ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Desafios e novas perspectivas da imunização no Brasil
Challenges and new perspectives for immunization in Brazil
Lilian Martins Oliveira Diniz1; Lívia Barbosa da Silva2; Gilmar José Coelho Rodrigues3; Thales Philipe Rodrigues da Silva3; Ericka Viana Machado Carellos1; Daniela Caldas Teixeira1; Roberta Maia de Castro Romanelli1; Raquel di Paula Ferreira2; Ana Luisa Lodi Jimenez4; Aline de Almeida Bentes1; Marina Melo Moreira5; Fernanda Penido Matozinhos3; José Geraldo Leite Ribeiro4
1. Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais; Hospital Infantil João Paulo II FHEMIG, Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil
2. Hospital Infantil João Paulo II FHEMIG, Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil
3. Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil
4. Faculdade de Medicina da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil
5. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil
Lilian Martins Oliveira Diniz
lilianmodiniz@gmail.com
Resumo
Nos últimos anos, como consequência da luta contra a pandemia de Covid-19, testemunhamos grandes avanços relacionados à imunização. Ao mesmo tempo, temos vivenciado a amplificação das discussões a respeito da segurança e eficácia das vacinas. Apesar dos números inegáveis que demonstram a importância das vacinas, em tempos de excesso de informações e superficialidade de conteúdos, cresce o número de pessoas que se recusam a se vacinar, o que resulta na ameaça crescente de retorno de doenças até então erradicadas. Este trabalho tem como objetivo trazer informações sobre os desafios e avanços observados nos últimos anos relacionados à imunização no Brasil.
Palavras-chave: Vacinas. Criança. Adolescente. Infodemia.
I - INTRODUÇÃO
As normas e diretrizes sobre indicações e recomendações da imunização em todo o Brasil são geridas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).1 Criado em 1973, o PNI vem sendo responsável pela Política de Imunizações no país, e visa reduzir a transmissão de doenças imunopreveníveis. Com 50 anos de existência e 47 diferentes imunobiológicos ofertados, o PNI é um dos maiores programas de vacinação do mundo, reconhecido pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da Organização Mundial de Saúde (OMS), como referência mundial. O Brasil foi pioneiro na incorporação de diversas vacinas no calendário do Sistema Único do Saúde (SUS) e é um dos poucos países no mundo que ofertam de maneira universal um rol extenso e abrangente de imunobiológicos. Doenças que antes causavam milhares de vítimas no passado, como varíola e poliomielite, foram eliminadas graças ao trabalho do PNI.1
No entanto, nos últimos anos, após a eliminação e controle de várias doenças, muitas pessoas ficaram com a falsa percepção de que as doenças imunopreveníveis deixaram de existir, passando-se a observar um fenômeno de queda de adesão vacinal. O cenário, junto a outros fatores como dificuldade de acesso e horários de atendimento restritos, levou à queda nas coberturas vacinais no Brasil. O início da pandemia da Covid-19 acentuou esta queda e amplificou as discussões a respeito da segurança e eficácia das vacinas. O resultado foi um pico de hesitação, facilitado pela infodemia, conceito definido pela OMS como o excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis, quando necessário.
Apesar dos números inegáveis que demonstram a eficácia e importância da vacina, cresce o número de pessoas que se recusam a se vacinar e a vacinar seus filhos. Em tempos de excesso de informações e superficialidade de conteúdo, muitas pessoas em todo o mundo vêm aderindo a um movimento conhecido como anti-vacina, por questionarem a segurança da vacina, por temerem os efeitos colaterais ou por acreditarem que não estão suscetíveis às doenças. Diante desse novo cenário, algumas entidades relacionadas à imunização no país vêm construindo um projeto que visa o aumento da cobertura vacinal no Brasil.2 O esforço surge no momento de retorno de doenças até então já erradicadas, como o sarampo, devido à baixa procura por imunizações.
Apesar disso, entre 2020 e 2023, testemunhamos avanços incríveis na ciência e na medicina em consequência da luta contra a pandemia de Covid-19. A ciência deu demonstrações de alta capacidade para desenvolver vacinas em tempo recorde durante a pandemia e foi uma grande catalisadora e aceleradora do desenvolvimento científico. Estamos colhendo frutos riquíssimos de todo esse processo, avanços que certamente vão servir para o combate a outras doenças. Para os próximos anos, o cenário é ainda mais interessante, com a perspectiva de novas gerações de vacinas que podem representar tanto um próximo passo no combate à Covid-19 quanto a outras doenças, velhas inimigas.
Nesse contexto, este trabalho tem como objetivo trazer informações sobre os principais desafios relacionados à imunização no país nos últimos anos e discorrer sobre a importância das recentes vacinas disponibilizadas no sistema público e privado de saúde no Brasil.
II - DESAFIOS
1. Covid-19
Segundo dados da OMS, desde a deflagração da pandemia da Covid-19 em março de 2020, já foram confirmados quase 769 milhões casos e 6,95 milhões de óbitos em todo o mundo.3 Durante a pandemia, novas cepas virais foram surgindo e a variante Omicron, identificada inicialmente na África do Sul, com maior capacidade de disseminação e infecção, tornou-se uma das cepas do SARS-CoV-2 mais frequentes em todo o mundo.3
Os casos mais graves da Covid-19 evoluem como síndrome respiratória aguda grave (SRAG) caracterizada por dificuldade respiratória com queda da saturação e necessidade de suporte ventilatório.4 Os fatores de risco mais associados à gravidade e mortalidade são: idade, presença de comorbidades, disparidades raciais/étnicas e ausência de proteção vacinal.4 Apesar do impacto da vacinação na redução de hospitalizações, em indivíduos com risco mais elevado de adoecimento, como idosos e pacientes imunodeprimidos, a proteção vacinal é sabidamente menor e menos duradoura.4,5
Um estudo comparativo sobre a SRAG no Brasil de 2019 a 2020, mostrou que no período anterior à pandemia as internações hospitalares ocorriam em indivíduos do sexo feminino e predominantemente menores de 10 anos. Por outro lado, no período pandêmico, houve maior proporção de pacientes idosos e do sexo masculino sendo hospitalizados. Além disso, a presença de qualquer fator de risco entre os indivíduos internados por SRAG também foi maior. Dados da literatura mostram que a proporção de óbitos é maior entre pacientes internados no período pandêmico em comparação ao período pré-pandemia, mostrando uma piora na gravidade dos casos de SRAG quando a Covid-19 foi introduzida no Brasil.6 Apesar da redução de números de casos, obtida ao longo dos anos de pandemia com as medidas de prevenção e tratamento, a Covid-19 permanece como um desafio no país, ainda sendo a principal causa de hospitalização e óbitos por SRAG.6,7 Diante desses dados epidemiológicos, faz-se importante manter atividades de prevenção, como vacinação e uso de máscaras em populações de maior risco de hospitalização e óbito.
As vacinas recomendadas até o momento no Brasil são: Vacina adsorvida Covid-19 (inativada) CoronaVac (Butantan), a Vacina Covid-19-RNAm Comirnaty (Pfizer/Wyeth), a Vacina Covid-19-recombinante Oxford/ Covishield (Fiocruz e Astrazeneca) e a Vacina Covid-19-recombinante Janssen Vaccine (Janssen-Cilag).1 Atualmente, o esquema vacinal primário para indivíduos a partir de 18 anos é constituído de 2 doses com intervalos entre 4-8 semanas, seguido de pelo menos um reforço com a vacina bivalente após 4 meses. Para indivíduos imunocomprometidos, o esquema primário é constituído de 3 doses com intervalos de 8 semanas, seguidos de pelo menos um reforço com a vacina bivalente após 4 meses. Para lactentes entre 6 meses e 4 anos de vida são indicadas 3 doses (3 Pfizer ou 2 Cornavac+1 reforço). Para crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos estão indicadas 2 doses com intervalos entre 4-8 semanas, seguido de pelo menos um reforço com a vacina monovalente após 4 meses.1
Dados recentes demonstram taxas variáveis de adesão à vacinação nos diferentes estados do país, com melhor adesão entre a população idosa e piores taxas observadas na população pediátrica. Na cidade de Belo Horizonte, apenas 29,9% das crianças entre 6 meses e 2 anos receberam a primeira dose da vacina, 54,6% entre 3 e 4 anos, 89,7% entre 5 a 11 anos. A partir dos 12 anos, 114% dos indivíduos foram vacinados com a primeira dose de reforço, no entanto apenas 23,7% entre 18-59 anos receberam a vacina bivalente e 51,6% acima dos 60 anos de idade.7
2. Poliomielite
A poliomielite é uma doença infecciosa viral que pode causar paralisia e morte. O vírus da poliomielite é transmitido por via respiratória e por meio da ingestão de água e alimentos contaminados com as fezes de um indivíduo doente. Até a década de 1950, a poliomielite causava pânico no mundo inteiro devido às suas consequências graves. Naquela época, milhões de pessoas eram infectadas.8
Os casos da doença pelo poliovírus selvagem diminuíram mais de 99% desde 1998. Das 3 estirpes de poliovírus selvagem (tipo 1, tipo 2 e tipo 3), o poliovírus tipo 2 foi erradicado em 1999 e o poliovírus tipo 3 foi erradicado em 2020.9 No Brasil, as campanhas anuais de vacinação e as rigorosas medidas de vigilância epidemiológica reduziram progressivamente o número de casos, sendo o último registrado em 1989.8
Em 2023, dados da OMS mostraram que o poliovírus selvagem do tipo 1 ainda circula em três países: Paquistão, Afeganistão e Moçambique. Além do vírus selvagem, a doença causada pelo vírus tipo 2 derivado da vacina também tem sido descrita. Atualmente sabe-se que 29 países da África mantém circulação do vírus vacinal tipo 2, e em 2022, ele também foi identificado no esgoto no Reino Unido. Além disso, um novo caso da doença foi reportado nos Estados Unidos, em um adulto não vacinado.8,9 Enquanto o vírus da poliomielite existir, todos os países continuam sob risco de importá-lo e, uma vez introduzido em populações com baixas coberturas vacinais, novos casos da doença podem surgir.8 O Brasil, desde 2015, não alcança a meta de cobertura vacinal proposta pela OMS, de 95% para o 1º reforço da vacina oral. A partir do ano de 2016, esse cenário também passa a ser observado considerando-se a cobertura da vacina inativada, aplicada nos primeiros meses de vida.8
3. Doença meningocócica
A doença meningocócica é o nome dado ao conjunto de manifestações da infecção invasiva causada pela Neisseria meningitidis, também conhecida como meningococo. A doença pode se manifestar como meningite, pneumonia ou sepse (meningococcemia) e pode ocorrer em qualquer idade, sendo mais comum em menores de 5 anos de idade. A vacina meningocócica C conjugada foi incorporada ao PNI em 2010, sendo administrada em duas doses para lactentes aos 3 e 5 meses de idade, com um reforço aos 12 meses. Em 2020, o PNI também incorporou uma dose adicional da vacina meningocócica ACWY para adolescentes de 11 a 14 anos.10,11
Os casos de meningite meningocócica apresentaram um aumento considerável nos últimos anos, apesar da disponibilidade das vacinas no PNI, sabidamente seguras e eficazes.12 Dados do Ministério da Saúde, mostraram que no ano de 2022 os casos confirmados da doença cresceram em mais de 45%.13 Esses dados epidemiológicos trouxeram uma grande preocupação para a saúde pública do país, uma vez que se trata de infecção grave com possíveis danos irreversíveis.
Com o aumento dos casos de meningite meningocócica em 2022, as Secretarias de Saúde em todo o Brasil lançaram campanhas temporárias para expandir a vacinação contra a doença a toda a população, visando conter a propagação da infecção.12 A justificativa para a ampliação da vacinação para além da faixa etária já estabelecida é que, apesar de as crianças menores de 5 anos apresentarem o maior risco de desenvolver a doença, os adolescentes e adultos jovens são os principais portadores assintomáticos da Neisseria meningitidis na orofaringe, o que contribui para a circulação e disseminação da bactéria. Nesse contexto, é importante ressaltar que a vacinação, além da proteção individual, elimina também o estado de portador do meningococo, promovendo assim a proteção de grupo.12,14
4. Infeções pneumocócicas
A pneumonia causada pelo Streptococcus pneumoniae (pneumococo) é uma das principais causas de morte durante o primeiro ano de vida.15 Em março de 2010, o Brasil introduziu a vacina pneumocócica conjugada 10-valente (VPC10) no PNI para crianças, usando um esquema de três doses primárias e uma dose de reforço aos 12 meses, posteriormente alterado para um esquema de 2+1.16 A VPC 10 incluía alguns dos sorotipos mais comumente isolados de crianças com doença invasiva no período prévio à introdução da vacina, o que possibilitou uma redução gradual da incidência desses sorotipos. Além da VPC10, A VPC13, contendo 3 outros sorotipos, passou a ser disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2019 nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs), para alguns grupos específicos, estando também disponível nas clínicas privadas de vacinação.16
No Brasil, os sorotipos do pneumococo associados à doença invasiva são monitorados pelo Instituto Adolfo Lutz. Os dados desta vigilância mostraram, nos últimos anos, que a pressão seletiva exercida pela vacinação resultou na mudança dos sorotipos identificados nas doenças invasivas, e os sorotipos não incluídos na VPC10 tornaram-se mais prevalentes, principalmente os sorotipos 19A e 3, presentes na VPC13. O sorotipo 19A tem sido o mais identificado nos últimos anos, e tem como característica uma maior associação com a resistência à penicilina. Portanto, o uso rotineiro das VPC10 no Brasil pelo PNI ocasionou mudança na epidemiologia da doença pneumocócica invasiva, ao favorecer a emergência de sorotipos do pneumococo que antes eram menos frequentes.17
III. PERSPECTIVAS
1. Vacina contra a Covid-19
A vacinação contra a COVID-19 tem sido o principal fator protetor para evitar internações hospitalares, complicações tardias da doença e óbito.18 Desde o início da pandemia, diferentes plataformas de vacinas foram desenvolvidas para uso em humanos e diversos trabalhos têm mostrado a eficácia da vacinação em diferentes grupos populacionais.18-20
Estudos demonstram que os anticorpos produzidos pelas vacinas Covid-19 monovalentes, elaboradas a partir do vírus original, apresentam menor proteção contra a variante Omicron. Diante disso, uma vacina bivalente com maior proteção contra as cepas Omicron e suas variantes foi desenvolvida.21 Após publicações que demonstraram a segurança e efetividade desta vacina, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) autorizou a administração da vacina no Brasil em fevereiro de 2023.22 A vacina bivalente começou a ser aplicada para grupos prioritários, profissionais de saúde e idosos com comorbidades e, em abril de 2023, foi liberada como reforço para todas as pessoas com 12 anos de idade ou mais, que receberam ao menos duas doses de vacinas monovalente.22 A efetividade do booster com vacinas bivalentes na proteção de formas graves da doença foi de 62%, sendo 37% mais efetivas que as vacinas monovalentes.22 O aumento da proteção é observado em indivíduos independente da idade ou de infecções prévias. Atualmente, no Hemisfério Norte, inicia-se também o uso de vacinas RNA monovalentes atualizadas em relação às variantes atualmente circulantes.
2. Vacina pneumocócica
As vacinas pneumocócicas conjugadas foram desenvolvidas para estimular a resposta imune direcionada para sorotipos específicos do pneumococo. Por esse motivo, o conhecimento da distribuição dos sorotipos causadores da doença é fundamental, uma vez que diferentes sorotipos variam em sua prevalência e patogenicidade.17
Ao longo dos anos, o pneumococo vem se adaptando à pressão seletiva das vacinas e novos sorotipos vêm se despontando como causadores de doenças pneumocócicas invasivas.17 Dessa forma, novas vacinas com cobertura ampliada para os sorotipos circulantes têm sido criadas. A vacina 15-valente (VPC15) adiciona dois novos sorotipos à vacina VPC13 e foi aprovada para crianças e adultos nos Estados Unidos, em 2022. A VPC15 atendeu aos critérios de não inferioridade quando comparada à VPC13 para os 13 sorotipos compartilhados, e atendeu aos critérios de imunogenicidade para os dois sorotipos adicionais. Os sorotipos incluídos na VPC15 atualmente têm sido responsáveis por 2,5% das doenças pneumocócicas invasivas nos Estados Unidos.23
Além da VPC15, a vacina conjugada 20-valente (VPC20), que adiciona cinco sorotipos à formulação de VPC15, foi licenciada para adultos a partir de 65 anos e indivíduos entre 19-64 anos com doenças crônicas no Estados Unidos, em abril de 2023. Em adultos a partir de 65 anos, a VPC20 mostrou induzir maior proteção contra 6 sorotipos, quando comparada à vacina 23 valente polissacarídica, sorotipos estes não contidos na VPC13. Em junho de 2023, a Academia Americana de Pediatria também passa a recomendar a vacina para crianças a partir dos 2 meses de idade. Até o momento, não há evidências que comprovem a superioridade da VPC20 sobre a VPC15 na população pediátrica, sendo essa uma nova opção dentre os imunizantes disponíveis no país. Dados de mundo real ainda são necessários para abordar o impacto da ampliação da cobertura dos sorotipos sobre a doença pneumocócica no Brasil. Apenas a vacina VCP15 encontra-se licenciada no Brasil.23
3. Vacina contra o herpes-zoster
O herpes zoster é uma doença causada pela reativação do vírus varicelazoster, que estabelece latência no organismo após a infecção primária. A reativação viral é caracterizada por lesões cutâneas vesiculares agrupadas em área eritematosa, de distribuição unilateral de um ou mais dermátomos sensoriais contíguos, frequentemente acompanhada de dor e prurido. A doença pode resultar em neuropatia craniana e neuralgia pós-herpética.24
Até meados de 2022, no Brasil, estava disponível a vacina de vírus vivo atenuado contra o herpes-zoster, licenciada para adultos imunocompetentes acima de 50 anos de idade. Estudos demonstraram que a eficácia da vacina vinha diminuindo substancialmente com o tempo. Taxas de proteção de 41% e 18% foram observadas após 3 anos em pacientes com idade de 7079 anos e maiores de 80 anos, respectivamente.24
Desde junho de 2022 uma nova vacina inativada, constituída por um antígeno do vírus varicela-zóster, passou a ser disponibilizada no Brasil, estando indicada para pessoas imunocomprometidas a partir de 18 anos e adultos imunocompetentes com 50 anos ou mais.25 A vacina inativada demonstrou eficácia superior a 90% na prevenção do episódio agudo e pode ser administrada em pacientes que já tiveram a doença.25 Um período de dois anos é desejado entre a aplicação da vacina viva atenuada e a vacina inativada.24,25 Atualmente no Brasil, a vacina contra o Herpes Zoster encontra-se disponível somente na rede privada.
4. Vacina contra dengue
A dengue é um problema de saúde pública no Brasil, causando milhares de episódios de adoecimento, óbitos, sobrecarga dos serviços de saúde e prejuízos sociais e econômicos. Dessa forma, a vacinação se torna uma medida preventiva essencial.26 Desde 2015, o Brasil contava com uma única vacina disponível, indicada numa faixa etária restrita de 6 a 45 anos de idade e que apresentava algumas desvantagens por garantir proteção apenas em indivíduos que já haviam se infectado previamente com o vírus da dengue (soropositivos).26
Em março de 2023, a ANVISA aprovou uma nova vacina de vírus vivo atenuado. A vacina protege contra os quatro sorotipos do vírus da dengue e pode ser aplicada independentemente de a pessoa ter tido ou não dengue previamente. É indicada para indivíduos de 4 a 60 anos. Como toda vacina de vírus atenuado, é contraindicada para gestantes, lactantes e pacientes imunossuprimidos.26,27
A nova vacina foi autorizada no Brasil com base em resultados de estudos de Fases 1, 2 e 3 com mais de 28.000 indivíduos, seguidos por 4,5 anos. A vacina mostrou-se eficaz contra o DENV-1 (69,8%), DENV-2 (95,1%) e DENV-3 (48,9%). A eficácia contra o DENV-4 não pôde ser avaliada nesse período, devido ao insuficiente número de casos de dengue causados por esse sorotipo durante o estudo.26-28 De qualquer forma, os sorotipos circulantes no Brasil nos últimos anos são o DENV-1 e o DENV-2, para os quais a eficácia está claramente demonstrada. Ademais, foi evidenciada 84,1% de proteção geral contra hospitalizações em indivíduos com dengue confirmada laboratorialmente.26 A vacina está disponível nas clínicas privadas para pessoas entre 4-60 anos e, a partir de fevereiro de 2024, o Ministério da Saúde do Brasil passou a disponibilizar inicialmente para a faixa etária de 10 a 14 anos.26,27
5. Vacina contra o HPV
As infecções pelo Papilomavirus humano (HPV) podem causar proliferação epitelial benigna (verrugas) da pele e das membranas mucosas, bem como câncer do trato anogenital inferior e da orofaringe. Existem mais de 100 tipos de HPV, sendo pelo menos 14 deles cancerígenos, destacando-se os tipos 16 e 18, que são responsáveis por cerca de 70% dos cânceres do colo de útero e lesões pré-cancerosas.29
No Brasil, atualmente existem dois tipos de vacinas recombinantes e inativadas: vacina quadrivalente- HPV 4 (6, 11, 16 e 18) e a vacina nonavalente - HPV 9 (6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58), sendo a HPV 4 incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) para indivíduos de 9 a 14 anos e para pacientes imunocomprometidos de 9 a 45 anos.30
Ambas as vacinas (HPV 4 e HPV 9) apresentam eficácia semelhante para a prevenção de doenças associadas aos sorotipos 6, 11, 16 e 18, porém a HPV 9 confere uma imunidade mais abrangente, incluindo maior número de tipos oncogênicos e, dessa forma, ampliando a proteção contra infecção, cânceres e lesões pré-neoplásicas.29,30 Assim, com a nova vacina, espera-se um incremento de 70% para 90% na proteção contra o câncer de colo de útero, de 85% para >90% contra o câncer de orofaringe e de 75% para 85% na proteção contra o câncer de pênis.29,30
A vacina HPV 9 está disponível no Brasil desde meados de 2023, apenas nas clínicas privadas de vacinação, estando indicada para meninos e meninas a partir de 9 anos, até homens e mulheres de 45 anos, podendo ser administrada também em pacientes imunossuprimidos.30
6. Vacina contra gripe HD ("high dose")
A vacina contra o vírus Influenza, causador da gripe, foi incorporada ao PNI em 1999, como estratégia para reduzir as internações, complicações e óbitos pela doença, principalmente no público-alvo. Nessa população, estão incluídas as crianças de 6 meses a menores de 6 anos e os idosos acima de 60 anos.31
A vacinação contra o vírus Influenza no Brasil é disponibilizada pelo PNI como vacina trivalente, que protege contra três cepas do vírus Influenza. Já na rede privada, a vacina quadrivalente está disponível e promove uma imunização mais abrangente, contra quatro cepas do vírus.31
No ano de 2022, a ANVISA autorizou o uso da nova vacina inativada quadrivalente "high-dose" para Influenza, que começou a ser disponibilizada em 2023 para indivíduos com mais de 60 anos.32 O novo imunizante apresenta uma quantidade de antígeno quatro vezes superior à vacina já existente., com o objetivo de aumentar sua eficácia em indivíduos com menor capacidade de resposta ao estímulo vacinal. Em um estudo realizado nos Estados Unidos e Canadá, observou-se que, em indivíduos com 65 anos de idade ou mais, a vacina induzia maior resposta de anticorpos e oferecia maior proteção contra quadros gripais e suas complicações, com excelente perfil de segurança.32 Até o momento, a nova vacina está disponível no Brasil para aplicação na população a partir dos 60 anos de idade, apenas na rede privada.
IV – CONCLUSÃO
Atualmente, a importância da imunização da população tem sido foco de amplas discussões tanto no Brasil quanto em outros países, que envolvem sobretudo questões relacionadas à sua segurança e capacidade de prevenir doenças. Dados mundiais revelam que, as vacinas, são historicamente medidas de saúde pública com alto impacto na prevenção de doenças e na redução da mortalidade, em especial da população pediátrica. Dessa forma, é importante a divulgação de informações confiáveis e embasadas em dados científicos que possam orientar os profissionais de saúde quanto à importância da imunização no país.
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23. Kfouri RA, Levi GC, Cunha J. Controvérsias em imunizações 2022. 1. ed. São Paulo: Segmento Farma Editores, 2023. Disponível em: https://sbim.org.br/images/books/controversiasimunizacoes-2022.pdf.
24. Sociedade Brasileira de Imunizações. Nota Técnica SBIM - Vacina herpes-zóster inativada recombinante (Shingrix®). São Paulo, 2023. Disponível em: https://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/nota-tecnica-sbim-vacinacao-herpes-zostershingrix-080622-v3.pdf.
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26. Sociedade Brasileira de Imunizações. Nota Técnica Conjunta SBIm/SBI/SBMT - 03/07/2023 Vacina DENGUE 1,2,3 e 4 (atenuada) QDENGA®. São Paulo, 2023. Disponível em: https://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/nota-tecnicasbim-sbi-sbmt-qdenga-v4.pdf.
27. Sociedade Brasileira de Imunizações. Vacinação contra dengue: perguntas e respostas mais frequentes. São Paulo, 2023. Disponível em: https://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/perguntas-respostas-qdenga-230714.pdf.
28. Sociedade Brasileira de Imunizações, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Informativa Vacina Dengue Dengvaxia®. São Paulo, 2023. Disponível em: https://sbim.org.br/images/files/nt-anvisa-dengvaxia-171130.pdf.
29. World Health Organization. Human papillomavirus vaccines: WHO position paper (2022 update). Genebra, 2022. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/whower9750-645-672.
30. Sociedade Brasileira de Imunizações. Levi M. Nota Técnica SBIM - Atualização das vacinas HPV em uso no Brasil: introdução da nonavalente (HPV9). São Paulo, 2023. Disponível em: https://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/nt-sbim-vacina-hpv9-230505.pdf.
31. Ministério da Saúde (BR). 25ª Campanha Nacional de Vacinação contra a Influenza será realizada no período de 10/4 a 31/5/2023. Brasília, 2023. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/25a-campanha-nacional-de-vacinacao-contra-ainfluenza-sera-realizada-no-periodo-de-10-4-a-31-5-2023/.
32. Sociedade Brasileira de Imunizações. Calendário de Imunização da Criança de 0 a 10 anos - 2023/2024. São Paulo, 2023. Disponível em: https://sbim.org.br/images/calendarios/calendsbim-crianca.pdf.
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