RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Número Atual: 34 e-34106 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2024e34106

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Artigo Original

Avaliação da síndrome climatérica em mulheres vivendo com HIV/AIDS em um centro de referência

Assessment of climate syndrome in women living with HIV/AIDS in a reference center

Henrique Otavio Coutinho Sanches; Hugo Siqueira Diniz; Thirza Damasceno Ramos Oliva; Isabella Mesquita Sfair Silva; Gisele Alves Morikawa Caldeira; Flávia Marques Santos; Rosana Maria Feio Libonati

1. Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, Pará, Brasil
2. Núcleo de Medicina Tropical, Universidade Federal do Pará (UFPA), Umarizal, Belém, Pará, Brasil

Endereço para correspondência

Henrique Otavio Coutinho Sanches
E-mail: riquesanches1@gmail.com

Recebido em: 1º Março 2023
Aprovado em: 24 Dezembro 2023
Data de Publicação: 25 Julho 2024.

Editor Associado Responsável:

Dr. Henrique Vitor Leite
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/MG, Brasil

Fontes apoiadoras: Não houve fontes apoiadoras.

Comitê de Ética: Número do Parecer - 4.593.323

Conflito de Interesse: Os autores declaram não ter conflitos de interesse.

Resumo

INTRODUÇÃO: Mulheres vivendo com HIV têm idade média de menopausa menor que a população em geral, além de sintomas mais exuberantes nesse período. Esses fatores podem reduzir ainda mais a qualidade de vida dessa população durante a perimenopausa e afetar negativamente a terapia antirretroviral (TARV). Entender esse risco é importante para o aconselhamento médico nesta etapa, bem como para a avaliação do início da terapia hormonal, quando necessária.
OBJETIVO: Avaliar a síndrome climatérica em mulheres vivendo com HIV/AIDS.
MÉTODOS: Durante consulta médica endocrinológica, foi realizado exame clínico, incluindo exame físico antropométrico, além da aplicação de questionário para avaliação dos sintomas da síndrome climatérica e coleta dos valores hormonais, carga viral e valores de células CD4 séricos de 44 mulheres, com idade entre 35 e 65 anos, vivendo com HIV/AIDS.
RESULTADOS: A idade média da menopausa espontânea foi 47,44 anos, houve associação entre os hormônios FSH, LH e estradiol e as fases da perimenopausa. A ansiedade e/ou nervosismo esteve presente em 84,1% das pacientes e a lentificação do pensamento em 72,7%. O ressecamento de pele também se mostrou um sintoma significativo, com 75% de recorrência. Ademais, as mulheres com ressecamento de pele apresentaram FSH e LH mais elevados comparadas com as que não possuíam o sintoma.
CONCLUSÃO: Mulheres vivendo com HIV de Belém/PA apresentaram a menopausa 3,76 anos antes da média nacional esperada e apresentam alta prevalência de sintomas relacionados à cognição e humor. Outros estudos similares, com maior número amostral, são necessários na região para estabelecer resultados mais confiáveis.

Palavras-chave: HIV; Menopausa precoce; Sintomas climatéricos; TARV.

 

INTRODUÇÃO

A menopausa precoce refere-se à menopausa ocorrendo entre as idades de 40 e 45 anos, e menopausa prematura, à menopausa que ocorre antes da idade de 40 anos. Vários relatórios demonstraram que a idade média da menopausa em mulheres vivendo com HIV (MVHIV) é menor que a população em geral, e que as mulheres com HIV possuem maior risco de desenvolver menopausa precoce e prematura1.

A infecção por HIV e o uso da TARV podem prejudicar as funções ovarianas e fertilidade nas mulheres, culminando na menopausa precoce2. O estudo de Cutimanco-Pacheco et al. (2020)3 demonstrou essa associação ao revelar que os sintomas leves, moderados e graves da menopausa eram mais intensos em mulheres de meia-idade com infecção por HIV.

Embora existam evidências que sugerem que essas mulheres experimentam menopausa em idade mais precoce e que experimentam sintomatologia mais exacerbada do que mulheres sem HIV, não há consenso claro sobre o impacto do HIV na menopausa e em sua sintomatologia na literatura. Pouco se sabe sobre os preditores dos sintomas da menopausa, nem do impacto desses sintomas no comportamento, bem-estar e na manutenção da saúde nesse grupo de mulheres. Além disso, os sintomas da menopausa em mulheres com HIV podem não ser reconhecidos pelos profissionais de saúde e pelas próprias mulheres, e existem poucos dados sobre o gerenciamento de sintomas nessa população4. Portanto, o estudo objetivou avaliar a síndrome climatérica em mulheres vivendo com HIV/AIDS.

 

MÉTODOS

Tipo do estudo e local da pesquisa

Trata-se de um estudo descritivo, de corte transversal, sendo classificado, quanto à finalidade, como pesquisa aplicada. Foram utilizados dois grupos de comparação de mulheres: pré-menopausa e pós-menopausa. Os procedimentos adotados foram a pesquisa de campo e a pesquisa documental. Este estudo foi realizado no Serviço de Endocrinologia do Hospital Jean Bittar, localizado em Belém do Pará, Brasil.

População estudada

A população-alvo abrangeu pacientes do sexo feminino, atendidas no Serviço de Endocrinologia do Hospital Jean Bittar, entre 35 e 65 anos, que vivem com HIV. A amostra foi constituída por 44 mulheres, que aceitaram participar mediante assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram incluídos pacientes do sexo feminino, com idade entre 35 e 65 anos, com sorologia positiva para HIV e em uso de TARV. Foram excluídas mulheres em uso de terapia hormonal, ou com dificuldade de comunicação, ou que não desejaram continuar como sujeitos da pesquisa.

Coleta de dados

Foram coletados dados pessoais e clínicos pertinentes à pesquisa por meio de questionário aplicado pelos pesquisadores, além de anamnese, prontuários e exame físico realizados durante a consulta ambulatorial. As informações coletadas foram: idade, raça, peso, altura, circunferência abdominal, medicamentos em uso e atividade física, tempo de menopausa, carga viral de HIV, tempo de diagnóstico do HIV, contagem de linfócitos T CD4+, esquema antirretroviral em uso, sintomas referentes ao climatério.

Exame físico

No exame físico, foi realizada a coleta dos dados antropométricos: altura, peso e circunferência abdominal. O cálculo do índice de massa corpórea foi realizado utilizando-se a seguinte fórmula: IMC = Peso/Estatura² (unidade kg/m²). Os pacientes foram classificados de acordo com o IMC em magreza grau III (IMC <16 kg/m²); magreza grau II (16 kg/m² ≤IMC <17 kg/m²); magreza grau I (17 kg/m² ≤IMC <18,5 kg/m²); normalidade (18,5 kg/m² ≤IMC <25 kg/m²); sobrepeso (25 kg/m² ≤IMC <30 kg/m²); obesidade grau I (30 kg/m² ≤IMC <35 kg/m²); e obesidade grau II (35 kg/m² ≤IMC <40 kg/m²); e obesidade grau III (IMC ≥40 kg/m²)5. A circunferência abdominal foi medida no meio da distância entre a crista ilíaca e o rebordo costal inferior, sendo a circunferência de cintura abdominal entre 80 e 88 cm já sugerindo fatores de risco para doenças coronarianas, e maior que 88 já configurando obesidade abdominal, sendo incluído como um dos critérios de síndrome metabólica6.

Interrogatório sintomatológico

A entrevista foi realizada com o objetivo de investigar os principais sintomas da síndrome climatérica. Nas pacientes na perimenopausa, foi avaliada a presença da sintomatologia, enquanto nas pacientes na pós-menopausa foi avaliado se houve sintomas durante a época do climatério.

Os sintomas climatéricos avaliados foram divididos em seis áreas: sintomas vasomotores (fogacho/onda de calor, rubor quente, calafrio, sudorese), sono (sono não reparador, despertar noturno, insônia), cognição e humor (irritabilidade, alteração de memória, lentificação do pensamento, sentimento de tristeza ou sintoma depressivo, nervosismo ou ansiedade), sintomas genitourinários (ressecamento da mucosa vaginal, atrofia vaginal, prurido, incontinência urinária), sexualidade (desconforto/dor em relação sexual, perda/diminuição da libido) e sintomas gerais (perda de cabelo ou mudança no aspecto capilar, perda de apetite, dor muscular ou nas articulações, cefaleia, ressecamento de pele e náusea/vômito).

Exames laboratoriais

Amostras sanguíneas foram coletadas no Hospital Jean Bittar para avaliação dos níveis hormonais de prolactina, estradiol, LH e FSH. Os exames CD4 e carga viral foram trazidos dos centros de referência em HIV/AIDS (Centro de Atenção à Saúde nas Doenças Infecciosas Adquiridas - Casa Dia - e Centro de Testagem e Acolhimento da Unidade de Referência Especializada em Doenças Infecciosas Parasitárias Especiais - CTA UREDIPE) pelos pacientes para a consulta no Hospital Jean Bittar. Os seguintes valores de referência foram utilizados:

Hormônio Luteinizante (LH) - em mUI/mL: Fase folicular: 1,9 a 9,92; Fase periovulatória: 6,1 a 49,1; Fase luteínica: 1,3 a 10,8; Pós-menopausa; Sem terapia hormonal: 15,4 a 53,3; Com terapia hormonal: 0,7 a 52,7.

Hormônio Folículo Estimulante (FSH) - em mUI/mL: Fase folicular: 3,5 a 9,2; Fase luteínica: 1,7 a 5,6; Pós-menopausa; Sem terapia hormonal: 13,9 a 103,1; Com terapia hormonal: 1,7 a 96,8.

Estradiol - em pg/mL: Fase folicular: <10 a 122; Fase periovulatória: 53,6 a 361; Fase Lútea: 30,9 a 197; Pós-menopausa; Sem tratamento hormonal: <10.

Análise de dados

Os resultados qualitativos e quantitativos foram armazenados em planilhas eletrônicas, com auxílio do software Microsoft Excel 2013, e analisados com os softwares BioEstat 5.3, Epi-Info (versão 3.5.2) e Jamovi (versão 1.6.23 solid). As variáveis qualitativas foram apresentadas em medidas de frequência absoluta e relativa; as variáveis quantitativas foram apresentadas pelas medidas de tendência central, como média e mediana, bem como por medidas de variabilidade, desvio-padrão e quartis, respectivamente.

Para analisar a normalidade da amostra, foram realizados os testes D'Agostinho e Kolmogorov-Smirnov. Em seguida, foi realizada análise das variáveis por meio do teste T de Student e do teste U de Mann-Whitney conforme a distribuição normal ou não da amostra, respectivamente. Também foram utilizados o teste T resumo amostral (uma amostra) e o teste de correlação de Spearman. Considerou-se o nível alfa de rejeição da hipótese de nulidade em 0,05 (5%).

 

RESULTADOS

Neste estudo, 26 pacientes (59,1%) já tinham passado pela menopausa. Das restantes, 11 (25%) apresentaram irregularidade menstrual, enquanto 7 (15,9%) apresentaram ciclo menstrual regular. A idade média da menopausa espontânea (n=18) foi 47,44 ± 3,81 anos, com idade mínima de 40 anos e máxima de 55 anos, enquanto a mediana foi 47,5 anos. A idade mínima e máxima da menopausa espontânea no presente estudo foi de, respectivamente, 40 e 55 anos de idade. É importante ressaltar que foram excluídas desta análise as pacientes que referiram menopausa cirúrgica (n=8). Sendo assim, o cálculo foi realizado com 18 pacientes.

Em nosso estudo, quando se comparou a média de idade da menopausa da população brasileira com a média de idade das MVHIVA (mulheres com menopausa espontânea sem uso de ACO neste período), houve uma diferença significativa (Tabela 1). Dessas mulheres que entraram em menopausa espontaneamente, 15 iniciaram a menopausa com idade menor que a média nacional, tendo em média a última menstruação com 46,26 ± 2,97 anos.

 

 

O estudo abrangeu 44 mulheres, dentre as quais a idade mínima e máxima foi de, respectivamente, 33 e 65 anos, com uma média de idade de 51,4 anos (± 8,91 anos). Em relação ao tempo de infeção pelo HIV, foi observado que o tempo mínimo de infeção foi de 1 ano e o tempo máximo foi de 30 anos, com uma média de 12 (± 7,94) anos de infecção. No que se refere ao tempo de tratamento com TARV, o tempo mínimo e máximo de tratamento foi de 0,6 e 25 anos, respectivamente, com média de 11,2 anos.

Realizou-se uma correlação do tempo de HIV e do tempo de tratamento com TARV com a idade da menopausa (Tabela 2), com o objetivo de verificar se houve correlação desses parâmetros com a idade de início da menopausa das pacientes, tendo como resultado a ausência de correlação significava.

 

 

Também foram descritas a contagem de células CD4 e carga viral das pacientes. Das pacientes do estudo, observou-se que oito possuíam CD4 <200 e 30 CD4 ≥200, não foi possível obter esse dado de seis mulheres. Em relação à carga viral, nove possuíam carga viral detectável, e 33, carga viral não detectável, não foi possível obter esses dados de duas mulheres. As pacientes com carga viral detectável (n=9) iniciaram a TARV, em média, há cerca de 3,62±3,36 anos do início deste estudo. A mediana foi de 2 anos, sendo a mínima de 0,66 anos e a máxima de 10 anos. Todas essas pacientes já utilizavam antirretroviral há mais de 6 meses.

Em relação à classe de TARV utilizados pelas participantes, observou-se que os esquemas com inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa (ITRN) + Inibidores de Protease (IP) foram os mais usados (n=18), seguidos por Inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa (ITRNN) + ITRN (n=10), ITRN + Inibidores de integrase (II) (n=7), Inibidores de protease (IP) + II (n=2), ITRN (n=2), ITRN + IP + II (n=1), IP + II + Inibidores de Fusão (IF) (n=1) e ITRN + II + ITRNN (n=1). Em relação ao esquema de TARV por classe em mulheres que faziam uso de terapia com reposição hormonal (n=8), a classe mais utilizada foi ITRN + IP (n=3), seguidos ITRNN + ITRN (n=2), ITRN + IP + II (n=1), IP + II +IF (n=1) e ITRN (n=1).

Após a análise do questionário sintomatológico, foi possível estabelecer um primeiro perfil da síndrome climatérica nas mulheres avaliadas. Os sintomas foram divididos em seis áreas: sintomas vasomotores, sono, cognição e humor, sintomas genitourinários, sexualidade e sintomas gerais.

Nos sintomas vasomotores, os fogachos (ondas de calor) estavam presentes em 30 pacientes (68,2%) e o rubor em 28 (63,6%), sendo esses os sintomas mais prevalentes. Já o calafrio esteve presente em 22 mulheres (50%) e a sudorese em 27 (61,4%). Em relação aos sintomas sobre o sono, o despertar noturno foi o mais prevalente, com 28 indivíduos (63,6%). O sono não reparador e a insônia ocorreram, respectivamente, 24 (54,5%) e 25 (56,8%). Os resultados sobre cognição e humor foram bastante expressivos em todas as variáveis estudadas. Vinte e nove pacientes (65,9%) apresentaram irritabilidade, 30 (68,2%) apresentaram alteração de memória, 32 (72,7%) apresentaram lentificação do pensamento e 31 (70,5%) apresentaram tristeza e/ou sintomas depressivos. A variável mais expressiva foi ansiedade e/ou nervosismo, com 37 pacientes (84,1%) apresentando o sintoma. Nos sintomas geniturinários, o ressecamento vaginal foi o sintoma mais referido, em 32 mulheres (72,7%). A atrofia vaginal em 22 (50%), a incontinência urinária em 21 mulheres (47,7%) e o prurido vaginal em sete (15,9%). Nos sintomas referentes à sexualidade, a perda/diminuição da libido foi informada por 29 (65,9%) mulheres. A dispareunia esteve presente em apenas 13 pacientes (29,5%). Sobre os sintomas inespecíficos, as maiores prevalências foram perceptíveis no ressecamento de pele, em 33 pacientes (75%), e na perda e/ou mudança capilar, presente em 32 pacientes (72,7%). A dor muscular e/ou articular foi presente em 59,1% (n=26) e a cefaleia em 63,6% (n=28). O percentual de 20,5% (n=9) de náuseas/vômitos e de 34,1% (n=15) da perda de apetite foram mais discretos em comparação aos outros sintomas gerais. Na Figura 1, essas informações são detalhadas.

 


Figura 1. Gráficos sobre os sintomas vasomotores, sono, cognição e humor, sintomas geniturinários, sexualidade e sintomas gerais em mulheres vivendo com HIV/Aids em Belém/PA em 2021 Fonte: Elaborado pelos autores.

 

Em relação aos hábitos de vida, apenas 15 mulheres do estudo (34,1%) praticavam atividade física pelo menos três vezes por semana. Em relação ao perfil antropométrico das pacientes estudadas, observou-se que a média do Índice de Massa Corporal (IMC) e da Circunferência Abdominal (CA) foram de, respectivamente, 28,6 kg/m2 e 92,7 cm. Observou-se que o perfil de mulheres neste estudo (Tabela 3) se constituiu primariamente por mulheres com média IMC em sobrepeso e de CA acima do valor limite de 88 cm pela Organização Mundial de Saúde. Na Tabela 3, também é possível identificar o perfil antropométrico separado por fase menopausal, observando-se que o sobrepeso é o estado nutricional mais comum, seja na pré-menopausa, seja na pós-menopausa dessas pacientes.

 

 

O perfil hormonal das pacientes também foi investigado. Os exames FSH, LH e estradiol foram os exames escolhidos para correlacionar com o objetivo da pesquisa à medida que possuem relação direta com ciclo menstrual e com a falência ovariana. A Tabela 4 apresenta os níveis de LH, FSH e estradiol nas fases pré e pós-menopausa, foram excluídas as pacientes que utilizavam tanto terapia anticoncepcional quanto TRH na época da coleta de dados.

 

 

As Tabelas 5, 6 e 7 referem-se apenas aos dados das pacientes já menopausadas. Também foram excluídas pacientes que utilizaram TRH. Nesta tabela, foram selecionados apenas os sintomas mais prevalentes de cada área de sintomatologia - sintomas vasomotores, sono, cognição e humor, sintomas geniturinários, sexualidade e sintomas gerais. Devido ao tamanho amostral entre os grupos estudados, não foi possível realizar a análise estatística, da relação entre FSH - ressecamento vaginal e estradiol - e perda da libido.

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

De acordo com o Protocolo de Climatério da Universidade Federal de Fortaleza e da Maternidade Escola Assis Chateubriand7, a média nacional da menopausa é 51,2 anos. Em nosso estudo, as mulheres estão iniciando a menopausa cerca de 3,76 anos antes da idade esperada para a população sem a infecção. Dessa forma, é possível inferir que o status viral das mulheres vivendo com HIV (MVHIV) pode ter alguma influência nessa precocidade sintomática da síndrome climatérica.

A proximidade entre a média de tempo estimado de infecção pelo HIV (12 anos) e o início da TARV (11,2 anos) é um bom indicativo de saúde pública. Sabe-se que a política de tratamento e prevenção ao HIV do Brasil já atingiu nível de excelência e conseguiu reconhecimento internacional, pois a atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) consegue garantir testagens efetivas, acompanhamento regular das pacientes diagnosticadas e distribuição gratuita de medicamentos antirretrovirais. Segundo Villarinho et al. (2013)8, os esforços são garantidos por lei e as políticas públicas de saúde são incentivadas pelo próprio governo federal, por meio de uma ampla rede assistencial que sustenta e assegura o exercício amplo do direito à saúde para os PVHIV. Essa abordagem é essencial para promover a aceitação precoce do tratamento, bem como a adesão efetiva da terapia a longo prazo.

No presente estudo, muitas pacientes possuem pouco ou nenhum dado acerca do seu perfil imunológico. Essas dificuldades apresentam um fator limitante para a presente pesquisa, visto que sem as variáveis imunológicas não é possível avaliar a efetividade dos esquemas antirretrovirais utilizados e prover possíveis alterações.

A distribuição do esquema de TARV dividido por classe é digna de nota, pois apenas 21,4% das pacientes utilizam esquemas que não possuem ITRNN ou IP em suas combinações. Já entre as pacientes que utilizam TARV concomitantemente com TRH (n=8 [18,2%]), apenas uma (12,5%) não utiliza esquema nem com ITRNN ou IP. Segundo Howells et al. (2019)9, deve-se ter cautela ao associar essas duas classes de TARVs com TRH, visto que possíveis interações medicamentosas da TARV com medicamentos anticoncepcionais não permitem concluir que há segurança completa nessa associação com estrógenos e/ou progestágenos, mesmo na reposição de hormônios. Levando em consideração que a faixa etária média das pacientes estudadas é de 51,4 anos, sendo essa idade uma das mais acometidas pelos sintomas da síndrome climatérica e essas estando elegíveis para uso de TRH, é importante acompanhá-las com atenção, pois sabe-se também que há interações medicamentosas entre esses medicamentos, como o etinilestradiol, noretindrona e o norgestimato com os antirretrovirais, como os IPs e os ITRNNs (exceto a rilpivirina), segundo descrito pelo Ministério da Saúde10.

As medidas antropométricas do estudo também se revelaram importantes, visto que o IMC médio de 28,6 kg/m² e a circunferência abdominal média foi 92,7 cm. Segundo Coelho e Vassimon (2015)11, essas medidas corroboram as alterações metabólicas e de composição corporal esperadas para o paciente com HIV em uso de TARV, denominadas de lipodistrofia, neste caso, a lipohipertrofia, na qual ocorre acúmulo de adiposidade em diversas localidades do corpo. Apenas 34,1% das pacientes do estudo realizavam atividade física em periodicidade maior que 3 vezes na semana, o que pode contribuir ainda mais para a síndrome metabólica do HIV. Outro fator que pode justificar os altos percentuais de massa corporal e gordura abdominal do estudo é a predisposição para ansiedade e depressão da MVHIV, desencadeando um aumento na ingestão de alimentos, e consequentemente um ciclo contínuo de baixa autoestima e compulsão alimentar.

Os fogachos, o rubor quente, a sudorese, o despertar noturno, o ressecamento vaginal e a perda da libido - sintomas clássicos do climatério - foram queixas bastante prevalentes, sendo correspondentes ao esperado nessa síndrome. Ao avaliar os sintomas gerais, é necessário ressaltar que eles, por serem inespecíficos e presentes em diversas situações clínicas, não devem ser analisados individualmente para evitar qualquer conclusão inadequada.

Um adendo importante deve ser feito quanto aos sintomas de cognição e humor, pois todos foram extremamente prevalentes neste estudo. Segundo Looby et al. (2018)12, a própria transição menopausal é capaz de provocar alterações psicológicas, principalmente a depressão e a ansiedade, por variação dos níveis hormonais, presença de sintomas vasomotores, diminuição da qualidade de vida e fatores estressantes. Esses fatores, em associação ao próprio estigma social que o diagnóstico de HIV carrega, podem influenciar negativamente o psicológico dessas mulheres.

Na investigação do perfil hormonal, foram encontrados valores estatisticamente significativos entre os hormônios foliculares e as fases da menopausa (pré e pós-menopausa). De acordo com o estudo de Navarro et al. (2012)13, no qual um perfil hormonal foi pesquisado em mulheres soronegativas na cidade de Havana, o FSH encontrado na perimenopausa foi de 34.69 ± 11.24, enquanto na pós menopausa variou entre 75.43 ± 26.3 e 73.08 ± 56 em dois grupos pesquisados (p=0.003) - o estudo faz divisão das pacientes em pós-menopausa em estágio inicial e estágio tardio. Em nosso estudo, os valores de FSH foram maiores em ambas as fases. Já no que se refere ao LH, o estudo de Navarro et al. (2012)13 apresentou um valor de perimenopausa de 20.78 ± 10.33 IU/L, e de pós-menopausa variando entre 37.59 ± 19.33 IU/L e 32.44 ± 18.3 IU/L, de acordo com dois grupos (p<0.001). Porém, em nosso trabalho, os valores de LH foram ligeiramente menores em ambas as situações. Para o estradiol, este mesmo estudo realizado em Havana encontrou um valor para perimenopausa de 54.75 ± 12.25 IU/L, enquanto a pós-menopausa apresentou valor de dosagem de 31.87±10.89 IU/L no primeiro grupo, e, no segundo grupo, de 21.86 ± 4.68 IU/L (p=0.379). Em nosso estudo, o estradiol das pacientes também foi inferior a todas essas variáveis, principalmente na pós-menopausa.

Essa disparidade pode sugerir que por mais que o processo da menopausa siga uma tendência única em todas as mulheres, a soropositividade para o HIV pode diferenciar o perfil hormonal das pacientes. Segundo Bull et al. (2018)14, alguns fatores que podem originar essa disfunção ovariana em MVHIV incluem infecções oportunistas e efeitos do próprio vírus nos ovários e na glândula pituitária, bem como os efeitos no eixo neuroendócrino, que podem alterar tanto a história natural quanto a sintomatologia da menopausa por conta do estado de inflamação persistente ocasionado pelo HIV.

Na relação entre os sintomas mais prevalentes e os hormônios foliculares, percebe-se que a presença ou ausência de ressecamento de pele apresentou relevância tanto para o LH quanto para o FSH. De acordo com Monteleone et al. (2018)15, o que ocorre nesse caso é uma perda progressiva de colágeno, com uma diminuição média de 2,1% ao ano em mulheres na pós-menopausa e com uma perda de até 30% nos primeiros cinco anos após o último período menstrual. Consequentemente, a espessura da pele diminui a uma taxa de 1,13% e a elasticidade a uma taxa de 1,5% ao ano. Além disso, esse ressecamento de pele pode ser agravado pela atrofia da rede vascular dérmica que ocorre após a menopausa, resultando na redução do fornecimento de nutrientes e hormônios. Essa explicação também é válida para o sintoma de perda/mudança capilar, que foi bastante prevalente neste estudo.

Está bem postulado pela literatura que a infecção pelo vírus HIV possui uma influência significativa na modulação da síndrome climatérica, seja maximizando a sintomatologia ou adiantando o aparecimento dos sintomas. Entretanto, ainda não é possível destacar com clareza os fatores específicos que estão envolvidos nesse processo, devido à escassez de estudos recentes que analisem essa relação.

É importante ressaltar que este estudo tem como limitação a pequena amostragem utilizada na pesquisa. Portanto, mais estudos devem ser realizados para maior esclarecimento da síndrome climatérica em mulheres vivendo com HIV/Aids.

 

CONCLUSÃO

Conclui-se que as mulheres vivendo com HIV do presente estudo apresentaram a menopausa com 47,44 anos, 3,76 anos antes que a média nacional esperada. As mulheres vivendo com HIV/Aids do estudo apresentaram dosagem hormonal esperada para a faixa etária e período menopausal, porém com dosagem ligeiramente diferente quando comparadas com mulheres soronegativas de outros estudos.

O sintoma da síndrome climatérica mais prevalente no presente estudo foi o ressecamento de pele, presente em 75% das pacientes. Nessas mulheres, os níveis de FSH (p=0,04) e LH (p=0,0008) foram mais elevados quando comparados às que não possuíam a mesma sintomatologia. Dentre os sintomas referentes à cognição e humor, a ansiedade e/ou nervosismo foram os mais prevalentes (84,1%), bem como a lentificação do pensamento (72,7%).

A maioria das mulheres do presente artigo que fazem TRH (87,5%) ao mesmo tempo que usam TARV utilizam associações que podem não apresentar segurança na interação medicamentosa entre as duas terapias.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

As contribuições dos autores estão estruturadas de acordo com a taxonomia (CRediT) descrita abaixo:

Propuseram o tema desenvolvido, realizou o levantamento bibliográfico, a pesquisa empírica e elaboração do artigo: Henrique Otavio Coutinho Sanches e Hugo Siqueira Diniz. Participaram da discussão teórica, redação e elaboração da versão final do artigo: Thirza Damasceno Ramos Oliva, Isabella Mesquita Sfair Silva, Rosana Maria Feio Libonati e Flávia Marques Santos. Participaram da revisão do texto e da elaboração da versão final: Gisele Alves Morikawa Caldeira. Todos os autores discutiram, leram e aprovaram a versão final deste artigo.

 

COPYRIGHT

Copyright© 2023 Sanches et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.

 

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