RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 22. 3

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Artigo Original

Ocorrência da dengue em áreas urbanas selecionadas e sua associação com indicadores entomológicos e de intervenção - Belo Horizonte, Brasil

Occurrence of dengue in selected urban areas and its association with entomological and active prevention indicators - municipality of Belo Horizonte, Brazil

Elsa Maria Nhantumbo1; José Eduardo Marques Pessanha2; Fernando Augusto Proietti3

1. Mestranda do Programa de Pós-Graduaçao em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médico da Gerência de Controle de Zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Professor Associado do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG. Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil.

Instituiçao: Pós-Graduaçao em Saúde Pública da Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Fernando Augusto Proietti
E-mail: proietti@medicina.ufmg.br

Recebido em: 06/12/2011
Aprovado em: 14/06/2012

Resumo

INTRODUÇÃO: a urbanização desordenada caracteriza-se pela existência de agregados espaciais com diferentes condições socioeconómicas e ambientais e que apresentam condições propícias à proliferação de insetos, vetores de várias doenças, especialmente da dengue. O presente estudo descreveu e comparou a incidência da dengue em determinadas áreas (denominadas estratos) com diferentes níveis de infestação e de resultados em relação às intervenções em curso em Belo Horizonte.
OBJETIVO: determinar e quantificar a associação entre a ocorrência da dengue e indicadores de infestação vetorial e de intervenção no município de Belo Horizonte.
MÉTODOS: adotou-se estudo observacional com delineamento ecológico. Foi realizada análise univariada entre as taxas estimadas de incidência de dengue e as categorias dos indicadores entomológicos e de intervenção utilizando-se o modelo binomial negativo. Utilizaram-se subdivisões geográficas do município (estratos) como unidade geográfica de análise.
RESULTADOS: verificou-se heterogeneidade nas taxas de incidência de dengue entre os estratos (mínimo de 276,4 e máximo de 9398,1/100.000), com média de 3285,5. Estratos com índice de infestação predial (IIP) >3% apresentaram RR=2,9 (IC95%: 1,3-6,4), quando contrastados a estrados com IIP <2%. Em estratos com média de ovos > 20, RR=3,3 (IC95%: 1,5-7,3), quando contrastados com aqueles com <10. Locais não acessados por recusa ou ausência de morador num percentual entre 10,0 e 24,9 apresentaram RR=7,9 (IC95%: 4,4-14,4) em relação àqueles cujo percentual de não acesso foi inferior a 10,0%. Já a cobertura de imóveis vistoriados em relação à meta não teve associação com a taxa de incidência da doença.
CONCLUSÕES: índices de infestação e imóveis não acessados para o tratamento focal associaram-se ao elevado risco de ocorrência de dengue nos distritos sanitários e estratos de Belo Horizonte, ocorrendo ainda heterogeneidade entre estratos quanto à incidência da dengue.

Palavras-chave: Dengue/epidemiologia; Dengue/prevenção & controle; Zonas Urbanas; Entomologia.

 

INTRODUÇÃO

A dengue é considerada uma das mais importantes arboviroses do mundo, estimando-se que 2,5 bilhoes de pessoas estejam em risco para a doença. Acredita-se que ocorram anualmente cerca de 50 milhoes de casos em todo o mundo, dos quais aproximadamente 550 mil demandam hospitalização, ocorrendo ao menos 20 mil óbitos em sua consequência.1,2 É causada pelo vírus da dengue, do qual são conhecidos quatro sorotipos antigenicamente distintos: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4, sendo o principal vetor o Aedes aegypti, mosquito de hábitos domésticos e altamente antropofílico.3

As razoes para reemergência da dengue, dos maiores problemas atuais de saúde pública mundial, são complexas e não totalmente compreendidas. Sua propagação é atribuída à expansão da distribuição geográfica dos quatro sorotipo e dos mosquitos vetores, sendo o mais importante deles o A. aegypti, espécie predominantemente urbana.3-7

No Brasil, desde a reintrodução do A. aegypti em 1976, as condições socioambientais favoráveis possibilitaram a sua expansão.8 Atualmente, os quatro sorotipos circulam no país com predominância do DEN-1, considerando-se igualmente importante a circulação do DEN-2. O DEN-4, recentemente isolado após 28 anos sem registro de sua circulação e já detectado em várias unidades da federação, poderá agravar a situação no país, na medida em que grande parte da população brasileira se encontra suscetível à infecção por esse sorotipo.9-11

Têm sido apontadas falhas para o limitado sucesso do esforço conjunto de combate à dengue no Brasil12; além disso, o real impacto das medidas de controle sobre a disseminação da virose no país é pouco conhecido13. A magnitude e gravidade da dengue no Brasil associadas à complexidade da dinâmica de infecção que envolve quatro sorotipos demandam a realização de estudos para o aprimoramento das ações de prevenção e controle da doença.14

Em 2002, diante da tendência ao incremento da incidência e ao elevado risco de aumento dos casos de febre hemorrágica da dengue, o Brasil lançou o Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD).13,15,16 Este propoe intervenções integradas, tais como: fortalecimento da vigilância entomológica, para ampliar a capacidade de predição e detecção precoce de surtos da doença e a melhoria da cobertura, qualidade e regularidade do trabalho de campo no combate ao vetor.

O PNCD propoe que municípios infestados (em períodos epidêmicos e não epidêmicos) realizem pesquisas larvárias amostrais bimestralmente ou entao quatro levantamentos rápidos de índices entomológicos (LIRAa) ao ano; visita domiciliar bimestral em 100% dos imóveis para tratamento focal; em locais considerados pontos estratégicos (PE), tais como floriculturas, ferros-velhos e borracharias, a vistoria deverá ser de 15 em 15 dias; atividades de educação e comunicação, com vistas à prevenção e controle da dengue pela população; articulação com órgaos municipais de limpeza urbana, tendo em vista a melhoria da coleta e a destinação adequada de resíduos sólidos; articulação com outros órgaos municipais e entidades não governamentais, tendo em vista a atuação intersetorial; realização do bloqueio da transmissão, quando necessário.

As pesquisas de focos larvários utilizam atualmente metodologia de amostragem que visa à obtenção de indicadores entomológicos de forma rápida para orientar as ações de combate vetorial nas áreas de alto risco, conhecido como levantamento de índice rápido para Aedes aegypti (LIRAa). A unidade geográfica utilizada para cálculo amostral do LIRAa é uma subdivisão geográfica do município, o estrato, cuja formação baseia-se no número de imóveis (mínimo de 8.100 e máximo de 12 mil).16

Em Belo Horizonte, Minas Gerais, a primeira epidemia de dengue ocorreu em 1996, com 1.806 casos notificados. Desde entao, o município vem apresentando epidemias associadas à circulação dos sorotipos DEN-1, DEN-2 e DEN-3. Registra-se, deste entao, importante infestação e dispersão do A. aegypti nos vários agregados espaciais da cidade. A maior epidemia ocorreu em 1998, com cerca de 87.000 casos de dengue clássico e 27 casos confirmados de dengue hemorrágico.4,17 A segunda maior epidemia ocorreu em 2010, com cerca de 52.000 casos notificados.18 Entre outros fatores, atribui-se o aumento de casos de dengue no município ao crescimento desordenado da cidade, resultante da urbanização acelerada ocorrida nas últimas décadas, aumento e gestao inadequada de resíduos, manutenção de potenciais criadouros nos domicílios, assim como à elevada densidade populacional em algumas áreas da cidade.19-21

As atividades de combate à dengue realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte são consideradas referência pelo Ministério da Saúde.22 Cerca de 1.200 agentes de combate a endemias (ACEs) fazem o monitoramento constante da presença de focos do mosquito A. aegypti nos imóveis da capital mineira.19 A cada dois meses, os agentes visitam aproximadamente 800 mil unidades prediais na cidade para tratamento de focos. Os pontos estratégicos (PE) locais com concentração de depósitos preferenciais para a desova da fêmea do A. aegypti ou especialmente vulneráveis à introdução do vetor (por exemplo, os ferros-velhos) recebem vistoria a cada 15 dias. Os ACEs informam e orientam a população sobre os cuidados para se evitar a propagação do mosquito da dengue.19

Permanente vigilância entomológica é importante para a manutenção de índices de infestação reduzidos e orientação de ações para prevenção e controle.18-27 Em Belo Horizonte, o LIRAa foi implantado em 2007. É realizado em períodos considerados estratégicos: janeiro (período chuvoso), março (fim do período chuvoso) e outubro (início do período chuvoso ou antecedente a ele). A metodologia foi adaptada com a divisão do município em 74 estratos em áreas contínuas e contíguas e, nestes, todos os quarteiroes são vistoriados; o tamanho da amostra corresponde a 5% das unidades prediais do município.19

Além disso, com o objetivo de monitorar a existência de ovos do A. Aegypti, a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) realiza quinzenalmente captura em cerca de 1.700 ovitrampas espalhadas pelas nove regionais da cidade, cobrindo, cada uma, raio de 200 metros nas áreas habitadas da cidade.19

Com efeito, tendo como unidades de análise diferentes agregados espaciais, estudos identificam a ocorrência intraurbana heterogênea da dengue.4,5,23-26 Alguns autores estudaram a associação entre a dengue e a infestação vetorial e revelaram que valores do índice de infestação predial (IIP) próximos de 1% indicam baixo risco de transmissão, embora se devam considerar os múltiplos fatores condicionantes e determinantes.13,17 Em 2006-2007, tendo como objetivo determinar a prevalência para sorotipos virais da dengue em três DS de Belo Horizonte e investigar a associação com variáveis de contexto e individuais, inquérito soroepidemiológico foi conduzido em parceria entre o Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o Serviço de Controle de Zoonoses (SCZOO), SMSA-PBH. O inquérito foi realizado nos DS Centro-Sul, Leste e Venda Nova. Os critérios de seleção dos DS foram: o DS Centro-Sul foi escolhido por ter apresentado a mais baixa taxa de incidência (1.107,5/100.000 habitantes) durante a epidemia de dengue de 1997 e 1998; o DS Leste por ter sido a regiao de mais alta taxa de incidência durante a mesma epidemia (6.258,9/100.000 habitantes); e o DS Venda Nova porque foi onde incidiram os primeiros casos autóctones do município e onde se registrou a mas elevada incidência durante a primeira epidemia em 1996 (729,6/100.000 habitantes).23,25 Seus resultados mostraram heterogeneidade intraurbana da soroprevalência para os sorotipos DEN-1 e DEN-2, em grande parte associada a indicadores contextuais de vulnerabilidade. O estudo revelou também a existência de elevado número de indivíduos susceptíveis à dengue como problema de saúde pública de difícil controle.23, 25

O presente estudo tem como objetivo determinar e quantificar a associação entre a dengue e indicadores entomológicos e de intervenção no município de Belo Horizonte. Neste sentido, poderá fornecer informações úteis para ampliar o conhecimento sobre a dinâmica de transmissão da dengue no município e, por conseguinte, para o aprimoramento das ações de prevenção e controle.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Local e desenho do estudo

O município de Belo Horizonte é o sexto maior do país, com área de 331,4 km2, população estimada de 2.375.151 habitantes, 7.167 habitantes por krrf e taxa de urbanização de 100% (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010)20. Está dividido em nove regioes administrativas (Barreiro, Centro-Sul, Leste, Nordeste, Noroeste, Norte, Oeste, Pampulha e Venda Nova), sendo que cada uma delas é coincidente com um território de distrito sanitário (DS), estrutura de saúde tecnicamente vinculada à Secretaria Municipal de Saúde, Prefeitura de Belo Horizonte (SMSA-PBH). Por sua vez, os DS subdividem-se em áreas de abrangência das unidades básicas de saúde (conjunto de setores censitários territorialmente delimitados).18,19 Setor censitário é a unidade territorial de coleta das operações censitárias definida pelo IBGE, com limites físicos identificados em áreas contínuas e respeitando a divisão político-administrativa do Brasil.21

Adotou-se um estudo observacional com delineamento ecológico: foi avaliada a associação entre a dengue e os indicadores entomológicos e de intervenção nos mesmos DS de Belo Horizonte onde foi conduzido o inquérito de 2006-2007.23-25 As unidades de análise foram as subdivisões desses DS, denominadas estratos, que são utilizadas como base geográfica nas pesquisas rotineiras de focos larvários para levantamento de índice rápido para A. aegypti (LI-RAa).16 Foram analisados 22 estratos, sendo cinco no DS Centro-Sul, oito no Leste e nove em Venda Nova.

Em decorrência do delineamento dos estratos não ter levado em conta a integridade da área de abrangência, com alguns estratos dividindo-as e, com isso, perdendo-se a base populacional, alguns estratos foram modificados para que cada área de abrangência integrasse um único estrato. Tomando-se como exemplo, no DS Venda Nova a área de abrangência 9210, inicialmente perpassando três estratos, foi totalmente incorporada a um deles. Tal estratégia repetiu-se para as áreas de abrangência 9390, 9280, 9340 e 9380. Para os distritos sanitários Leste e Centro-Sul, o mesmo procedimento foi usado para as áreas de abrangência 3240 e 2210, respectivamente.

Variáveis do estudo

Variável resposta

Taxa de incidência dos casos notificados de dengue em 2010, por local de residência, obtidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) da SMSA-PBH.

Variáveis explicativas

As variáveis explicativas de interesse para este estudo foram:

indicadores entomológicos: a) índice de infestação predial - (IIP) - relação em porcentagem entre o número de imóveis positivos e o número de imóveis pesquisados no LIRAa, para outubro de 2009; b) o número médio de ovos (NMO) encontrado nas armadilhas de oviposição (ovitrampas) entre julho e outubro de 2009;

indicadores de intervenção: cobertura alcançada em relação às metas de combate a focos larvários e pendências (imóveis não acessados por recusa ou por estarem fechados) nas tentativas de controle de focos larvários no ano de 2009 - a) cobertura: proporção de imóveis acessados para controle dos focos em relação ao total de imóveis existentes (a meta é tratar 100% dos imóveis); b) pendências nas ações de controle vetorial da dengue: proporção de imóveis não acessados por recusa ou por estarem fechados, em relação às tentativas de acesso.

Os dados vetoriais e de intervenção foram obtidos da Gerência de Controle de Zoonoses/SMSA-PBH (GE-COZ). Os dados da população e imóveis por distrito e por estrato foram obtidos na SMSA-PBH, com base nas informações do IBGE e levantamento da GECOZ.

Análise estatística

Foi analisada a taxa de incidência da dengue registrada em 2010 em cada estrato em relação às variáveis explicativas medidas em 2009. O IIP refere-se ao LIRAa de outubro, período seco e que antecede o período epidêmico. Os dados das ovitrampas referem-se à média de ovos por estrato no período entre a semana epidemiológica 27 e 42. A cobertura e as pendências referem-se aos cinco ciclos realizados em 2009.

No programa Stata foi realizada a análise univariada entre as taxas de incidência da dengue e os indicadores entomológicos e de intervenção categorizadas, utilizando-se o modelo binomial negativo.

Aspetos éticos

Este estudo está inserido no projeto "Análise dos Fatores Condicionantes da Saúde da População por Areas Delimitadas e Formulação de Propostas de Intervenção. A Dengue em um Grande Centro Urbano: Belo Horizonte, Minas Gerais - Fases 2 e 3", aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (CEP - SMSA/PBH, Protocolo 037/2005, de 14/07/2005).

 

RESULTADOS

Em 2010 foram notificados 51.753 casos de dengue no município de Belo Horizonte. Destes, 40,0% ocorreram nos distritos sanitários Centro-Sul, Leste e Venda Nova. A Tabela 1 apresenta a descrição conjunta das variáveis em todos os estratos. O valor mínimo (276,4/100.000 habitantes) e máximo (9398,1/100.000 habitantes) da taxa de incidência foi observado nos estratos 4 do DS Centro-Sul e 6 do DS Venda, respectivamente.

 

 

A Figura 1 ilustra a variação das taxas de incidência nos estratos de acordo com as categorias, sendo que o DS Venda Nova apresentou mais variação e o Centro-Sul menos variação.

 


Figura 1 - Distribuição das taxas de incidência da dengue* por estrato. Belo Horizonte, 2010. *Por 100.000 habitantes

 

Os distritos sanitários apresentaram risco de transmissão diferenciado. Quando comparados ao DS Centro-Sul, os DS Venda Nova e Leste exibiram risco relativo (RR) de infecção pelo vírus dengue igual a 11,4 (IC95%: 7,3-17,8) e 5,2 (IC95%: 3,3-8,3), respectivamente (Tabela 2).

 

 

Os indicadores entomológicos estao associados à ocorrência da dengue nos estratos. Estratos com IIP entre 2-2,9 e 3 ou mais tiveram, respectivamente, 2,2 (IC95%: 1,1- 4,6) e 2,9 (IC95%: 1,3-6,4) vezes mais risco de ocorrência da doença quando comparados àqueles com IIP inferior a 2. Areas com média de ovos entre 10 e 19,9 e 20 ou mais tiveram, respectivamente, 2,2 (IC95%: 1,1-4,3) e 3,3 (IC95%: 1,5-7,3) vezes altas taxa de incidência, comparadas àquelas com média inferior a 10 (Tabela 3).

 

 

Em relação aos indicadores de intervenção, não se observou associação entre a cobertura e a taxa de incidência da dengue. Já as pendências estiveram positivamente associadas à transmissão da dengue. Quando comparados aos estratos com percentual de pendências inferior a 10%, estratos com pendências entre 10 e 24,9% e 25% ou mais apresentaram RR igual a 7,9 (IC95%: 4,4-14,4) e 5,7 (IC95%: 3,3-9,7), respectivamente (Tabela 4).

 

 

DISCUSSÃO

A heterogeneidade intraurbana da transmissão da dengue observada nos distritos sanitários e nos estratos corrobora os achados do inquérito soroepidemiológico de 2006-2007, o qual atribui parte dessa diferença aos indicadores contextuais de vulnerabilidade.25 A epidemia de dengue de 2010 foi a segunda maior registrada no município de Belo Horizonte desde a ocorrência dos primeiros casos autóctones da doença em 1996. Naquele ano registrou-se explosão de casos quando comparado com o ano de 2009, aumento de cerca de 74,0%.

Os indicadores de infestação vetorial, criticados enquanto utilizados como preditores de epidemias, apresentaram associação estatisticamente significativa com a ocorrência da doença. O número médio de ovos obtido em períodos que antecedem as epidemias foi positivamente associado à infecção pelo vírus dengue. A associação observada no presente estudo destaca a sensibilidade dos índices obtidos das ovitrampas para detectar a presença do vetor principalmente em época seca e, com isso, predizer a ocorrência de epidemias.

Na presente pesquisa não se constatou associação entre a taxa de incidência da dengue e as coberturas que, em geral, foram muito baixas, com média de 63,7% (mínima = 37,6%; máxima = 85,0%). O Ministério da Saúde espera que se alcance o mínimo de 90,0% de cobertura com tentativa de vistorias em 100% dos imóveis e pendência de no máximo 10,0%.8 A ausência de associação entre o percentual de cobertura e taxa de incidência da doença provavelmente poderia ser explicada pela densidade e produtividade dos criadouros existentes nos imóveis não acessados nessas áreas, pois, segundo Forattini e Brito28, determinados tipos de recipientes podem assumir papéis diferenciados na produção de adultos em diferentes regioes. Estudo que quantifique o tipo e a produtividade dos recipientes predominantes nesses imóveis provavelmente poderia elucidar essa questao.

Várias investigações demonstraram que os reservatórios de água são os principais criadouros nas zonas urbanas, os quais, pela sua natureza permanente e pela sua capacidade, constituem fonte de mosquitos mesmo em período seco, contribuindo, assim, para a manutenção da população vetorial.30 Assim sendo, a dificuldade de acesso aos domicílios demanda o desenvolvimento de estratégias especiais e contínuas para a adesão da população às atividades de prevenção e controle da dengue.29

Em estudo realizado no município de Belo Horizonte, Corrêa et al.17 encontraram associação positiva entre o IIP e as taxas de incidência da dengue nos distritos sanitários e áreas de abrangência, o que está em consonância com os nossos resultados.

Em Mirassol, estado de São Paulo, Dibo et al.30, objetivando avaliar a relação entre a existência de ovos de A. aegypti e o coeficiente de incidência da doença, compararam a média semanal de ovos e a incidência registrada nessa mesma semana. Embora não tendo encontrado associação entre a positividade de ovos e o risco de transmissão da doença, os autores consideram a presença de ovos bom indicador da presença do vetor, principalmente em época seca. Provavelmente, a diferença dos resultados entre os estudos deve-se à diferença do período de análise, lembrando que, neste estudo, buscou-se determinar e quantificar a associação entre a presença do vetor no período seco (outubro de 2009, que normalmente antecede o período epidêmico) e a ocorrência da doença no ano subsequente (taxa de incidência da dengue em 2010).

Entre outros fatores, as propostas de análise da transmissão da dengue em áreas urbanas têm como fundamentos avaliar as características ecológicas do vetor, com destaque para a sua acentuada antropofilia e capacidade de adaptação nesses ambientes3 e o crescimento demográfico associado à urbanização acelerada e frequentemente desordenada.31 Para compreender a dinâmica de transmissão da dengue, é imprescindível o conhecimento da produtividade dos diversos tipos de criadouros no ambiente urbano e dos fatores socioeconómicos e ambientais, entre outros.4,7

Visando à melhor compreensão do comportamento da doença, estudo de revisão32 salientou a importância da identificação da heterogeneidade espacial para o entendimento das epidemias. No referido estudo, a heterogeneidade espacial é definida como espaços geográficos onde se encontram populações em diferentes estratos socioeconómicos e a heterogeneidade de incidência e/ou distribuição de casos relacionada às diferentes condições de vida dos diferentes estratos sociais que ocupam o espaço.

Em estudo realizado em São José do Rio Preto com o objetivo de avaliar as ações municipais de combate ao vetor da dengue, Chiaravalloti Neto et al.33 acusaram relação inversamente proporcional entre o tamanho do município e as coberturas, concluindo que a completude das atividades operacionais está diretamente associada ao maior ou menor número de imóveis. Os autores referem-se à importância de se manter um contingente de funcionários nos municípios para o sucesso dos programas de controle e da necessidade de se tomar proveito das visitas para incentivar a participação da população nas atividades de prevenção e controle.

Além do clima34 e dos fatores descritos, o ressurgimento das doenças transmitidas por vetores é atribuído, em grande parte, à ineficácia das políticas públicas na componente controle do vetor33,35 e ao pouco envolvimento da população nas atividades de prevenção e controle.29,36,37 Estudo realizado em Catanduva, São Paulo, relata que a consideração dos conhecimentos prévios da população, suas prioridades, a realidade de cada local, a discussão conjunta dos problemas e o direcionamento de mensagens de acordo com a realidade local são eficazes para a mudança de comportamento e envolvimento da população nas atividades de controle da dengue.29

Antes das conclusões, cabe comentar algumas limitações deste estudo. Maior número de anos de observação e a análise espacial de ponto, considerando-se o endereço em que foram encontrados simultaneamente focos do vetor e casos da doença, poderiam, provavelmente, conferir mais robustez aos nossos achados.

 

CONCLUSÃO

Apesar das limitações inerentes aos índices de infestação vetorial, os resultados indicam que índices mais elevados foram associados a alto risco de ocorrência dos casos notificados da dengue nos agregados espaciais utilizados neste estudo. A estratificação do risco de transmissão da dengue, medida por indicadores de infestação vetorial, poderia contribuir para elucidar a persistência da dengue em determinados locais e direcionar as ações de prevenção e controle da doença para áreas de mais riscos, contribuindo para a maximização de recursos. O monitoramento dos níveis de infestação por meio de ovitrampas constitui método sensível e econômico para detectar a presença do vetor, especialmente na detecção precoce de infestações em áreas onde o mosquito foi eliminado ou recentemente introduzido. Os resultados de tal monitoramento podem contribuir para o direcionamento das ações e priorização de áreas para o controle vetorial. Dado que as pendências se mostraram associadas à transmissão da dengue, pensamos que devem merecer especial atenção, no sentido de identificar as suas principais causas, objetivando a escolha de estratégias mais adequadas para estimular a adesão da população aos programas e estratégias de controle.

* Este é um artigo original e faz parte da dissertação de Mestrado em Saúde Pública, área de concentração em Epidemiologia, do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Minas Gerais.

 

AGRADECIMENTOS

A Secretaria Municipal de Saúde, pela disponibilização dos dados; à Silvana Tecles Brandao, pela oportunidade de estágio, e aos demais técnicos da Gerência Central de Controle de Zoonoses; aos técnicos da Gerência de Controle de Zoonoses da Regional Noroeste, em especial a: Maria Helena (na altura gerente desta regional), Mônica, Kelly, Denilson (atual gerente) e demais técnicos; à Drª. Vânia Novais, pela excelente recepção no Centro de Saúde de Joao Pinheiro; especial agradecimento à Lourdes e aos agentes: Antónia, Flávia, Fábio, Luciano e Vinicius; ao José e demais técnicos do Laboratório de Zoonoses. Finalmente, nossos agradecimentos à Professora Waleska Teixeira Caiaffa, pelas contribuições na fase do projeto.

Este artigo foi parcialmente financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) e Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). FA Proietti é bolsista de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil.

 

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Este é um artigo original e faz parte da dissertação de Mestrado em Saúde Pública, área de concentração em Epidemiologia, do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Minas Gerais.