores valores foram encontrados na DM, esses pacientes, quando acompanhados por equipe multiprofissional de saúde previnem e/ou protelaram as complicações crônicas por alcançam mais facilmente as metas.22 Há muito déficit no conhecimento e em como fazer o tratamento por parte deles, sendo que estudos indicam que o controle glicêmico é alcançado por menos da metade dessa população.23

É necessário que esse paciente acompanhe sempre com seu médico, para orientação e ajustes necessários para a manutenção das doses.22 O nível de escolaridade também se mostrou determinante aqui, pois a capacidade de compreender o esquema terapêutico, as recomendações quanto às mudanças comportamentais vao estar diretamente ligadas a isso.10 Nesse sentido é de fundamental importância uma boa relação médico-paciente. Além do tratamento medicamentoso não deixar de lado o tratamento não medicamentoso - dieta e mudanças no estilo de vida -, que é fator decisivo na descompensação.22

É preciso sempre estar ciente das interações que as comorbidades têm uma com a outra. As doenças renais são causadas principalmente pelas comorbidades prevalentes já descritas, HAS e DM, e que se traduzem como importantes fatores contribuintes à progressão dessa doença.24 O inverso também se faz verdadeiro, pois dados mostram que a DRC ainda é considerada a principal causa de HAS secundária.25 A presença da DM em hipertensos configura o cenário de maior dificuldade de controle da pressão arterial. Os pacientes hipertensos diabéticos requerem maior acompanhamento, apoio da equipe de saúde e da família para adesão ao tratamento medicamentoso e adequação ao estilo de vida como premissa para melhores resultados no controle de sua pressão arterial.26 O diagnóstico e tratamento do hipertireoidismo, por exemplo, impedem a piora da intolerância à glicose, já no hipotireoidismo evitam os efeitos adversos da diminuição dos hormônios tireoidianos sobre o controle glicêmico (maior tendência à hipoglicemia), além de impedir o aparecimento da dislipidemia.27 Entao o paciente deve ser tratado como um todo e deve atingir suas metas terapêuticas em todas as patologias existentes. Isso tudo torna o tratamento das comorbidades crônicas, difícil e ele acaba sendo negligenciado pelo próprio paciente, que não adere.

A amostra teve ainda uma porcentagem de 4% de pacientes que não se declararam portadores, mas realizavam o tratamento. Aqui fica bem segmentado o não entendimento do paciente sobre o conceito de doença crônica. Muitas vezes o paciente crê que como ele realiza o tratamento está curado.24 É aquele exemplo típico de paciente ambulatorial que se indagado sobre HAS se declara não portador, mas quando indagado sobre a medicação faz uso de anti-hipertensivos como losartana e hidroclorotiazida. Falta nesses casos que o médico esclareça, continuadamente e em linguagem acessível ao nível de compreensão do paciente, conceitos básicos quanto ao significado da doença, sua etiologia, evolução, consequências, cuidados necessários, fármacos utilizados e seus potenciais efeitos colaterais.12

A informação insuficiente a respeito da doença e tratamento pode interferir negativamente na adesão do tratamento, levando a aceleração da progressão da patologia, além de ser fator de risco de abandono, já que a ideia de cura deixa o paciente mais propício ao abandono da medicação.24

A parte mais delicada dos resultados fica a cargo das porcentagens da amostra que se declaravam não portadores, mas apresentaram algum tipo de alteração clinico-laboratorial, que foram: DM com 55,4%, HAS com 47%, dislipidemia com 40,8%, DRC com 11,9% e alterações tireoidianas com 8,5%. A porcentagem que mais chama atenção é a referente aos 47% de pacientes que não sabiam de suas alterações pressóricas, pois o estudo foi desenvolvido em um ambulatório de cardiologia que é referência regional no tratamento da HAS.

Quais seriam entao os principais motivos para essa população não ter conhecimento dessas alterações? O principal é a falha do sistema de saúde e/ou do médico. Falta rastreio e diagnóstico.11 A amostra é predominantemente idosa, onde os exames avaliados no estudo deveriam ser pedidos com muito mais frequência por essa ser uma população de risco. Pacientes idosos com hipertireoidismo podem apresentar manifestações clínicas pouco evidentes e ter predomínio das manifestações cardiovasculares, podendo essas ser as únicas encontradas.18

Se o diagnóstico for precoce pode-se evitar diversas complicações que vao influenciar diretamente no prognóstico dessas comorbidades. Adultos com DM, por exemplo, tem risco 2 a 4x maior de ter DCV e as complicações da DM são responsáveis por 65% da sua mortalidade. A DM está associada a complicações micro e macrovasculares e possui elevada morbimortalidade, além de indícios que indivíduos com alterações glicêmicas desenvolverao DM2 em três a cinco anos.22 Todas as comorbidades avaliadas têm condições de detecção precoce e medidas efetivas para prevenção das suas complicações.

 

CONCLUSÃO

A pesquisa demonstrou que os pacientes estudados têm um autoconhecimento relativamente baixo sobre as suas comorbidades, onde falta principalmente entendimento sobre o conceito de doença crônica e o que ela pode trazer. Se há o entendimento sobre as implicações e as consequências, a mudança de comportamento se torna mais fácil, assim como a adesão ao tratamento e a sua eficácia.

O subdiagnóstico de comorbidades comuns ainda é muito elevado. Há a necessidade de um rastreio periódico adequado, não desenfreado, mais voltado para as populações de risco, como mulheres e idosos, que são maioria na população avaliada. Necessita-se, entao, que a prevenção primária, secundária e terciária sejam adequadas e melhores executadas, afinal o simples diagnóstico de uma comorbidade pode ser fator de risco para o desenvolvimento sobrejacente de outras.

Todas as comorbidades estudadas são inter-relacionadas, podendo uma desencadear ou agravar o quadro de outra. Com isso, faz-se necessário avaliar o paciente como um todo já que isso pode interferir diretamente no prognóstico dele. É aqui que podem ser implementadas medidas para diminuir a alta morbimortalidade que as DCV têm.

É entao fundamental a atuação de equipes multidisciplinares, pois são capazes de promover a melhoria tanto da qualidade de vida quanto da educação. Isso leva a um estilo de vida mais saudável, que é tao efetivo quanto à medicação.

Sob o ponto de vista de saúde pública, o alto custo associado ao cuidado de pessoas com doenças crônicas é uma das questoes mais urgentes a serem resolvidas e esse gasto está diretamente ligado ao diagnóstico tardio e complicações. Entao pequenas medidas podem fazer grande diferença.

 

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