RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 20. 1

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Relato de Caso

Massa paranasal congênita - dacriocistocele: relato de caso clínico e revisão de literatura

Congenital paranasal mass - dacryocystocele: case report and literature review

Aldo Benjamim Rodrigues Barbosa1; Rogério Silva Pereira2; Névio Edinir Cola3

1. Médico Radiologista do Corpo Clínico da Santa Casa de Misericórdia de Ituverava - SP, Brasil, e aluno especial do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Patologia pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro em Uberaba - MG, Brasil
2. Médico Radiologista do Corpo Clínico da Santa Casa de Misericórdia de Ituverava - SP, Brasil
3. Médico Oftalmologista do Corpo Clínico da Santa Casa de Misericórdia de Ituverava - SP, Brasil

Endereço para correspondência

Aldo Benjamim Rodrigues Barbosa
Rua: Coronel José Bernardino Ferreira, 1.011, Bairro: Jardim Independência
CEP: 14500-000, Ituverava - SP, Brasil
Email: dr-aldo@uol.com.br

Recebido em: 19/10/2008
Aprovado em: 24/06/2009

Instituição: Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico de Imagem da Santa Casa de Misericórdia de Ituverava, SP

Resumo

O edema facial em criança é uma condição clínica comum, podendo ser progressivo ou não, de causas congênitas e/ou adquiridas. Lesões não-progressivas e congênitas do epicanto medial se restringem a: dacriocistocele, menigoencefalocele frontoetmoidal e cisto dermoide. Relata-se o caso de um paciente com dacriocistocele congênita, descrevendo-se as características da lesão, suas manifestações clínicas e aspectos de imagem. Apresenta-se, ainda, breve revisão da literatura relevante.

Palavras-chave: Ducto Nasolacrimal/patologia; Ducto Nasolacrimal/ diagnóstico; Dacriocistite; Ultrassonografia; Tomografia Computadorizada por Raios-X.

 

INTRODUÇÃO

O edema facial em criança é uma condição clínica comum, podendo ser progressivo ou não e de causas congênitas e/ou adquiridas.

A dacriocistocele congênita faz parte do espectro das obstruções congênitas do ducto nasolacrimal. Trata-se de uma lesão incomum, não-progressiva e congênita.1,2

A anamnese e o exame físico são as bases para a elaboração dos possíveis diagnósticos. Cabe aos métodos de imagem estabelecer, quando possível, o diagnóstico mais provável, além de caracterizar a natureza da lesão e seus limites anatômicos, norteando o planejamento terapêutico.1

Os autores relatam o caso de um paciente com dacriocistocele congênita, descrevendo as características da lesão, suas manifestações clínicas e aspectos de imagem e apresentam breve revisão da literatura relevante.

 

RELATO DE CASO

Recém-nascido a termo, do sexo feminino, peso de 2.850 gramas, apresentou ao nascimento uma lesão nodular de coloração discretamente azulada localizada no epicanto medial da órbita direita. Notaram-se sinais discretos de processo inflamatório, bem como lacrimejamento excessivo.

Ao exame físico, a lesão apresentava morfologia nodular e de consistência elástica, imóvel, irredutível e não-pulsátil, medindo aproximadamente 1,5 cm de diâmetro. A análise quanto à sua transluscência mostrava lesão homogênea, de aspecto cístico (Figura 1).

 


Figura 1 - Recém-nascido apresentando lesão azulada, tensa, localizada no epicanto medial da órbita (setas).

 

Achados de imagem

A ultrassonografia (US) realizada com transdutor linear de alta frequência evidenciou lesão anecoide, de paredes finas, contornos regulares, medindo dêem torno 1,0 x 1,2 x 1,1 cm, com volume de 0,5 mL, localizada no epicanto medial da órbita direita. Observou-se umbilicação posterior medindo aproximadamente 0,3 cm. Não existia vascularização anômala da lesão ao estudo com doppler colorido. A reconstrução tridimensional (3D free hand) mostrou o aspecto cístico da lesão com a umbilicação posterior (Figura 2).

 


Figura 2 - Lesão anecoide localizada no epicanto medial, apresentando umbilicação posterior.(seta) Não se observa vascularização anômala ao Doppler de energia. Note inferiormente a esquerda, aspecto tridimensional da lesão.

 

A tomografia computadorizada (TC) sem contraste das órbitas evidenciou lesão predominantemente cística, com densidade em torno de 20 UH, medindo 1,1 x 1,2 cm, localizada no epicanto medial, insinuando-se para o conduto nasolacrimal, alargando-o. Não existiam calcificações patogênicas no seu interior (Figura 3).

 


Figura 3 - Cortes axiais das órbitas, com janelas para partes moles e óssea, mostrando lesão com densidade de partes moles no epicanto medial. (setas) Observe como a lesão molda o canal nasolacriamal.

 

A principal hipótese diagnóstica foi de dacriocistocele congênita, sendo realizado tratamento conservador consistindo na realização de massagem da nodulação e utilização de antibioticoterapia tópica. Após sete dias, verificou-se completa regressão da lesão (Figura 4).

 


Figura 4 - Observe regressão da lesão após tratamento clínico com compressão local.

 

DISCUSSÃO

A glândula lacrimal é a menor glândula salivar localizada na porção súpero-lateral da órbita, originada do primeiro arco faríngeo, cuja principal função é a produção da lágrima, fluido aquoso com a função de lubrificar a região pré-septal do globo ocular. Trata-se de uma glândula serosa e de contornos bilobulados, medindo aproximadamente 2,0 x 1,5 x 0,5 cm. 2

Após ser produzida, parte da lágrima sofre evaporação no contato com o meio externo. A outra parte é drenada através de um sistema de canalículos denominado sistema nasolacrimal ou via lacrimal, localizado no epicanto medial da órbita. Esses canalículos se unem, originando o ducto nasolacrimal, que apresenta extensão de 1,2 a 1,9 cm, com trajeto intraósseo de 1,0 cm, desembocando no meato nasal inferior através da válvula de Hasler.2,3 O sistema nasolacrimal é responsável por remover o excesso de fluido do espaço pré-septal. Pacientes com anormalidade desse sistema apresentam lacrimejamento excessivo e, em determinados casos, estão associados a edema e celulite. 1,4

Entre as patologias do sistema nasolacrimal, as obstruções são as mais comuns e classificam-se como completas ou incompletas. As principais causas de obstruções das vias lacrimais são: estenoses congênitas, doenças inflamatórias, corpo estranho e tumores. 3

Neste contexto, a dacriocistocele, uma incomum complicação, faz parte do espectro da obstrução nasolacrimal congênita. Ela é provocada pela dilatação do saco lacrimal, decorrente de reação inflamatória, determinada por obstrução proximal (no nível da válvula de Rosenmüler) e distal da via lacrimal (válvula de Hasner). Quando o saco lacrimal está preenchido por muco, é denominado mucocele; e quando está preenchido por âmnio, é denominado aminiotocele. 4

Clinicamente, a dacriocistocele se apresenta como uma lesão nodular de coloração azulada, localizada no epicanto medial da orbital, de consistência elástica, não-redutível e não-pulsátil. Numa classificação didática de causas de edema facial em criança, a dacriocistocele congênita se enquadra em uma das causas de edema facial não-progressivo. As lesões não-progressivas e congênitas do epicanto medial se restringem basicamente a dacriocistocele, meningoencefalocele frontoetmoidal, cisto sudorífero, cisto dermoide e hemangioma capilar. 2,4,5

O diagnóstico pré-natal de lesão cística no epicanto medial da órbita pode ser realizado na US obstétrica de rotina, sobretudo no corte para o estudo dos globos oculares. Em alguns casos devidamente triados, pode-se utilizar a ressonância magnética fetal.6

Vários métodos de imagem estão envolvidos na avaliação anatômica e funcional das glândulas lacrimais, tais como: dacriocistografia convencional; ultrassonografia; tomografia computadorizada; dacriocistotomografia computadorizada; ressonância magnética; dacriocistorressonância magnética e cintilografia.2,7

Em virtude das dimensões dos canalículos lacrimais e por dificuldade técnica, a dacriocistografia convencional não foi realizada, apesar de ser um exame de baixo custo e de baixa dose de radiação, que permite diagnosticar o nível da obstrução e a existência de dilatação.

A US dos globos oculares é um método inócuo, acessível, de baixo custo e não utiliza radiação ionizante. É extremamente útil para determinar a natureza cística ou não da lesão. O estudo com doppler colorido fornece informações sobre a existência ou não de componente vascular associado. A ultrassonografia 3D free hand, embora sem aplicações concretas, possibilita a aquisição de imagens tridimensionais ilustrativas, além de imagens em 2D multiplanares. 2

Tanto a TC quanto a dacriocistotomografia são importantes para determinar as relações anatômicas da lesão, sua contiguidade com o SNC para exclusão de meningo-encefaloce frontoetmoidal e na avaliação de sua densidade. Estes métodos são úteis na avaliação das vias lacrimais associadas a doenças intranasais, fraturas faciais e tumores maxilofaciais. As principais desvantagens são o alto custo e a alta dose de radiação ionizante. 2,7

A ressonância magnética e a dacriorressonância são exames “padrão-ouro” no estudo da órbita e das vias lacrimais; porém, a sua utilização é limitada pelo seu alto custo e baixa acessibilidade pela maior parte da população.7

O tratamento é controverso na literatura médica. A conduta conservadora consiste na compressão manual e, quando não há cura espontânea, sugerese ressecção endocóspica ou marsupialização para prevenção de infecção secundária.1,4,5,8,9

Os principais diagnósticos diferenciais incluem: meningo-encefalocele anterior e cisto dermoide.

A meningo-encefalocele anterior representa cerca de 10% das cefaloceles e tem incidência mais elevada em pacientes asiáticos (1:5.000 nascidos vivos/ano). Geralmente se manifesta como edema facial não-progressivo, podendo a massa ser pulsátil e aumentada durante a compressão da veia jugular (sinal de Furstenberg).

Os cistos dermoides representam 5% de todas as massas orbitárias, possuem relação com a sutura frontozigomático e raramente acometem neonatos. Possuem densidade de gordura e crescimento lento.1,4,8,9,10

 

CONCLUSÃO

Diante de uma massa paranasal congênita no epicanto medial da órbita, devem-se considerar como principais possibilidades: obstrução congênita do canal lacrimal - dacriocistocele, cisto dermoide e cefalocele frontoetmoidal.

A adequada semiologia, associada à significativa variedade de método de imagem para o estudo das vias lacrimais, possibilita diagnóstico e tratamento precoces, reduzindo, assim, a ansiedade dos familares.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Profa. Me Maria Eunice Barbosa Vidal Mendonça e à Profa. Me Maria do Carmo Rodrigues Barbosa pela revisão gramatical e adequação às normas da reforma ortográfica.

 

REFERÊNCIAS

1. Khanna G, Sato Y, Smith RJH, Bauman NM, Nerad J. Causes of facial swelling in pediatrics patients: correlation of clinical an radiologic findings. RadioGraphics 2006;26:157-71.

2. Hughes G, Miszkiel K. Imaging of the lacrimal gland. Semin Ultrasound CT MRI 2006;27(6):476-91.

3. Rothman MI, Zoarski GH. The orbit in textbook of radiology and imagind. 7th ed. New York: Churchill Livingstone; 2003. p.1573-95.

4. Shiratori CA, Schellini AS, Palhares A, Schellini, Yamashita S. Massa paranasal: Dacriocistocele congenita? - Relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(5):835-7.

5. Shashy RG, Durauraj V, Holmes JM, Hohberger GG, Thompson DM, Kasperbauer JL. Congenital dacryocystocele associated with intranasal cysts: diagnosis and management. Laryngoscope. 2003;113:37-40.

6. Bianchini E, Zirpoli S, Righini A, Rustico M, Parazzini C, Triulzi F. Magnetic Resonance Imaging in Prenatal Diagnosis of Dacryocystocele. Report of 3 Cases. J Comput Assist Tomogr. 2004;28:422-7.

7. Francisco FC, Carvalho ACP, Torres Neto G, Francisco VFM, Souza LAM, Francisco MC, Fonseca LMB, et al. Avaliação da via lacrimal pelos métodos radiológicos. Radiol Bras. 2007;40(4):273-8.

8. Teixeira C, Dias R, Santos M. Dacriocistocelo Congénito com Extensão Intranasal. Acta Oftalmol. 2003,13:13-7.

9. Ugurbas SH, Zilelioglu G, Saatçi M. Otolaryngological findings in congenital nasolacrimal duct obstruction and implications for prognosis. Br J Ophthalmol. 2000;84:917-8.

10. Wojno TH. Congenital dacryocytocele in identical twin. Ophthalmic Plast Reconst Surg. 1985;1:263-6.