ISSN (on-line): 2238-3182
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CAPES/Qualis: B2
Avaliação do perfil diagnóstico dos pacientes atendidos em ambulatórios de neurologia no âmbito da atenção especializada no município de Barbacena-MG
Assessment of the profile of patients treated at neurology outpatient clinics within the scope of specialized care in the city of Barbacena-MG
Bernardo Silveira Duarte; Gabriel Campos Bomtempo; Iago Simão da Silva; João Daher Neto; Marcela Vaz e Couto; Tarcísio Araújo de Oliveira
Faculdade de Medicina de Barbacena. Barbacena, MG-Brasil
Endereço para correspondênciaTarcísio Araújo de Oliveira
E-mail: taoneuro@gmail.com
Resumo
INTRODUÇÃO: Saber as principais doenças que ocorrem nos ambulatórios de neurologia permite que elas sejam manejadas com políticas públicas de saúde mais efetivamente
OBJETIVO: Identificar os principais achados nos ambulatórios neurológicos, avaliando os diagnósticos pertinentes, bem como a procura pelo serviço. Avaliar o encaminhamento correto do nível primário da saúde para o nível secundário.
MATERIAIS E MÉTODOS: Para o estudo foram escolhidos dois centros ambulatoriais de análise: o da Santa Casa de Misericórdia de Barbacena e o Centro Acadêmico Multiprofissional Agostinho Paolucci (CAM-FAME), em que os pesquisadores analisaram prontuários e fichas de atendimento preenchendo formulários nas variáveis diagnósticas mais frequentes. Foram realizadas visitas nesses centros de saúde para a coleta de dados referentes ao período de maio de 2021 a setembro de 2021.
RESULTADOS: Foram encontrados 533 registros em fichas de atendimento, dos quais 514 foram qualificados para análise. Dentre as hipóteses diagnósticas levantadas, 455 eram de ordem neurológica e 59 de natureza não neurológica.
CONCLUSÃO: Os pacientes muitas vezes têm que viajar por grandes períodos para receber a atenção de uma consulta especializada, e o encaminhamento incorreto deles pode levar à descontinuação do tratamento, uma vez que são consultas de difícil agendamento, aumentando a fila de espera pelo serviço e perdendo tempo de tratamento que pode ser essencial para cura ou remissão dos sintomas da doença daquele paciente em determinado momento.
Palavras-chave: Neurologia. Sistemas de Saúde Comunitário. Política de Saúde. Encaminhamento e Consulta. Erros de Diagnóstico.
1. INTRODUÇÃO E LITERATURA
As Patologias neurológicas são as doenças do sistema nervoso central e periférico que resultam de problemas do funcionamento de estruturas como o telencéfalo, diencéfalo, tronco cerebral, cerebelo, medula, dos nervos periféricos e das junções neuromusculares.1 Nesse contexto é importante se perguntar: quais são as deficiências que impossibilitam a atividade do trabalho nos indivíduos que são examinados nos ambulatórios de neurologia? Se de alguma forma houvesse esse detalhamento, facilitaria a nosologia, bem como a terapêutica nos consultórios brasileiros, ajudando na prevenção e controle dessas doenças.2
No Sistema Único de Saúde (SUS) há uma padronização do atendimento que funciona do nível mais básico, a atenção primária, até níveis de maior complexidade. Seguindo essa regra faz-se necessária a avaliação especializada utilizando tecnologia de alto custo para os pacientes de ordem neurológica, podendo ser, inclusive, terceirizado. Tudo isso culmina em um sistema de referência e contrarreferência para atender as demandas de saúde pública. Um estudo realizado em Porto Alegre mostrou que 41,7% dos encaminhamentos eram situações clínicas que deveriam ser manejadas no atendimento primário e ainda que 50% dos casos precisaram de exames complementares.3 É visando isso que se torna importante realizar trabalhos para discutir a propedêutica dos profissionais da área de neurologia, visando uma melhor formação profissional, bem como uma capacitação mais voltada para as patologias da atualidade.
Considerando isso, trabalhos com foco em estudos de casos ambulatoriais já existem pelo mundo, mas é necessário também atualizar as informações pertinentes a esses estudos, visto que muitos deles são antigos e os padrões de doenças mudam conforme os costumes da sociedade. Em 2011 na Espanha, um artigo classificou a cefaléia como a condição mais frequente de procura ao atendimento dos que chegam aos centros ambulatoriais de neurologia.4 Ainda, outro artigo também publicado na Espanha destacou a epilepsia com o maior número de diagnósticos numa população carcerária.5
Há uma importância de relacionar a demanda dos pacientes com a constituição de uma base de dados para o direcionamento de solicitações ambulatoriais, de forma que ajude os procedimentos específicos a serem aplicados, e a coleta de dados e os encaminhamentos.6
A dificuldade existe também na comunicação: Um estudo conduzido no Sul do Brasil revelou dificuldade de transição entre a APS (Atenção primária à saúde) e a atenção secundária no âmbito das afecções neurológicas, traduzidas em elevado número de encaminhamentos de situações que poderiam ser avaliadas e solucionadas no nível primário.7 Há uma nítida falta de critérios para encaminhamento, tornando o tempo de espera longo e não existe integração entre assistência primária e secundária.8
A grande parte da sociedade que procura ir ao médico para ser atendida exibe exames neurológicos e exames físicos normais. O diagnóstico preciso é sempre feito por uma anamnese completa e detalhada. Desse modo, é de extrema importância a triagem, principalmente em centros não especializados para o melhor direcionamento desses pacientes para serem mais bem atendidos e para que a doença de base seja corretamente diagnosticada.9;10
Ademais, é muito importante elucidar a importância de uma boa anamnese associados a um exame físico geral, um exame neurológico e exames complementares especializados, também com as etapas básicas do atendimento e do direcionamento adequado dos pacientes para diminuir substancialmente as chances de um diagnóstico errôneo.11
Deve-se ressaltar a importância da clínica geral, afinal muitos pacientes encaminhados passaram pelo serviço clínico primário. Se o sistema de triagem sofre problemas no início então a cadeia sequencial de referências também tem problemas para dar o diagnóstico da doença do paciente. É interessante dar importância maior aos tópicos de ambulatórios neurológicos quando a doença se torna mais prevalente ou incidente na prática diária.12
Sendo assim, é o objetivo desse trabalho identificar os principais achados nos ambulatórios neurológicos, avaliando os diagnósticos pertinentes, bem como a procura pelo serviço e as queixas de seus respectivos pacientes. Também é de suma importância avaliar o encaminhamento correto do nível primário da saúde para o nível secundário, de forma a entender se o sistema está eficiente e ou se pode ser melhorado.
2. MATERIAL
2.1. Tipo e local de estudo
Tratou-se de um estudo observacional transversal, documental, descritivo e retrospectivo da demanda por consultas neurológicas bem como o encaminhamento do setor primário da saúde para o secundário em Barbacena-MG.
2.2. Amostragem
Foram coletados os dados dos pacientes nos centros ambulatoriais neurológicos referidos durante o intervalo de tempo da coleta de dados. Foram excluídos os dados das fichas cujas variáveis avaliadas não foram explicitamente documentadas, seja pelo não preenchimento ou por ineficiência da coleta (letra ilegível em prontuário/ficha, por exemplo), e também foram excluídas as fichas duplicadas (cujos pacientes foram avaliados mais de uma vez para o mesmo diagnóstico). Ao final do período de coleta de dados, foram registrados 533 prontuários e fichas das quais 514 foram avaliadas.
3.MÉTODOS
3.1. Coleta
Foram realizadas visitas aos ambulatórios Santa Casa de Misericórdia de Barbacena e do Centro Acadêmico Multiprofissional Agostinho Paolucci (CAM FAME) por meio de análises de prontuários e fichas de consultas nos ambulatórios coletaram-se as variáveis pertinentes aos diagnósticos em forma de formulário (anexo 1)
3.1.Variáveis
Foram coletadas variáveis demográficas (iniciais do nome, idade, gênero, município), variáveis de saúde (natureza do encaminhamento, motivo, capítulo do CID-10). Também foram coletadas informações a respeito das hipóteses diagnósticas, que se localizam no Apêndice.
3.3. Período da coleta
Foi realizada a coleta de dados no período de maio de 2021 a setembro de 2021.
3.2. Análises de dados
Os dados dos coletados foram transcritos para planilha eletrônica e processados em software estatístico STATA v.9.2. Assim, foram produzidas tabelas de frequências absoluta e relativa do tipo linhas por colunas.
3.3.Aspectos éticos
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Barbacena, sob o parecer nº 4.491.169 (Anexo).
4. RESULTADOS
Foram encontrados 533 registros em fichas de atendimento, e foram incluídas ao todo 514 fichas para a análise final (figura 1).
O perfil sociodemográfico desses pacientes é apresentado nas Tabelas 1. A abrangência de idades atendidas nos pacientes foi de 2 a 17 anos (6.61%), de 17 a 59 anos (55,44%) e 59 a 97 anos (37,93%) (Tabela 1). Quanto à distribuição por gênero, um total de 514 dados foram levantados, sendo 232 (45,13%) do gênero masculino e 282 (54,86%) do gênero feminino (Tabela 1). O município de origem dos pacientes foi dividido em: Barbacena e outras cidades (que compreendem os municípios da região em que a atenção especializada é direcionada para Barbacena) (Tabela 1).
Do total das fichas analisadas, 455 (88,53%) apresentavam diagnósticos de origem neurológica, enquanto 59 (11,47%) revelaram desordens que não cabiam ao atendimento encaminhado. Considerando-se as hipóteses diagnósticas, a cefaleia foi a mais prevalente (26,98%), seguido por transtornos mentais (19,06%) enquanto a epilepsia foi a terceira condição (17,80%) mais frequente (Tabela 2).
Categorizou-se como "outras" os seguintes diagnósticos: "Coxartrose", "Mialgia", "Dorsalgia", "Distúrbio do sono", "Impregnação do SNC por neurolépticos", "Paralisia cerebral", "Avaliação médica geral", "Síncope", "Transtorno de consolidação de Fratura", "Insônia", "Síndrome de Klippel-Feil", "Gonartrose", "Meningioma'', "Retardo mental moderado'', "Intoxicação por drogas psicotrópicas não classificadas em outra parte'', "Paralisia do terceiro par'', "Paralisia cerebral hemiplégica espástica'', "Encefalite herpética'', "Encefalopatia de Wernicke'', "Outros transtornos dos tecidos moles, não classificados em outra parte'', "Episódios depressivos'',, "Transtornos do nervo facial '', "Paralisia cerebral diplégica espástica'', "Transtornos hipercinéticos'', "Síndrome de klippel-feil'', "Neurotoxoplasmose'', "Encefalopatia hipóxico-isquêmica do recém-nascido'', "Transtornos dos nervos cranianos em doenças classificadas em outra parte''.
Outro parâmetro avaliado nas fichas foi a distribuição dos diagnósticos ao redor dos capítulos do CID-10, em que se obteve uma prevalência maior de diagnósticos do capítulo VI - Doenças do sistema nervoso (Tabela 3).
5. DISCUSSÃO
Sabe-se que estudos descritivos como esse não são inovadores, mas é importante frisar que os estudos epidemiológicos de prevalência tendem a mudar de padrão com o tempo, sofrendo influência também da localização de onde esses dados são obtidos. O que esse estudo queria visualizar primariamente não eram apenas os diagnósticos de cada paciente, e sim a relação deles com a localidade (município de origem), bem como se eram encaminhados corretamente ou não para a atenção especializada.1
A amostra de pacientes estudados é bem fluida, há a presença de pacientes desde o início da vida adulta até os extremos de idade. Todos os atendimentos ocorreram por meio da rede de pacientes do SUS, seguindo o modelo de diagnóstico de cada paciente pelo CID-10 atribuído à consulta. Os autores desse trabalho optaram por seguir o modelo de tabelas diagnósticas do estudo de Ferri-De-Barros JE et al; realizando adaptações leves devido ao modelo vigente do trabalho na época contemplar o CID-9. As metodologias empregadas de diagnósticos diferenciais em neurologia encontradas nos ambulatórios de Barbacena eram similares às hipóteses levantadas pelo trabalho no Hospital das Clínicas/FMUSP. Com isso os diagnósticos considerados em categoria como "outros" foram descritos nos resultados sem deixar de fora os que o modelo não incorporava.2,12
Nota-se que o trabalho apresentou diversas dificuldades de coleta de dados, como vieses de coleta, prontuários e fichas de conteúdo ilegível, e a não disponibilidade de todos os centros ambulatoriais de Barbacena para uma avaliação completamente multicêntrica. Isso aconteceu porque o trabalho foi realizado no período da pandemia do COVID-19 e muitos ambulatórios do município ou fecharam seus registros para a pesquisa ou reduziram seus atendimentos, em concordância aos boletins epidemiológicos que continham recomendações de isolamento.
Apesar disso, obtivemos resultados similares de prevalência com outros estudos da área, com casos de cefaleia liderando os diagnósticos em neurologia seguidos por epilepsia. Uma diferença que se nota de outros trabalhos da área é o aumento de números de diagnósticos de transtornos mentais, superando os diagnósticos de doenças encéfalo-vasculares, contudo, esses valores não superaram o que se era esperado em comparação com os trabalhos de neuroepidemiologia prévios. Outro ponto importante a se destacar é a presença abundante de diagnósticos de distúrbios mentais na Santa Casa de Barbacena, alcançando 46 diagnósticos dentre as 78 fichas avaliadas na instituição, dentre eles, notoriamente de Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).3
É válido lembrar que apesar da prevalência grande em outros capítulos que não o de Doenças do Sistema nervoso (Capítulo VI), muitos dos diagnósticos como o da demência (F02) e Acidente vascular Cerebral (I64) são contemplados pelo especialista em neurologia.4
Incentivamos a continuação desse trabalho para abordagem futura, porque a metodologia da coleta empregada contemplou a abrangência de vários dados e permitiu uma visão bem ampla da situação epidemiológica em neurologia em Barbacena, evitando a presença de uma amostra saturada de apenas um ambulatório e ao mesmo tempo dando uma visão dos diagnósticos que são dados.13
6. CONCLUSÃO
O padrão dos diagnósticos neurológicos foi retificado nesse trabalho, comprovando que a tendência não mudou tanto durantes os anos, com a prevalência maior de casos de cefaleia (24,17%), seguidos de transtornos mentais (21,97%) e em terceiro lugar a epilepsia (17,80%).
Ainda, Mais de 11,4% dos diagnósticos levantados não foram de natureza neurológica, o que é significativo quando se pensa que são pacientes de origens as vezes que não são procedentes do município de atendimento. Esses pacientes muitas vezes têm que viajar por grandes períodos para receber a atenção de uma consulta especializada, e o encaminhamento incorreto deles pode levar à descontinuação do tratamento, uma vez que são consultas de difícil agendamento, aumentando a fila de espera pelo serviço e perdendo tempo de tratamento que pode ser essencial para cura ou remissão dos sintomas da doença daquele paciente em determinado momento.
7. AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao orientador Prof. Dr. Tarcísio Araújo de Oliveira, e aos professores Dra. Priscila Brunelli Pujatti, MSc. Márcio Heitor Stelmo da Silva e Dra. Leda Marília Fonseca Lucinda pela ajuda no planejamento e execução do trabalho.
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