ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Abordagem pré-natal da sífilis na atenção primária de saúde: uma revisão bibliográfica
Prenatal approach to syphilis in primary health care: a literature review
Amanda Miranda Matos Teixeira1; Anna Laura Lima Larcipretti1; Giovanna Gonçalves de Souza e Silva1; Giovanna Sousa Ferreira1; Marcella Barbosa Sampaio Tropia Pinheiro2
1. Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Minas Gerais, Brasil
2. Maternidade Odete Valadares, Minas Gerais, Brasil
Giovanna Gonçalves de Souza e Silva
E-mail: giovannagon07@gmail.com
Recebido em: 10 Agosto 2021
Aprovado em: 25 Janeiro 2023
Data de Publicação: 31 Agosto 2023.
Editor Associado Responsável: Dr. Henrique Vitor Leite
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte/MG, Brasil.
Fontes apoiadoras: Não houve fontes apoiadoras.
Comitê de Ética: Não se aplica.
Registro de Ensaio Clínico: Não se aplica.
Conflito de Interesses: Os autores declaram não ter conflitos de interesse.
Resumo
A sífilis é provocada pelo agente infeccioso Treponema Pallidum, que pode ser transmitido por via vertical e gerar graves intercorrências na gestação e no concepto. Há elevada taxa de transmissão no primeiro e no terceiro trimestres de gestação e, quando transmitida, a taxa de mortalidade do feto é cerca de 40%. Dessa maneira, é um grave problema de saúde pública, que pode ser prevenido durante o pré-natal efetivo. Trata-se de revisão nas bases Medline, SciELO e LILACS, de artigos dos últimos 10 anos, que objetiva verificar a assistência brasileira à sífilis gestacional e congênita na atenção primária. Dados literários exibem que 1,3 a 2,0 milhões de mulheres são infectadas por ano pela sífilis, mundialmente, e que cerca de 1/3 dessas não são testadas para sífilis na gestação. No Brasil, a taxa de incidência de sífilis congênita foi de 8.2/1000 nascidos vivos em 2019, contrariando a expectativa da Organização Pan-Americana de Saúde de reduzir para <0.5/1000 nascidos vivos até 2015. A atenção primária, embora apresente aumento de sua cobertura para 87,17% da população, tem atendimentos falhos no pré-natal: despreparo dos profissionais de saúde na triagem e no tratamento adequado da gestante e do parceiro, e carência de programas de prevenção. Assim, as ações primárias de saúde em combate à sífilis gestacional e congênita são insuficientes. Faz-se necessário melhoria na qualidade dos pré-natais, para reduzir a incidência da enfermidade no Brasil, onde a sífilis é uma grave epidemia e calamidade pública.
Palavras-chave: Sífilis; Assistência pré-natal; Atenção primária à saúde.
INTRODUÇÃO
Sífilis é uma doença provocada pela bactéria Treponema pallidum, em que o sintoma mais comum é o aparecimento de úlcera indolor em região genital. A doença possui diferentes fases clínicas, que são: primária, com ulceração ou erosão de borda regular, base endurecida e fundo limpo em região genital, rica em treponemas; secundária, com achados dermatológicos, latente recente e tardia, em que o estágio é assintomático; e terciária, em que há lesões de órgãos alvos1.
Na gestação, pode ser transmitida a partir de 14 semanas ao feto por via transplacentária, sendo que ele também pode ser contaminado pelo contato com lesões ativas no canal vaginal durante o parto, levando ao quadro de sífilis congênita1,2.Quando não tratada, a taxa de transmissão da bactéria chega a ser de 70% a 100% no primeiro e no segundo trimestres da gestação, respectivamente. Além disso, quando ocorre a transmissão vertical, é estimado que 40% das gestações resultarão em aborto espontâneo, morte fetal intrauterina, parto pré-termo ou óbito perinatal3. Quando as crianças sobrevivem, cerca de ⅔ são assintomáticas ao nascimento, podendo apresentar apenas baixo peso como manifestação, e aproximadamente 20% são sintomáticas e apresentam manifestações precoces, antes dos 2 anos, ou tardias, depois de 2 anos de idade2.
Dentre as manifestações clínicas da sífilis congênita precoce, além da prematuridade e do baixo peso ao nascer, destacam-se: hepatomegalia com ou sem esplenomegalia, lesões cutâneas (pênfigo palmo plantar ou condiloma plano), periostite, osteíte ou osteocondrite, icterícia, sofrimento respiratório, rinite sifilítica, alterações esqueléticas e linfadenopatias generalizadas. Alterações hematológicas como anemia, trombocitopenia, leucopenia ou leucocitose também podem estar presentes. Já na sífilis congênita tardia, essa que é mais rara, os sintomas incluem anormalidade dentárias, com os dentes incisivos medianos superiores deformados (dentes de Hutchinson), ceratite intersticial como manifestação ocular e surdez neurológica, entre outros2,4.
A atenção pré-natal, oferecida gratuitamente à população por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), tem como objetivo garantir desenvolvimento adequado da gestação e permitir o parto de um recém-nascido (RN) saudável, incluindo abordagem psicossocial e atividades preventivas e educativas5.Possui também como propósito a identificação precoce de doenças transmitidas verticalmente, como a sífilis, a fim de evitar comprometimento da saúde da gestante e do RN. Como meio de triagem e diagnóstico da sífilis na gestação, os testes sorológicos são os mais utilizados na prática, que são: não treponêmicos (Venereal Disease Research Laboratory Test - VDRL, RPR) ou treponêmicos (TPHA, FTA-Abs, ELISA, teste rápido), sendo que os primeiros são utilizados para rastreamento e monitoramento da terapia, e os segundos para confirmação do diagnóstico2. A testagem para sífilis precisa ocorrer em três momentos: na 1ª consulta do pré-natal (de maneira ideal no 1º trimestre da gestação), no início do 3º trimestre (28ª semana) e no momento do parto ou aborto, utilizando preferencialmente o teste rápido, esse largamente disponível nas Unidades Básicas de Saúde (UBS)6.
Embora a assistência ao pré-natal no Brasil seja alta em sua totalidade, alcançando até 90% de cobertura em todo o país7, a alta incidência da doença local (8.2/1.000 nascidos vivos)8, indica provável comprometimento dessa atenção, visto que a sífilis é uma doença com diagnóstico e tratamento bem estabelecidos, sendo também absolutamente evitável a transmissão vertical, por meio do tratamento da gestante. Além disso, apresenta baixos custos e mínimas dificuldades operacionais9. Nesse sentido, essa revisão visa caracterizar, por meio de análise da literatura disponível, a assistência pré-natal com enfoque na sífilis gestacional e congênita na atenção primária da saúde brasileira.
Epidemiologia
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, aproximadamente 1,5 milhões de mulheres grávidas são infectadas no mundo pela sífilis por ano10. Dados de 2008 afirmam que, dentre 1,4 milhão de casos de mulheres grávidas infectadas com sífilis, 80% foram atendidas em consultas pré-natais e 20% não compareceram ao serviço de saúde, portanto não obtiveram assistência pré-natal11. No entanto, das mulheres que recebem assistência em serviços pré-natais, notifica-se que até ⅓ delas não são testadas para sífilis12.
A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) criou uma meta, em 2010, de que se alcançasse <0.5 nascidos vivos com SC a cada 1.000 habitantes até 2015, no entanto, sabe-se que tal padrão não foi alcançado13. Obteve-se, ao contrário, um incremento na taxa, sendo ainda uma epidemia e grave questão de saúde pública.
Em relatos do boletim epidemiológico de 2019, a taxa de sífilis congênita foi de 9/1000 nascidos vivos14.Já no ano de 2020, o MS notificou uma taxa de 8.2/1000 nascidos vivos, observando pequena redução8.Entretanto, vale ressaltar que essa redução pode estar relacionada a problemas de transferência de dados entre as esferas de gestão do SUS, o que pode ocasionar diferença no total de casos entre as bases de dados municipal, estadual e federal de sífilis. O declínio no número de casos também pode decorrer da demora de notificações e das bases de dados do Sinan, devido à mobilização local dos profissionais de saúde ocasionada pela pandemia de COVID-198.
As taxas de sífilis na gestação e a sífilis congênita são elevadas no Brasil e as mortalidades materna e infantil têm relação direta com a ineficácia da assistência pré-natal15. Dessa maneira, torna-se fundamental o conhecimento de dados epidemiológicos, para que o assunto receba especial enfoque nas consultas de pré-natal na atenção primária.
MÉTODOS
Trata-se de uma revisão bibliográfica, realizada nas bases de dados Medline, (PubMed e Biblioteca Virtual da Saúde - BVS), LILACS e SciELO. A busca foi realizada utilizando as palavras-chaves “syphilis”, “prenatal care” e “primary healtha ttention”, e filtro de estudos dos últimos 10 anos. Foram encontrados 124 artigos ao todo, dos quais 11 foram selecionados para a amostra final (Gráfico 1). Dentre os critérios de inclusão estavam: adequação ao tema, estudos nacionais, estudos descritivos ou observacionais. Foram excluídos aqueles de revisão narrativa. As características dos estudos estão descritas na Tabela 1.
Utilizou-se também boletins epidemiológicos e manuais de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde (MS) sobre atenção pré-natal e sífilis, dos anos de 2006 até 2019.
RESULTADOS
Abordagem pré-natal da sífilis na atenção primária
O diagnóstico e o tratamento da sífilis gestacional são realizados na atenção básica, que obteve aumento no número de equipes nos últimos anos. Segundo dados do Ministério da Saúde (MS), o atendimento pré-natal na atenção básica teve um incremento de 350% entre 2000 e 2010, dado disponível na página do Departamento de Informática do SUS (DATASUS; http://datasus.saude.gov.br/). Além disso, atingiu cobertura populacional de 87,17% em 20146.
A criação e a implementação da “Rede Cegonha”, em 2011, pelo MS trouxe perspectiva de mudança no atendimento à mulher no período gravídico puerperal, devido à maior oferta de testes rápidos para rastreio de sífilis e HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) nas UBS, sendo uma importante abordagem para mitigar a incidência da doença16.
A assistência pré-natal é um período importante para diagnosticar tais doenças, que promove prevenção à transmissão vertical e também acesso das grávidas e seus parceiros aos cuidados oferecidos16.Em relação à sífilis na gestação, é o principal período para que o diagnóstico da sífilis congênita seja feito17.
A adequação da qualidade do pré-natal, de acordo com órgãos oficiais de saúde, depende de: realização do número de consultas recomendadas, sendo o número mínimo de 6 consultas6, identificação precoce de todas as gestantes na comunidade, o pronto início do acompanhamento pré-natal ainda no 1º trimestre da gravidez, o cadastro da gestante no SISPreNatal, o fornecimento e preenchimento do cartão pré-natal e o esclarecimento sobre o calendário de vacinas e exames preconizados7.
No entanto, apesar dos avanços relatados, sabe-se que a qualidade de assistência não é satisfatória, sendo que há elevados casos de início tardio do pré-natal, o que leva ao diagnóstico tardio da sífilis gestacional. Oliveira et al. (2020)18 avaliou que número significativo de 69% das mulheres avaliadas no estudo transversal em Natal/RN obtiveram diagnóstico de sífilis apenas no terceiro trimestre, 39,5% das mulheres receberam o diagnóstico de sífilis no momento do nascimento do feto e 3,9% receberam apenas após o nascimento, fato que indica falha na triagem da doença17.
Análise nacional de base hospitalar com 23.894 mulheres entrevistadas no pós-parto mostra que 98.7% fizeram no mínimo uma consulta pré-natal, mas que 40% das gestantes iniciaram a assistência pré-natal apenas após a 12a semana. Avaliação dos cartões de pré-natal constatou que 89,1% possuíam o resultado do primeiro teste sorológico para sífilis, no entanto apenas 41,1% possuíam registros do segundo teste sorológico, o que demonstra falta no seguimento adequado. Esse mesmo estudo avalia que uma maior prevalência de sífilis foi relatada em gestantes sem assistência pré-natal18.
Soares et al. (2017)19 analisa, em estudo retrospectivo conduzido no Paraná, que 90% das gestantes que iniciaram o pré-natal no 1º trimestre, 77,5% realizaram o exame VDRL neste período e somente 45% realizaram dois ou mais exames no seguimento das consultas. Ademais, a análise transversal que avalia o conhecimento de 43 profissionais que realizam pré-natal na atenção básica, relata que 81,4% deles afirmaram que o VDRL deve ser solicitado no 1º, 2º e 3º trimestres20. No entanto, tal fato contraria a orientação do MS, que preconiza a triagem no 1º e no 3º trimestres, na admissão para o parto e em abortos6.
Figueiredo et al. (2020)21 analisou dados referentes à assistência à sífilis na atenção básica e relatou que a maior oferta do teste rápido estava relacionada com maior capacidade de detecção da doença, e consequente redução das taxas de sífilis congênita. Dentre os 5.070 municípios brasileiros avaliados, ações de diagnóstico para sífilis foram disponibilizadas em mais de 95% desses, e a quantidade de testes rápidos disponibilizados aumentou de 31.500, em 2011, para 3.156.410, em 2014. Porém, afirma que as distribuições relacionadas à estimativa de gestantes nos estados foram desiguais e desproporcionais. Além disso, cerca de 1/3 das equipes não ofertava teste rápido, apontando que seria necessária a ampliação dessa medida21.Dessa maneira, é possível concluir que as testagens são realizadas de maneira ainda improdutivas em atendimentos na atenção primária.
Tratamento no caso de sífilis notificada na gestante na atenção primária
O tratamento de sífilis em gestantes é bem solidificado na literatura científica. Em casos de sífilis primária, secundária e latente recente (com menos de 1 ano de evolução), o esquema terapêutico é o emprego de Penicilina G Benzatina, mais precocemente possível, sendo que não há evidências de outros fármacos que sejam efetivos na gestante. As doses recomendadas variam de acordo com o diagnóstico de infecção recente ou tardia, caso ocorra o diagnóstico nas fases primária e secundária, emprega-se 2.400.000UI, com aplicação dividida em cada glúteo. Já em diagnósticos tardios, em fase latente indeterminada, utiliza-se 7.200.000UI do fármaco, divididos em 3 semanas de injeções glúteas de 2.400.000UI4.
As gestantes infectadas devem receber tratamento efetivo de forma imediata, sendo também de fundamental importância a triagem e o tratamento dos parceiros9.Em 2012, a OMS estabeleceu como objetivo tratar mais de 80% dos parceiros de gestantes com sífilis com pelo menos uma dose de Penicilina G benzatina22. No entanto, dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) mostram que apenas 11,5% dos parceiros sexuais foram tratados para sífilis no Brasil, no ano de 201118.Tal dado aponta um dos gargalos na erradicação da sífilis congênita e reinfecção da gestante, assim como a dificuldade de busca ativa dos parceiros pela atenção primária.
Em estudo ecológico referente a 1.117 municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes e com cobertura de atenção básica maior que 50%, a mediana da utilização de Penicilina benzatina foi de 41,9% apenas. Os dados revelam ainda grande variabilidade regional. Nas regiões Sudeste e Nordeste do país, menos de 50% dos municípios estudados realizavam a aplicação de penicilina em mais da metade de suas equipes, o que reduz acesso ao tratamento e perpetua a transmissão21.
Benzaken et al. (2020)23 realizou análise semelhante nas 27 capitais do país e também verificou um quadro de baixa adequação da atenção primária. Neste caso, a mediana obtida em relação à disponibilidade de penicilina foi de 67,7%, sendo que a mediana de sua administração pela equipe era de 86,7%.
Em relação ao emprego adequado do tratamento, estudo transversal de Oliveira et al. (2020)17analisou que, entre 126 gestantes com diagnóstico de sífilis gestacional, apenas 1.6% tiveram tratamento adequado, e apenas 16.3% obtiveram tratamento concomitante com o parceiro, dado que chama atenção à necessidade de maior treinamento da equipe da atenção primária para a conduta de casos de sífilis em gestantes.
Além disso, pesquisa realizada em 23 UBS no ano de 2017, afirma que 69.7% dos profissionais de saúde locais realizariam o tratamento de parceiros de gestantes infectadas pelo Treponema pallidum e verificariam o tratamento desses. No entanto, o estudo demonstra que 69.4% dos parceiros não foram tratados. Em adição, do total de profissionais, 58.7% desconheciam sobre as diferentes fases clínicas da doença, o que revela um agravo visto que o tratamento é diferente em cada fase20.
Assim, o comprometimento do tratamento adequado da sífilis gestacional abrange as seguintes esferas: a má disponibilidade do fármaco nas unidades de saúde e falta de preparo dos profissionais de saúde da atenção primária, tanto para solicitar exames, quanto para guiar e realizar o seu tratamento, fator muitas vezes justificado pela falta de consenso em relação aos protocolos dessa enfermidade20,o que leva a condutas errôneas nas gestantes e em seus parceiros.
Medidas de prevenção da transmissão vertical
Dentre as medidas de prevenção contra a transmissão vertical da sífilis, destaca-se a abordagem educacional direcionada a todos os profissionais da saúde da atenção básica e aos protagonistas da assistência materno-infantil11. A educação em saúde é uma medida preventiva imperativa, visto que estudos demonstram alta prevalência de condutas profissionais contraditórias ao que é protocolizado17,20,21,23.
Análise de Costa et al. (2018)20 mostra que 72,1% dos profissionais de saúde do estudo já atuavam há mais de cinco anos em UBS e, ainda assim, apresentavam dificuldade em diagnosticar e tratar a doença nas gestantes, mostrando que a falta de treinamento eficaz aos profissionais da saúde colabora para a maior incidência de sífilis congênita.
Estudo de Lazarini et al. (2017)11 demonstra que uma via efetiva de intervenção educacional seria o oferecimento de workshops com focos no diagnóstico e no manejo da sífilis. O mesmo evidenciou aumento significativo no conhecimento sobre a conduta profissional adequada e efetiva no pré-natal após administração desse tipo de estratégia. Notou também melhora explícita no conhecimento sobre estratégias terapêuticas recomendadas e procedimentos relativos ao controle e ao monitoramento da sífilis gestacional. Esse tipo de abordagem se mostrou eficaz, visto que houve redução de 38% na transmissão vertical da doença11.
Medidas semelhantes foram incorporadas na Agenda de Ações Estratégicas do SUS, divulgada no ano de 2017, pelo MS24,que preconizou a divulgação educacional sobre prevenção, diagnóstico e tratamento da sífilis, além de inclusão do eixo temático nos programas de formação dos profissionais de saúde e capacitação ampliada dos mesmos. No entanto, dados mostram que a mortalidade infantil no Brasil por sífilis aumentou de 2.4/100.000, em 2005, para 7.4/100.000 nascimentos, em 2015, taxa que permanece alta até os dias atuais25. Portanto, tais fatos indicam fragilidade e insuficiência no atendimento de pré-natal em relação à sífilis gestacional.
Os dados apresentados em relação à abordagem, tratamento e prevenção estão reunidos na Tabela 2.
DISCUSSÃO
As altas taxas de sífilis gestacional e congênita têm-se tornado, a despeito do tratamento bem estabelecido, um emergente problema de saúde pública no panorama nacional9. Sabe-se que a América possui a maior incidência de sífilis, sendo responsável por 25% de 2 milhões de casos de sífilis gestacional anualmente. As prevalências da doença na América Latina, Caribe, Estados Unidos (EUA) e Canadá variam de 0.0% a 7.0%, sendo que no Brasil atinge 1.4 a 2.8%26. Nos EUA, a incidência de sífilis congênita alcança 0.134/1000 nascidos vivos. No Brasil, atinge 8.2/1000 nascidos vivos8.Em países como Reino Unido, cerca de 2 bebês nascem com sífilis congênita por ano. Essa baixa frequência se deve ao maciço controle que existe de testagem de infecções durante a gestação. Taxas semelhantes são observadas em países como França e Suíça27.
No Brasil, observa-se que a atenção primária à sífilis gestacional apresenta pontos falhos, incluindo testagem em momentos inadequados, ou realizada de maneira ampliada, mais que o necessário, e também com falha no seguimento da triagem nos trimestres da gestação20,21,27.
Além disso, apesar da maior disponibilidade de testes, viu-se que há uma má distribuição desses, sendo desproporcional ao número de gestantes em cada estado21.
Ademais, visto que as gestantes podem estar em fase latente de infecção e que a maioria dos RN são assintomáticos ao nascimento2,3, a detecção é ainda mais dificultada, fazendo com que o diagnóstico muitas vezes seja feito tardiamente, no momento ou meses após o nascimento17.
Por fim, há inadequação da disponibilidade da Penicilina G benzatina nas UBS, falta de preparo dos profissionais de saúde para realizar o tratamento de forma adequada nas gestantes e em seus parceiros, além do não comprometimento das gestantes, que muitas vezes não dão seguimento ao tratamento. A falta de protocolos assistenciais também faz com que haja adoção de diferentes opções terapêuticas20. Apesar de programas nacionais como a Rede Cegonha e a Agenda de Ações Estratégicas para Redução da Sífilis no Brasil, que objetivam ampliar a oferta de diagnóstico e tratamento de pacientes com sífilis, percebe-se que não há programas mais assertivos focados na mitigação da transmissão de SC. Sendo assim, as taxas de incidência dessa doença permanecem demasiadamente altas, já que tais programas de combate são escassos e apresentam ações insuficientes28.
CONCLUSÃO
Conclui-se, pelo presente estudo, que a atenção primária à sífilis gestacional no Brasil possui entraves importantes para sua eficácia no tangente à melhora na assistência pré-natal, bem como no investimento de qualificação aos profissionais de saúde envolvidos e na criação de programas específicos de combate à sífilis congênita. Tais melhorias são urgentes, indispensáveis, e podem mudar o panorama da saúde materno-infantil nacional.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
Conceptualização, Investigação, Metodologia, Visualização & Escrita - Análise e Edição: Giovanna Gonçalves de Souza e Silva, Amanda Miranda Matos Teixeira, Giovanna Sousa Ferreira, Anna Laura Lima Larcipretti; Administração do Projeto, Supervisão & Escrita - Rascunho Original: Marcella Barbosa Sampaio Tropia Pinheiro; Validação & Software: Marcella Barbosa Sampaio Tropia Pinheiro. Curadoria de Dados & Análise Formal: Marcella Barbosa Sampaio Tropia Pinheiro.
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